O texto abaixo é de Guilherme de Almeida, de 1925. Este texto serviu como mote para uma série de reflexões que realizei em meu mestrado (“O poético e a clínica: da verdade à ambigüidade”). Apareceu em boa parte da dissertação. Fabuloso...
Prefácio à “Narciso” (Guilherme de Almeida, 1925/1952)
Se um homem conseguisse escrever o que sente, perderia a faculdade de pensar.
É para não dizer o que sente que o homem pensa.
Uma criatura sincera dá a impressão de que está dizendo o que sente.
Sinceridade é falta de espírito.
A arte é puramente espiritual. Ela não diz verdades: diz mentiras belas. Não adianta nada dizer verdades: quem ouve fica apenas sabendo. Não é preciso que alguém “fique sabendo”; é preciso que todos “fiquem imaginando”.
A verdade é o tédio da imaginação.
Saber é um horror. Uma coisa só é bela enquanto não é sabida: o céu, a alma... Não há sugestões possíveis no binômio de Newton.
Se a natureza fosse bela, a arte não teria razão de ser.
A natureza é o que há de mais verdadeiro; a arte é o que há de mais falso. Mas entre uma incomodativa aurora boreal e o cenário do Príncipe Igor, um homem decente não hesita: vai direto ao cenário de Bakst.
Porque é preciso que exista a verdade e que exista a beleza: se não, não poderia haver homens de mau gosto e homens de bom gosto.
Uma coisa só tem razão de ser enquanto encerra uma intenção de beleza. A verdade não tem intenções.
É muito mais belo acreditar numa mentira do que numa verdade.
Para que a verdade fosse bela, foi preciso pô-la dentro de uma linda mentira: a cisterna da lenda.
Em rigor, não há verdade nem mentira: há pessoas que acreditam e pessoas que não acreditam. A gente só tem necessidade de acreditar nas coisas incríveis. Ninguém tem vontade de que “aconteça” um romance de Zola.; todos têm vontade de que aconteça um conto de Perrault.
Por isso é que há deístas. Deus é perfeitamente inverossímil. Os ateus são homens que com certeza já viram Deus.
A arte é assim: a arte é como Deus. Todos os homens, querendo assemelhar-se a Deus, criam ou destróem. É o que justifica haver artistas e haver críticos. Aqueles criam sugerindo; estes destróem explicando.
Quando um artista não é compreendido, naturalmente é porque um crítico já tentou explicá-lo.
Explicar é completar. Somente as coisas incompletas é que são perfeitas, porque não satisfazem. Uma grande obra de arte é sempre incompleta: tem a perfeição de não satisfazer, isto é, de não cansar nunca.
Mas não há nada mais inútil do que discutir arte. Só se discutem convicções. Em arte não há convicções. O fato de ter um homem uma convicção prova, quando muito, que ele foi inferior a quem o convenceu.
O artista é um ser absolutamente superior.
Prefácio à “Narciso” (Guilherme de Almeida, 1925/1952)
Se um homem conseguisse escrever o que sente, perderia a faculdade de pensar.
É para não dizer o que sente que o homem pensa.
Uma criatura sincera dá a impressão de que está dizendo o que sente.
Sinceridade é falta de espírito.
A arte é puramente espiritual. Ela não diz verdades: diz mentiras belas. Não adianta nada dizer verdades: quem ouve fica apenas sabendo. Não é preciso que alguém “fique sabendo”; é preciso que todos “fiquem imaginando”.
A verdade é o tédio da imaginação.
Saber é um horror. Uma coisa só é bela enquanto não é sabida: o céu, a alma... Não há sugestões possíveis no binômio de Newton.
Se a natureza fosse bela, a arte não teria razão de ser.
A natureza é o que há de mais verdadeiro; a arte é o que há de mais falso. Mas entre uma incomodativa aurora boreal e o cenário do Príncipe Igor, um homem decente não hesita: vai direto ao cenário de Bakst.
Porque é preciso que exista a verdade e que exista a beleza: se não, não poderia haver homens de mau gosto e homens de bom gosto.
Uma coisa só tem razão de ser enquanto encerra uma intenção de beleza. A verdade não tem intenções.
É muito mais belo acreditar numa mentira do que numa verdade.
Para que a verdade fosse bela, foi preciso pô-la dentro de uma linda mentira: a cisterna da lenda.
Em rigor, não há verdade nem mentira: há pessoas que acreditam e pessoas que não acreditam. A gente só tem necessidade de acreditar nas coisas incríveis. Ninguém tem vontade de que “aconteça” um romance de Zola.; todos têm vontade de que aconteça um conto de Perrault.
Por isso é que há deístas. Deus é perfeitamente inverossímil. Os ateus são homens que com certeza já viram Deus.
A arte é assim: a arte é como Deus. Todos os homens, querendo assemelhar-se a Deus, criam ou destróem. É o que justifica haver artistas e haver críticos. Aqueles criam sugerindo; estes destróem explicando.
Quando um artista não é compreendido, naturalmente é porque um crítico já tentou explicá-lo.
Explicar é completar. Somente as coisas incompletas é que são perfeitas, porque não satisfazem. Uma grande obra de arte é sempre incompleta: tem a perfeição de não satisfazer, isto é, de não cansar nunca.
Mas não há nada mais inútil do que discutir arte. Só se discutem convicções. Em arte não há convicções. O fato de ter um homem uma convicção prova, quando muito, que ele foi inferior a quem o convenceu.
O artista é um ser absolutamente superior.
2 comments:
Maravilhoso!
Texto Maravilhoso!
Fantástico, belo, inebriante!
Alexandre Ioda,
Sobrinho Neto da versão plebéia do Barão de Munchausen.
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