Sunday, May 08, 2016

O amor de uma mãe por um filho

Há poucos dias uma colega de trabalho comentava assim comigo, sobre a morte inesperada de uma pessoa muito querida, pela qual havíamos lutado muito, e que está gerando muito, muito sofrimento em seus familiares.

- Às vezes eu desanimo, Adriano. Às vezes me dá vontade de não fazer mais nada, de não lutar por mais nada, porque no final das contas tudo acaba sendo conforme a vontade de Deus, e não adianta nada a gente tentar ir contra ela.

Tive vontade de semear alguma dúvida, mas não havia condições. Eu estava sem tempo para tal e ainda havia o risco, sério, dessa colega se chatear com qualquer divergência nesse campo, o campo das convicções religiosas. A conversa, porém, se estendeu.

Continuamos conversando sobre a perda de uma pessoa tão preciosa, a qual deixará um buraco enorme, uma ferida aberta em quem precisa dela, em que a ama profundamente, em quem lutou tanto por ela, durante tanto tempo, em quem dedicou a vida a essa pessoa, em quem tinha nessa pessoa o sentido de sua própria vida.

Enfim, imaginem o que é o amor de uma mãe por um filho, por um filho único, de apenas 4 anos de idade, pelo qual se lutou tanto, desde a luta para engravidar (de toda a luta pela fertilização in vitro), depois uma gravidez difícil, o parto, a luta toda para amamentar, noites e noites de esforço intenso, preocupações e vigilância constantes, a solidão de ter que se virar com tudo isso sem sentir o amparo do mundo (o desamparo em uma de suas formas mais cruas, uma mãe lutando sozinha, e esfomeada, ao relento, contra o mundo, por sua cria), lutas diárias, tensões e medos diários e também as manifestações absurdamente incríveis do amor, do gosto pela cria, do gosto que tem ter uma cria para lamber, de dormir juntinho todos os dias com um bebê no colo, no peito, no amor intenso e real de estar junto o tempo todo; no amor que nos destrói e constrói um outro ser, no amor que demole todo um mundo e uma realidade, em virtude da promessa da luz de um outro ser a brilhar no horizonte, em virtude da promessa de um novo mundo que dê continuidade à vida…

Enfim, imaginem o amor de uma mãe por uma criança pequena, que é sua filha única. Imaginem a morte dessa criança, de uma forma totalmente incompreendida, a qual deixou perplexa toda a equipe que cuidava dela, que lutava para mantê-la viva. Ela morreu rapidamente e ninguém, até hoje, quase duas semanas depois, sabe o que ocorreu. A conversa se estendeu sobre esses pontos e minha colega concluiu:

- Mas ainda bem que existe Deus, não é, Adriano?

Novamente eu poderia ter semeado a dúvida, mas novamente me abstive, em silêncio, e pensei: “Pois é, ainda bem que existe a dissonância cognitiva, e que a união e o abraço fraterno de todos os dissonantes lhes traga consolo. Meu abraço não carrega essa dissonância. Meu abraço é o abraço de quem também deseja o alívio das dores dessa mãe, de que sua a vida também não pereça diante da morte de sua preciosa e absurdamente amada filha única. Meu abraço pensa no futuro de todos nós, do que podemos dia-a-dia fazer para que possamos nos fortalecer enquanto sociedade, enquanto miragem de estruturas sociais que sejam capazes de dar suporte para essas mães que perdem seus filhos e o sentido de suas vidas.

Diante disso tudo, sinto, por vezes, que semear a dúvida é quase nada, é irrisório.

A cusparada de Jean Wyllys em Jair Bolsonaro

Jean Wyllys cuspiu em Jair Bolsonaro. Concordo que, em termos éticos, um pouco de saliva no rosto é bem menos grave do que o elogio público a torturadores confessos. Mas não há, legalmente, como justificar o início de uma agressão física.

Conheço algumas pessoas que são simpatizantes de Bolsonaro e que agora, de certo modo, estão se simpatizando ainda mais com ele. Estão classificando a atitude de Jean Wyllys como descontrolada, histérica, passional, quebra de decoro e uma série de outros qualificativos depreciantes.

Ainda não li nada de alguém mais indeciso ou que não conheça esses dois políticos mas eu, se não conhecesse nenhum dos dois, estaria vendo somente uma pessoa descontrolada, e com ódio, agredindo a outra.

Uma pessoa pública que prega a tolerância, na minha compreensão, deve se dedicar ao cultivo da temperança, da moderação e jamais cometer o erro de iniciar uma agressão física. É fundamental se concentrar na defesa de ideias e evitar manifestações impulsivas.

Tem que ter muito sangue de barata? Sim, tem que ter muito sangue de barata, bom humor e jogo de cintura, senão talvez não faça muito sentido entrar na carreira política. Tem que ser mais político, Jean, bem mais malandro do que você é. Acho que está faltando um pouco mais de alegria, de despreendimento, do espírito da esquerda festiva que parece ter se perdido bastante nos últimos anos.
E se quisermos o diálogo, e o entendimento com quem pensa diferente de nós, talvez tenhamos que meditar bastante (não é pouco não) sobre frases como essa, de Emily Brontë:

"Se a mais vil das criaturas me esbofeteasse, eu não lhe retribuiria a ofensa, mas lhe pediria desculpas por tê-la provocado."

Sei que a frase de Emily Brontë se aplica muito bem ao contexto individual de uma resolução de conflitos, de quando de fato queremos entrar num acordo com algum agressor. Mas creio que ela pode também nos ensinar bastante sobre assertividade, sobre como é possível nos posicionarmos sem ofensas e sem agressões, sobre como é possível nos posicionarmos em um nível de compreensão e de domínio da situação que está acima do que um agressor é simplesmente capaz de fazer.

A minha impressão é que em uma democracia não existem inimigos, existem adversários. Inimigos devem ser destruídos. Com adversários devemos dialogar ou negociar. Os caminhos a serem construídos para melhorar as condições de vida de nossa população terão de ser pautados pela racionalidade, por muita negociação e diálogo. Discursos agressivos e ofensivos somente afastam ainda mais quem tem divergências conosco.

E parte do problema é que hoje, no Brasil, muitos políticos canalhas estão ganhando o jogo no terreno legal. São canalhas legalistas. Estão levando a parada porque estão do lado da lei. São imorais e estão do lado da lei.

Moral ou imoral, quem não for calculista, e não souber agir em conformidade ao ordenamento legal, estará agindo de modo pouco racional, e vai perder o jogo. Aliás, já está perdendo.

E esse jogo não deve ser jogado somente para os torcedores do nosso time. Bolsonaro e cia vão alegar que foi sério o negócio, valorizando o máximo que puderem do ocorrido, afirmando que foi heterofobia, uma tentativa de homicídio cusposo ou algo parecido rs...