Saturday, August 20, 2016

O comportamento de alguns torcedores nos Jogos Olímpicos Rio-2016

As pessoas estão se dividindo também em relação ao comportamento de alguns torcedores brasileiros, se foram adequados ou não, ou seja: a polêmica, mais uma, sobre as vaias.

Cá com meus botões fico pensando que esse comportamento um pouco mais agressivo das torcidas, no contexto olímpico, é um tiro, moral, no pé. É imoral e desinteligente.

Acho que é desinteligente e um tiro moral no pé porque de certo modo está queimando o filme, a imagem, do torcedor brasileiro. Lá fora, para muitos estrangeiros, está parecendo que estamos conseguindo ganhar no grito. Talvez nossos atletas nem precisassem disso para vencer, e alguns rivais estão justificando suas derrotas com base nisso.

Um pouquinho de lógica não faz mal a ninguém: se no contexto olímpico esse comportamento é uma exceção, isso é um tiro moral no pé.

Na minha concepção o que faz com que um país consiga significativamente mais medalhas não tem relação quase que alguma com esse tipo de comportamento. Isso no máximo consegue somente roubar algumas migalhas, da vitória, que caem no chão...

As vantagens do contato virtual

Vejo várias vantagens no contato virtual com pessoas com as quais não tenho intimidade. Alguns debates ou conversas podem se estender por dias ou até meses e eu, descendente de italianos que sou, nunca altero meu tom de voz o qual, em contextos presenciais, costuma espantar algumas pessoas, gerando boa parte dos problemas de relacionamento, com estranhos, que tenho.

A linguagem virtual escrita, registrável, permite um nível de precisão, economia de gestos e de palavras e registro (para o qual pode-se retornar sempre que for necessário) que é superior ao contato presencial.

O contato presencial tem uma série de elementos não-verbais, tais como o olhar, a forma com que se fala, os quais na minha concepção são, de modo geral, desprezíveis, já que também servem muito ao engano, à ilusão e à trapaça. Há evidências científicas de que psicopatas preferem o contato presencial. É muito mais fácil seduzir se utilizando de uma série de artimanhas não-verbais do que por escrito.

A escrita permite releitura, comparações com registros anteriores, reinterpretação e cálculo de quem a recebe, e esse tipo de contexto costuma ser desvantajoso para um psicopata.

Viva a interação virtual!

Dando o sangue na criação dos filhos

Minha esposa foi fazer exame de sangue. E minha filha está numa fase de extrema curiosidade. Porém, infelizmente, Lilian estava com pressa e não pudemos ir juntos. Luisa ficou comigo, querendo saber o que sua mãe tinha ido fazer. Eram tantas, mas tantas perguntas, que começamos vendo um monte de coisas na internet sobre sangue, como é, o que é, pra que serve, que está presente em todos os vertebrados...

Ela nunca viu sangue, ao vivo. Já foi picada para coleta de sangue porém, como faz tempo, não se lembra mais disso. Então, como sua curiosidade não acabava, esterilizei bem as minhas mãos e as dela, assim como o alfinete, com o qual tentei me furar, na frente dela.

Mas fiquei com preguiça de fazer isso, de furar-me. Então segurei sua mãozinha e deixei que ela mesma tentasse fazer o serviço, picando minha mão onde quisesse. Ela perguntou se faria dodói. Eu lhe disse que era um dodói bem pequeno. Não escondi que não haveria dodói, e ela não conseguiu me furar ao ponto de tirar sangue. Um dia ela consegue e, em algum outro dia, com menos pressa, presenciará o papai ou mamãe sendo picados no laboratório, antes que ela mesma seja um dia picada dessa maneira.

Friday, August 19, 2016

Dia dos pais

No sábado, na véspera do dia dos pais, Lilian estava colocando Luisa para dormir. E Luisa, com dois anos e meio, ainda mama no peito. Luisa só dorme mamando no peito, e eu acho isso muito lindo e muito bom, tanto pra ela quanto pra Lilian.

Toda noite, ao mamar para dormir, Luisa sussurra algumas coisas para a mãe. Geralmente ela fala de alguma coisa que aconteceu durante o dia. E nesse último sábado eu brinquei muito com ela:

- Mamãe, neném tá feliz...

- Por que o neném tá feliz?

- Papai brincou neném...

Voltou a mamar e dormiu, feliz. E eu também, muito, muito feliz. 

