Wednesday, April 16, 2014

Plano de suicídio

Um amigo me disse há pouco:

“Você tem seu plano de suicídio? Eu tenho o meu, mas respeito a admiro muito que tem a coragem ou a ilusão de acreditar na sorte.”

Filho do tráfico

Ele e seu amigo foram levados, por alguns inimigos, para um local bem distante, no meio do mato, e esses disseram que eles dois iriam morrer. Ele com 15 anos de idade e o colega em idade bem próxima disso. Deram vários tiros em seu amigo, pois “não fora capaz de fingir que havia morrido”. Ele, tendo percebido isso, pensou: “vou fingir que morri no primeiro tiro”. 

Restava pouca munição, a qual havia sido quase toda gasta com o colega do lado. Então miraram em sua nuca, para que fosse um único e certeiro disparo.

Após ser alvejado, não desmaiou, mas foi capaz de simular que o fora. Foram embora pensando que estava morto. Não estava. O tiro acertou a parte posterior de seu pescoço, trespassando-o, com lesão de sua medula espinhal.

Totalmente paralisado do pescoço pra baixo, permaneceu ali por dois dias inteiros, com a cara na terra cheia de formigas e bichos, e sol a queimar as suas costas. Ficou ali, a esperar por um milagre, por socorro no fim do mundo e talvez no fim de sua vida, sua tão curta vida humana de somente 15 anos de idade. Mas eis que, depois de dois dias, é encontrado por um vaqueiro e é por fim socorrido.

Fui conseguindo saber um pouco de sua história, reunindo depoimentos de alguns familiares e dele mesmo. Ao lado de seu leito, pergunto:

“O que foi o mais difícil nesses dois dias de espera, de agonia? O sol, dores... insetos?”

“Foi a sede...”, sem qualquer expressão de vitimização.

Tomara um tiro que o deixara quase totalmente paralítico, a esperar com a cara na terra, por socorro, por dois dias, e seu sofrimento podia ser resumido em uma única palavra: sede.
Já no hospital, ainda não estava salvo. A coisa piorou. Seu quadro se agravou e entrou em coma, por uns cinco dias. Quando acordou, já estava traqueostomizado e sem voz. Agora não se mexia e também não tinha mais o som de suas cordas vocais. E mais um absurdo: ele é capaz de emitir alguns sons enquanto tenta falar. São quase uns sussurros – coisa que eu nunca pude observar da boca de ninguém que estivesse traqueostomizado. E é fácil de ler seus lábios. Da para compreender quase tudo o que ele tenta dizer.

Tem progredido bastante e está feliz que sim, que certamente voltará a engolir e poder comer. 

Está sorridente e um pouco radiante. E nunca ninguém ali o viu, naquele leito, chorando.

“Vou voltar a comer. Tô com muita saudade de poder comer”, consigo ler em seus lábios.

“E qual é o prato que você tá com mais saudade de comer?”

Pensei em sorvete, lasanha, tortas, pastel...

“Frango...”

“Frango? Frito ou assado?”


“Frango ao molho!”

Tuesday, April 08, 2014

Exploro o quarto vazio da vida que deixei jogada no canto da dor do andar pesado, o qual o mundo gravou em minha rotina de morar no deserto de uma existência sem ilusões, para descobrir a rebeldia como minha constante e secreta companheira.
Agora moro na alegria, outrora perdida em minha truculência assustada, pela alma encolhida num canto triste do desprezo, o qual eu mesmo cegamente alimentava no olhar de quem não enxergava uma gota sequer da minha realidade esquecida e pisoteada pela pressa do mundo, pela pressa de quem soube abraçar o que é normal, de quem soube bater palmas para os donos de tudo o que eu abominava e jurava inutilmente lutar para demolir na esquina de nosso medo, no abismo de nosso desencontro.

Wednesday, April 02, 2014

Filhos do tráfico

Ele e seu amigo foram levados, por alguns inimigos, para um local bem distante, no meio do mato, e esses disseram que eles dois iriam morrer. Ele com 15 anos de idade e o colega em idade bem próxima disso. Deram vários tiros em seu amigo, pois “não fora capaz de fingir que havia morrido”. Ele, tendo percebido isso, pensou: “vou fingir que morri no primeiro tiro”. Restava pouca munição, a qual havia sido quase toda gasta com o colega do lado. 

Então miraram em sua nuca, para que fosse um único e certeiro disparo.
Após ser alvejado, não desmaiou, mas foi capaz de simular que o fora. Foram embora pensando que estava morto. Não estava. O tiro acertou a parte posterior de seu pescoço, trespassando-o, com lesão de sua medula espinhal.

Totalmente paralisado do pescoço pra baixo, permaneceu ali por dois dias inteiros, com a cara na terra cheia de formigas e bichos, e sol a queimar as suas costas. Ficou ali, a esperar por um milagre, por socorro no fim do mundo e talvez no fim de sua vida, sua tão curta vida humana de somente 15 anos de idade. Mas eis que, depois de dois dias, é encontrado por um vaqueiro e é por fim socorrido.

Fui conseguindo saber um pouco de sua história, reunindo depoimentos de alguns familiares e dele mesmo. Ao lado de seu leito, pergunto:

“O que foi o mais difícil nesses dois dias de espera, de agonia? O sol, dores... insetos?”

“Foi a sede...”, sem qualquer expressão de vitimização.

Tomara um tiro que o deixara quase totalmente paralítico, a esperar com a cara na terra, por socorro, por dois dias, e seu sofrimento podia ser resumido em uma única palavra: sede.

Já no hospital, ainda não estava salvo. A coisa piorou. Seu quadro se agravou e entrou em coma, por uns cinco dias. Quando acordou, já estava traqueostomizado e sem voz. Agora não se mexia e também não tinha mais o som de suas cordas vocais. E mais um absurdo: ele é capaz de emitir alguns sons enquanto tenta falar. São quase uns sussurros – coisa que eu nunca pude observar da boca de ninguém que estivesse traqueostomizado. E é fácil de ler seus lábios. Da para compreender quase tudo o que ele tenta dizer.

Tem progredido bastante e está feliz que sim, que certamente voltará a engolir e poder comer. Está sorridente e um pouco radiante. E nunca ninguém ali o viu, naquele leito, chorando.

“Vou voltar a comer. Tô com muita saudade de poder comer”, consigo ler em seus lábios.

“E qual é o prato que você tá com mais saudade de comer?”

Pensei em sorvete, lasanha, tortas, pastel...

“Frango...”

“Frango? Frito ou assado?”

“Frango ao molho!”

Homem que chora no meio da rua

Descobri onde nasce a loucura do homem que chora no meio da rua, regando a pedra da dor para colher a beleza de um sorriso inesperado, a florescer no deserto de sua solidão.
Em dois minutos consigo parir o mundo inteiro na ilusão de uma frase imensa, para tragar a sua atenção para a boca do vulcão de minhas sandices.