Tristeza

Há dias em que a gente bate de frente com a boca escancarada do buraco escuro que é se sentir um completo estranho nesse mundo, a jogar na nossa cara que somos o lado errado, o estorvo, o empecilho, o espinho na garganta de todos aqueles que souberam estar em bando, e não irão pensar duas vezes em pisar na sua cara quando você já com ela afundada na lama.

Fazer o que então? Resta deixar somente deixar que a tristeza faça seu trabalho, e lave a nossa alma, devastando o que tiver pela frente. Eis a redenção: resignar-se.

Chefes

Seu chefe é um carrasco? Há chefes acima dele? Então muito provavelmente ele é um ganancioso lambe-botas de quem está acima dele. Carrasco com os subordinados e cordeirinho nas mãos de seus superiores. O sonho dele é ser o macho alfa ou abelha rainha de toda a empresa.

O pior tipo de funcionário público que existe

O pior tipo de funcionário público que existe, muitas vezes, é aquele que serve somente seu chefe e não a população.

Resumindo: é um puxa-saco, interesseiro, ganancioso e politiqueiro que vive de fazer conchavos e atacar quaisquer colegas que estejam isolados politicamente, seja por rivalidade ou sadismo, mesmo se esses colegas estejam trabalhando arduamente para oferecer a melhor assistência à população.

Mas é aquela história: gente que somente se alia a quem é forte existe em tudo o que é lugar, e é muito importante sempre ficar atento com esses tipinhos existencialmente medíocres.

Sunday, August 14, 2016

Como construir uma cultura de paz?

Hoje de manhã acordei e encontrei isso, compartilhado por um amigo, no Facebook:

“Uma pessoa verdadeiramente pacífica torna-se um foco de paz para todas que a rodeiam. Quando a paz individual é atingida por várias pessoas, a paz coletiva torna-se uma possibilidadade” Swami Bhavyananda

Sim, uma pessoa pacífica pode se transformar em um modelo para aquelas com as quais ela convive, e uma das formas com que um comportamento pode ser alterado é a imitação. Por meio da imitação outras pessoas podem também passar a se comportar de modo mais pacífico.

Contudo, em muitos casos, é necessário que haja orientação adequada e assertividade por parte de quem é pacífico, assim como um contexto de gratificações culturais, de cultura da paz.

Fora o fato de que muitas pessoas são pacíficas no modo passivo. São pacíficas porque são simplesmente passivas. Dão a outra face, mas não têm assertividade, não sabem orientar nem comunicar o que está acontecendo. Ou então, com sua passividade, somente reforçam a agressividade de quem as deseja exatamente assim: caladas, colaborativas, sem qualquer tipo de contraponto ou contestação.

E pensar que o movimento se dá de dentro pra fora, do individual para a coletividade, pode ser pura besteira. A própria mensagem do Swami Bhavyananda, sendo difundida, é um contra-exemplo do que ele prega.

Friday, August 05, 2016

Sobre "dicas" e "sugestões de leitura"

Recebo muitos pedidos de meus ouvintes do YouTube para fazer um vídeo sobre dicas e sugestões de leitura. Mas não tenho dicas ou sugestões de leitura pra ninguém, a não ser que alguém me pergunte sobre uma preferência minha acerca de um assunto específico.
E minhas preferências nem talvez signifiquem alguma sugestão qualificada de quais seriam as melhores leituras no tema proposto, pois não conheço tudo o que foi escrito. Gostei de ler alguns autores, mas não sei se são os melhores em suas áreas.
Também acho um pouco ultrapassada, ou deslocada, essa ideia de que as pessoas tem que ler x livros por ano. Um livro é uma maratona danada e e demanda um tempo grande para ser concluído. Se o autor então começar a incursionar com algum viés ideológico eu nem recomendo. As pessoas costumam se debruçar, durante tanto tempo e com tanto esforço, na leitura de um livro, que isso muitas vezes é suficiente para imaginarmos algumas coisas parecidas com lavagem cerebral, convenhamos.
A depender do autor as ideias demoram tanto a serem desenvolvidas, e há tanta repetição e redundância, que não tem como justificar tamanha dedicação a uma única pessoa. Tem que ser alguma coisa muito agradável de se ler, como uma história bem contada (um romance, um livro de contos) ou então talvez não valha mesmo a pena, principalmente se você estiver entendendo pouca coisa do que está escrito, ou sentir que a leitura não lhe acrescentou muita coisa, ou que o tempo despendido foi muito grande em função do pouco de conteúdo significativo que você assimilou.
Somente para lhes fornecer alguns exemplos, cito-lhes algumas leituras que tive em 1999, quando fazia mestrado na UnB. Em uma disciplina que traçava relações entre psicanálise e literatura, li Hamlet e algumas tragédias gregas. Lamento, por mim e por vocês que estão aqui lendo esse texto, mas essas leituras não acrescentaram quase nada à minha vida profissional, intelectual ou pessoal. Não aprendi quase nada de significativo lendo essas obras, e nem mesmo tentando compreender qual era a importância delas nessas aulas. Podem arremessar suas pedras e me chamar de burro ou ignorante, mas meus esforços para absorver algum conhecimento dessas leituras foram muito grandes e praticamente em vão.
Se fosse hoje muito provavelmente eu teria tirado melhor proveito dessas leituras, pois há mais facilidade de acesso à informação e assim, mais facilmente, encontramos boas interpretações ou bons guias para esse tipo de leitura, cujas aulas de meus qualificados professores do mestrado não foram suficientes para que eu mesmo compreendesse a profundidade e a relevância dessas obras.
Então a minha percepção atual, sobre qualquer tipo de leitura, é a de que ela deve ser inserida no contexto, no horizonte de compreensão e prazer do leitor. Esse engajamento costuma ser paulatino, e é muitas vezes facilitado pela mediação verbal de alguém mais experiente, de alguém que já fez essas leituras e pode facilitar a incursão do leitor nelas.
Outro fator que também julgo importante se relaciona à função da leitura. Muitas pessoas se dirigem para algumas leituras com o intuito de produzirem para si mesmas uma espécie de lustre cultural, o qual poderá ser exibido no circuito esnobe das interações pseudoeruditas.
E pra quê, depois de uma série de leituras, se transformar em um caminhão de pólvora, se você pode ser uma espingarda que atira? O mais importante não são os títulos que você consumiu, que você leu. O mais importante é no que você transforma aquilo que assimilou por meio da leitura.

Se boa parte de suas leituras se transformaram em um exibicionismo descolado da vida vivida, das interações saudáveis entre você, as pessoas e o mundo, isso tudo na verdade não passou de desperdício de tempo, o qual poderia ter sido aproveitado certamente com atividades muito mais prazerosas e saudáveis.

Verso que brota na madrugada

A noite, escorrendo seu escuro, com as horas de molho, secreta um olho, de luz, para massagear a saudade, o que dói em mim.

E assim brota um verso do terror parado do ar na madrugada, do estrume da agonia de que tudo tem fim.

Thursday, August 04, 2016

A natureza não é perfeita

A natureza não é perfeita nos aspectos funcionais, morfológicos e principalmente nos aspectos éticos e morais.

Você já assistiu a algum documentário sobre o comportamento de felinos, principalmente leões? O processo de adaptação desses animais fez com que uma série de comportamentos extremamente agressivos e cruéis fossem selecionados.

Na minha concepção, do ponto de vista ético, a maior parte dos predadores são a coisa mais abominável que existe, inclusive o ser humano, que é o maior e o mais letal de todos eles.
Mas faça uma busca bem simples no YouTube e encontre bandos de leões trucidando outros animais da forma mais cruel e sofrida que se pode imaginar.

Você já viu como que leões caçam e matam elefantes, hipopótamos ou qualquer animal de grande porte? É horripilante, essas presas sofrem demais, por horas e horas ou até dias, sendo comidas praticamente vivas. O animal está sendo comido pelos predadores e não morre, e continua lá gemendo, vivo.

É o cúmulo do absurdo saber que tamanha maldade e crueldade existam, e não faz o menor sentido dizer que isso tem qualquer relação com perfeição.

Linda rosa juvenil

Isso ocorreu há mais de dois meses. Um menininho, com cerca de 4 anos de idade, estava em um balanço no parquinho, brincando perto de minha filha, e ele cantava assim:

"A linda rosa juvenil, juvenil, juvenil,
A linda rosa juvenil, juvenil, juvenil! ..."

Ele cantava a canção todinha. E dias depois pego minha filha cantando assim:

"A linda rosa do vovô Nil, vovô Nil,vovô Nil,vovô Nil!!"

É que o avô materno de minha filha, meu sogro, se chama Juvenil...

Como é trabalhar em um CAPS

É muitíssimo gratificante e enriquecedor, profissional e existencialmente, trabalhar em um CAPS. Há aqui, no CAPS, várias dimensões possíveis de contato com a experiência das interações humanas.
Muitas pessoas, que um olhar exclusivamente biomédico classifica somente como doentes, têm a oportunidade, em um CAPS, de mostrarem ao mundo que são somente radicalmente diferentes dos padrões dominantes.

Chegam aqui massacradas pela violência de uma sociedade que não foi capaz de assimilá-las. Basicamente sofrem por que foram e são constantemente discriminadas e excluídas, mas não simplesmente em função de terem transtornos mentais, porque esses transtornos, em boa parte dos casos, surgiram como resultado desse processo de discriminação e exclusão.

Muito se fala que as pessoas com transtornos mentais sofrem muito preconceito, mas pouco se fala que a discriminação e a exclusão são inclusive fatores importantes na gênese desses transtornos. A discriminação e a exclusão, portanto, começam bem antes, e estão entremeadas no cotidiano de todos nós.

Reitero o que já afirmei antes, há a pouco mais de três anos, após a observação e acompanhamento de alguns casos aqui no CAPS:

"Se você é uma pessoa radicalmente diferente dos padrões estabelecidos pela sociedade na qual está inserido, e se essa sociedade é socioculturalmente pobre, ela fará de você um marginal, herege ou doente mental. Se essa sociedade porém for socioculturalmente rica, se ela for uma sociedade que abriga a riqueza da diversidade humana, ela fará de você um artista ou uma pessoa que possa fazer parte dela em sua evolução e reinvenção criativa, a cada dia..."

Wednesday, August 03, 2016

Ninja 7 (o que vem antes do 7 eu pulei)

Jamais imaginei que um final de tarde seria tão repleto de aventuras, e isso tudo em pouco mais de 30 minutos. Pela manhã tentei fazer um depósito para uma determinada pessoa, com a qual não tenho qualquer tipo de relação pessoal. Ela porém forneceu informações confusas acerca de seus dados bancários. Então tentei por várias vezes fazer esse depósito pela manhã, sem sucesso, e no final da tarde lá estava eu novamente caminhando em direção ao banco. Mas eu mal imaginava que a partir dali, em poucos minutos, teria três grandes momentos ninja, em uma surpreendente configuração cósmica-triangular-ninja-da-morte.

O primeiro momento foi o momento ninja míope. Estava caminhando na mesma via em que muitas pessoas fazem suas caminhadas vespertinas quando, de repente, em um universo de centenas de pessoas se movimentando ao mesmo tempo e em diversos pontos de meu raio de visão quase nula (já que tenho seis graus de miopia), percebi que uma delas a dezenas de metros de mim. Era possivelmente alguém que conhecia mas para a qual muito sabiamente não olhei diretamente, com o intuito de não fazer com que ela percebesse que eu já a havia percebido, e isso obviamente incorreria em algum constrangimento, já que sou míope e na verdade não saberia de fato o que eu estava vendo.

Olhei somente de rabo de olho e pensei: deve ser aquela senhora, minha vizinha... E ela, coitadinha, nem mesmo percebeu que eu já a havia localizado.

Quando, de repente e muito tranquilamente, ela já estava ao meu lado e fez questão de me cumprimentar. E convenhamos, ela também foi um pouco ninja nesse ponto. Resumindo: não passei por constrangimento nem mico. Andei no fio da navalha, e isso é ninja.

O segundo momento ninja se deu dentro da agência bancária, quando tive de digitar os dados bancários do favorecido, para depósito, e não precisei nem mesmo recorrer a qualquer tipo de anotação, pois inconscientemente memorizei todos os 12 algarismos referentes aos seus dados. Tentei por tantas vezes fazer aquela porra de depósito pela manhã, com um ou dois números errados que o favorecido me fornecera, que no final da tarde eu já estava ninja, sabendo todos os seus dados bancários, sendo que não sei de cor nem o número de minha própria conta no banco.

E, convenhamos, essa memorização inconsciente, e sem esforço, que fiz, é um típico momento ninja de quando se é atropelado por um carro e, girando, no alto, a cerca de uns cinco do chão, o ninja ainda consegue disparar a sua pistola, acertando fatalmente vários de seus oponentes antes de perder a consciência e ir a óbito.

O último momento ninja foi o mais espetacular. Foi o momento ninja peidorreiro. Há cerca de 10 metros da portaria de meu prédio, não conseguindo saber se de fato havia um elevador que subiria para meu andar, corri feito um louco e consegui chegar a tempo, com uma mulher adentrando esse clássico cubículo de onde brota um anedotário imenso em que os peidos reinam como protagonistas de uma sufocante saga sem fim. Mas foi tudo tão rápido que eu mesmo tenho dificuldades de narrar a peripécia. O que fiz é mais rápido do que qualquer possibilidade de concepção ou planejamento.

Como disse, corri como nunca, sem fazer qualquer tipo de ruído. Ou seja, ninguém percebeu que naquele ambiente havia alguém correndo desesperadamente, e isso já é meio ninja. Cheguei até o elevador e estendi meus braços, para que o sensor infravermelho já captasse minhas intenções, e adentrei completamente dentro do mesmo, sem que a mulher que estava lá dentro percebesse que havia mais alguém, porque ela ainda estava de costas pra mim. 

Ou seja, adentrei o elevador juntamente com essa mulher, bem perto dela, e ela nem percebeu que alguém passou por ali e saiu muito rapidamente, deixando no ar um cheiro absurdamente impressionante de merda. Eu já estava dentro do elevador mas não poderia dar continuidade à viagem, pois aquela senhora iria saber que, nessa corrida louca de 10 metros, eu tinha quase me cagado devido a tal esforço. 
Senti-me um verdadeiro fantasma peidorreiro. Essa senhora não deve ter entendido patavinas, pois adentrou um ambiente em condições normais, e teve de se direcionar para seu andar em um elevador podre, caindo aos pedaços, pela bomba involuntária que lá deixei.

Voltei para casa com um sorriso nos lábios e um sentimento de missão cumprida, de que mais uma vez a humanidade foi salva de seu extermínio total.

Nazismo e socialismo (Stanley, Viereck, Constantino)

Tim Stanley, historiador, PhD pelo Trinity College, Cambridge, conhecido por apoiar o Partido Republicano nos EUA e o partido conservador de David Cameron na Inglaterra, escreve assim:

"Tornou-se evidente que Hitler não era um socialista algumas semanas depois de se tornar Chanceler da Alemanha, quando ele começou a prender socialistas e comunistas. Ele fez isso, afirmam alguns, porque eram modalidades diferentes de socialismo concorrendo entre si. Mas isso não explica porque Hitler definiu a sua política tão absolutamente como uma guerra contra o bolchevismo - uma promessa que ganhou o apoio das classes médias, industriais e muitos conservadores estrangeiros.

Dan afirma que Hitler era um socialista com algumas reservas, que:

"O erro de Marx, Hitler acreditava, tinha sido a promover guerra de classes em vez de unidade nacional - para definir trabalhadores contra os industriais, em vez de recrutar os dois grupos em uma ordem corporativista."

No entanto, por essa mesma definição, Hitler não era um socialista. O marxismo é definida pela guerra de classes e o socialismo é realizado com a vitória total do proletariado sobre as classes dominantes. Por outro lado, Hitler ofereceu uma aliança entre trabalho e capital na forma de corporativismo - com o propósito expresso de evitar a guerra de classes.

Marxistas consideravam esta como uma das etapas do desenvolvimento capitalista e poucos no momento legitimamente interpretaram o Terceiro Reich como sendo uma sociedade socialista. O radical George Bernard Shaw, por exemplo, certamente expressou simpatia por Hitler quando ele chegou ao poder, mas mais tarde descreveu o socialismo do ditador como fraudulento - como uma forma de subornar a revolução inevitável. Ele usava, na opinião de Shaw, "o mais recente máscara do capitalismo".

De fato, enquanto os nazistas continuaram a política de nacionalização da República de Weimar, eles também privatizaram algumas coisas, também: algumas siderúrgicas, quatro grandes bancos e as estradas de ferro. O lucro gerou quase 1,4 por cento da renda do Estado 1934-38. Industriais se deram bem nos anos do nazismo, ajudado por uma política de Estado de esmagar os sindicatos e enfatizando o pleno emprego em detrimento do aumento de salários.

É verdade que a economia foi socializada na última parte da década de 1930, mas não por causa da construção do socialismo. Era para se preparar para a guerra. Política vem antes de economia no estado fascista na medida em que é difícil conceber de Hitler como um pensador econômico coerente em tudo. Ele teria feito qualquer coisa para fortalecer a sua conquista da Europa Oriental, e uma economia de comando provou ser melhor para a construção de tanques do que o mercado livre. Dado que o ditador contou com o apoio de uma burguesia que aceitava os sacrifícios que tiveram de ser feitos para defender seus lucros contra o socialismo, podemos definir o Terceiro Reich como o capitalismo abraçando os aspectos da economia socialista, a fim de defender os interesses dos capitalistas. Shaw tinha razão.

As metas de Hitler eram, de fato, totalmente contraditórias com o igualitarismo do socialismo. A ironia é que ele às vezes se utilizava de uma economia socialista para prosseguir a sua agenda. Mas, reiterando, isto ocorria porque a política tinha prioridade sobre uma teoria econômica consistente. Por exemplo, fazendas alemãs não foram coletivizadas como o marxismo exigiu. Elas foram protegidas da concorrência e o agricultor alemão era representado como o ideal ariano.

Com a guerra se aproximando, a agricultura caiu em importância e a industrialização teve prioridade. A política econômica oscilava entre esquerda e direita. Mas derrotar o movimento comunista "judeu" era a única coisa que realmente importava.

Então, como vamos explicar por que Hitler muitas vezes se autodenominava um socialista? É uma questão de moda: na década de 1920 e 1930, o socialismo era a onda do futuro e teve um efeito enorme sobre o discurso político. Muita gente usou a terminologia do marxismo sem necessariamente fazer parte dele ou até mesmo entendê-lo. E muitos governos falavam da necessidade de elevar os padrões de vida, ajudar os pobres ou mesmo gerir a economia - mas nós não os classificaríamos como marxistas. A América teve seu New Deal; a Suécia teve a sua social-democracia. Os japoneses militarizaram o país inteiro, mas assim fizeram para expandir o domínio de um imperador que eles julgavam como sendo um deus vivo, o que dificilmente pode ser concebido como um comportamento de comunistas. Na Grã-Bretanha, o governo de Stanley Baldwin gastou milhões em um programa de construção de casas e criou a BBC, uma empresa estatal. Mas Stanley não era Stalin.

Agora, os libertários dizem que chamam Hitler de socialista, em parte, para combater esquerdistas que chamando todos eles não gostam de "fascistas". Eles têm um bom ponto e é muito irritante quando a esquerda faz isso. Mas não apenas porque sua ofensiva para equiparar Iain Duncan Smith com Goebbels: porque é um abuso de os fatos da história.

No entanto, a acusação de que X ou Y é "como Hitler" continua a ser comum. E há alguns libertários que afirmam que algo só é de direita se abraça o liberalismo clássico; enquanto tudo o que concebe um papel para o Estado na economia tem sido historicamente de esquerda. Mas de direita autoritarismo certamente existe. O fascismo é a utilização violenta do Estado para alcançar os objetivos de direita: a ordem social, chauvinismo religioso, a proteção do lucro privado etc. A lição moral é que o poder corrompe todos: esquerda, direita, homens, mulheres, homossexuais, heterossexuais, preto , branco, religioso, ateu.

Vote libertário!"

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O jornal The Guardian republicou, em 2007, alguns trechos de uma entrevista de Hitler, concedida ao escritor alemão George Sylvester Viereck em 1923:

“O socialismo é a ciência de lidar com o bem comum. O comunismo não é o socialismo. O marxismo não é o socialismo. Os marxistas roubaram o termo e confundiram seu significado. Eu devo tomar socialismo longe dos socialistas.

"O socialismo é uma antiga instituição ariana e germânica. Nossos antepassados alemães tinham certas terras em comum. Eles cultivavam a idéia do bem comum. O marxismo não tem o direito de se disfarçar como um socialismo. O socialismo, ao contrário do marxismo, não repudia propriedade privada. Ao contrário do marxismo, não envolve qualquer negação da personalidade, e ao contrário do marxismo, é patriótico. ""

Hum, é um socialismo meio olavete...

E, por fim, uma citação feita por R. Constantino e que o vlogueiro N. Moura repete, sem citar o Constantino, o qual, por sua vez, não cita de onde tirou isso:

O próprio Hitler teria confessado: “Não sou apenas o vencedor do marxismo, sou seu realizador”. Hitler diz ainda: “Aprendi muito com o marxismo e não pretendo escondê-lo”.
Descobri de onde saiu essa citação. Saiu do livro de Hermann Rauschning. A maioria da comunidade cientifica em historia considera o livro uma fraude completa, e esta citação é um evento isolado em completa contradição com inúmeras outras fontes.

Referências:

Artigo de Tim Stanley:
http://www.telegraph.co.uk/history/11655230/Hitler-was-not-a-socialist-even-if-he-did-stash-champagne.html

Entrevista com Hitler, concedida a George Sylvester Viereck em 1923 (The Guardian):
https://www.theguardian.com/theguardian/2007/sep/17/greatinterviews1

P. 114 do livro de Hermann Rauschning, com parte usada por Constantino:
https://archive.org/stream/VoiceOfDestruction/VoiceOfDestructionJr#page/n114/mode/1up


Nazismo e Socialismo (Bracher)

O termo nazismo é uma abreviação de nacional-socialismo. Como existe o termo socialismo contido nesta locução, algumas pessoas se prendem a isso para afirmar que o nazismo era uma forma de socialismo e elas costumam se expressar mais ou menos assim:

"O nazismo é uma forma de socialismo, pois o partido nazista alemão se chamava Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Ou seja, se tem "socialismo" no nome, logo é socialista."

Porém, tomemos cuidado com a falácia terminológica. O nome de alguma coisa não quer dizer necessariamente que essa coisa seja literalmente o que esse nome designa. Se for somente tomar pelo nome, o Partido Progressista, do qual Bolsonaro já foi membro, teria de ser progressista. E não é. O PP é totalmente antiprogressista.

Há também outros exemplos. A República Democrática Alemã (1949-1990) e a atual Coréia do Norte, oficialmente República Popular Democrática da Coreia (duas ditaduras socialistas), teriam de ser classificadas como democráticas. Ou um cavalo-marinho teria de ser classificado como uma espécie de equino somente por ter "cavalo" no nome.

Por outro lado, é importante que tentemos começar a avaliar o conceito (e o contexto histórico que produziu o nazismo) por meio de referências qualificadas. E como a internet é de fato uma maravilha, sugiro que vocês acessem online o Dicionário de Política, organizado por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, para que vocês possam ler juntinho comigo o que vou citar aqui do verbete sobre o “nacional-socialismo”.

Esse verbete foi escrito por Karl D. Bracher, cientista político e historiador alemão, nascido em 1922, professor e pesquisador da Universidade de Bonn, especialista em República de Weimar e Alemanha nazista.

Antes que alguém precipitadamente acuse esse professor alemão de ser um comunista ou coisa parecida, é melhor se informar um pouco sobre o histórico dele. Durante todo o período da Guerra Fria, Bracher foi um dos poucos acadêmicos alemães totalmente favoráveis à política externa dos Estados Unidos, com a constante e sistemática defesa dos valores da Alemanha Ocidental, em contraposição aos valores da Alemanha Oriental e União Soviética.

A introdução, o primeiro parágrafo, do verbete é assim:

“I. PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO,- o termo Nacional-socialismo possui inúmeros significados e diferentes conotações. No seu sentido mais geral tem sido usado, há mais de um século, por vários movimentos e ideologias políticas, defensores de um tipo de socialismo diferente do socialismo internacionalista e marxista, ou até contrários a ele. Por um lado, o nacionalismo nasceu no século XIX, como reação à sociedade industrial e à emancipação liberal. Por outro, os movimentos nacionalistas nos países em desenvolvimento, sobretudo nos Estados árabes (socialismo árabe), defenderam, até o presente momento, formas novas de Nacional-socialismo, como alternativa ao feudalismo e ao colonialismo. Em todos estes exemplos, todavia, qualquer uso que se faça do termo ficará praticamente abandonado ou provocará mais confusão uma vez que o Nacional-socialismo, como fenômeno político de dimensões históricas mundiais, indica sobretudo o movimento político alemão, fundado e guiado por Adolf Hitler após a Primeira Guerra Mundial, polemicamente conhecido pelo diminutivo de nazismo.” (p. 807) [1]

Ou seja, não dá para citar esse verbete de modo isolado e fora do contexto histórico em que ele surgiu. É importante conhecer um pouco dos detalhes desse contexto.

Pela leitura de todo o verbete e de outras leituras que já tive, tenho a impressão de que os nazistas foram muito estratégicos em termos de propaganda. Como já defendi em meu último texto sobre o tema: é importante se levar em conta a hipótese de que o nazismo era um movimento sincrético, ou seja, reunia repertórios de outros movimentos, inclusive de movimentos antagônicos entre si, e isso se encaixa em suas estratégias em termos de propaganda, em termos de manipulação das massas.

Após 1918 era muito importante conquistar a mentalidade dos trabalhadores alemães. Sabemos que o mundo ocidental tremia em relação ao perigo comunista, e Hitler também temia esse avanço das ideologias marxistas, como está claro em vários trechos de seu livro, “Minha luta”.

Havia portanto uma guerra ideológica intensa para se conquistar a mentalidade dos trabalhadores alemães, os quais vinham flertando com as ideologias marxistas. Neste sentido um nome, estratégico para o partido era fundamental:

“O Nacional-socialismo se estruturava com base num darwinismo social nacionalista, racista e muito simplificado, tornado popular pelos escritos de radicais sectários. Porém, ao mesmo tempo, procurou, mediante uma mistura eclética de programas doutrinários e políticos, atingir todas as camadas da população. Os primeiros slogans do Nacionalsocialismo, pelo seu sucesso imperialista e expansionista e pela submissão ao Governo ditatorial nacionalista, foram elaborados para distrair a classe média e a classe operária dos reais problemas internos. A "comunidade nacional" foi escolhida para ser a panacéia que curaria os males econômicos e políticos, no lugar do pluralismo econômico e da sociedade classista. As doutrinas militaristas e racistas foram os instrumentos utilizados para enganar e conquistar a população.” (p. 810)

“[...] o terceiro Reich pôde se concretizar graças a um conjunto de manobras eficazes e enganadoras. Sem estas manobras, provavelmente, Hitler nunca chegaria ao poder. Ele afirmava que a sua era uma "revolução legal". Misturando estes dois conceitos contraditórios, os nacionalistas conseguiram satisfazer o desejo popular de ordem e, ao mesmo tempo o desejo de uma mudança radical num período de profunda crise econômica.”

“O caminho da ditadura presidencial sempre foi apoiado pelos adversários conservadores da democracia parlamentar e, após 1930, contou com o apoio ativo do marechal Hindenburg, o autoritário filomonárquico presidente alemão. Foi ele quem ajudou o partido nacional-socialista a se libertar da incômoda posição de partido minoritário, que nunca tinha conseguido mais de um terço dos votos populares em nenhuma eleição.” (p. 811)

“No fim, as reais manifestações do regime nacional-socialista foram uma refutação daquelas próprias ideias em que o mesmo se baseava.” (p. 812) [1]

Hitler acreditava que a propriedade privada era útil na medida em que estimulava a concorrência e criava inovação técnica, mas insistiu que ela tinha de atuar de acordo com os interesses nacionais e ser "produtiva" ao invés de "parasitária". O direito à propriedade privada era condicionado ao modo como essa propriedade deveria ser usada: se não colaborasse com as metas econômicas nazistas, o estado poderia nacionalizá-la. Embora os nazistas tenham privatizado propriedades e uma série de serviços públicos, também aumentaram o controle estatal. Apesar do livre mercado e a livre concorrência terem se enfraquecido sob o regime nazista, as crenças darwinistas, o darwinismo social dos nazistas, era obviamente relutante em desconsiderar inteiramente a concorrência e a propriedade privada como os motores da economia.[2,3,4,5]

“Ao mesmo tempo, não se pode negar que a visão de mundo (weltanschaung) nacional-socialista, diferentemente do marxismo e do comunismo, não é resultado de uma filosofia ou teoria coerente, e sim se caracteriza por um conjunto de idéias e princípios, concepções, esperanças e emoções, unidos por um movimento político radical numa época de crise." (p. 809)

“III. FATORES DA ASCENSÃO DO NACIONALSOCIALISMO, - A ascensão do Nacional-socialismo (1919-1933) foi possível graças à conjugação dos defeitos da política alemã, desde os primórdios do século XIX, com as raízes fatídicas e a história repleta de crises da República de Weimar. A democracia de 1918 foi considerada responsável pelas consequências da derrota na Primeira Guerra Mundial. O novo Governo se tornou o bode expiatório e o objeto do ódio das forças da restauração e da reação no Estado e na sociedade, bem como dos movimentos revolucionários ditatorias reunidos nos belicosos Freikorps, em seitas populares anti-semitas e em organizações paramilitares. O "espantalho vermelho" da revolução comunista completou a tarefa de tornar exército e burocracia, classe média e patrões, fácil conquista de tais sentimentos.” (p. 809)

Referências:

1. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1986.
2. Overy, R.J., The Dictators: Hitler's Germany and Stalin's Russia, W. W. Norton & Company, Inc., 2004. p. 403.
3. Temin, P. (November 1991). "Soviet and Nazi economic planning in the 1930s". The Economic History Review, New Series. 44 (4): 573–93. Abstract in Wiley Online Library.
4. Guillebaud, C. W. 1939. The Economic Recovery of Germany 1933-1938. London: MacMillan and Co. Limited.
5. Barkai, Avaraham 1990. Nazi Economics: Ideology, Theory and Policy. Oxford Berg Publisher.