Essas pessoas que não dão valor ao que têm, que ficam o tempo todo se comparando a outras, que estariam em algum nível superior, precisam de um pouco mais de isolamento. Talvez precisem mesmo sair das redes sociais e estarem mais dentro de sua própria vida, em sua própria intimidade. Porque a felicidade mora na simplicidade e na intimidade. A felicidade não mora na fama, na relação com fãs ou pessoas que não nos conhecem, e que na verdade não nos amam. E, claro: o bem-estar psicológico depende de mais uma infinidade de variáveis. Mas faz sentido também falar desse aspecto pontual, quando aparece.
CRÍTICA DO SENSO COMUM E PROSA - Quem quiser adquirir o livro, acesse o link do canto superior direito
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Friday, December 25, 2020
Tuesday, September 17, 2019
Harari: sobre a qualidade de vida durante a história
É comum, inclusive por alguns pesquisadores, a afirmação de que a qualidade de vida da humanidade nunca foi tão alta como atualmente. Sinto, porém, que talvez esse tema ainda seja alvo de algumas controvérsias, inclusive no meio científico. E claro que tudo isso deve ser contemplado sem idealizações, porque há também o lado sombrio, cruel e violento da vida do homem paleolítico, o qual também deve-se levar em conta. Então, vejam só o que diz Yuval Harari, em Sapiens:
“Enquanto as pessoas nas sociedades afluentes de hoje trabalham, em média, de 40 a 45 horas por semana, e as pessoas nos países em desenvolvimento trabalham 60 ou mesmo 80 horas por semana, os caçadores-coletores que hoje vivem nos habitats mais inóspitos – como o deserto de Kalahari – trabalham, em média, apenas 35-45 horas por semana. Eles caçam apenas uma vez a cada três dias, e a coleta leva não mais do que de três a seis horas diárias. Em épocas normais, isso é suficiente para alimentar o bando. É bem possível que os antigos caçadores-coletores vivendo em zonas mais férteis do que o Kalahari gastassem ainda menos tempo obtendo alimento e matérias-primas. Além disso, eles tinham uma carga mais leve de tarefas domésticas: não tinham pratos para lavar, tapetes para limpar, pisos para polir, fraldas para trocar ou contas para pagar.
A economia dos caçadores-coletores proporcionava à maioria dos indivíduos vidas mais interessantes do que a agricultura ou a indústria. Atualmente, um operário chinês sai de casa por volta das sete da manhã e atravessa ruas poluídas rumo a uma fábrica com condições precárias de trabalho, onde opera a mesma máquina, da mesma maneira, dia após dia, durante dez longas horas, voltando para casa por volta das sete da noite para lavar a louça e a roupa. Há 30 mil anos, um caçador-coletor chinês possivelmente saía do acampamento com seus companheiros às oito da manhã. Eles perambulavam pelas florestas e savanas das redondezas, colhendo cogumelos, desenterrando raízes comestíveis, capturando rãs e às vezes fugindo de tigres. No começo da tarde, estavam de volta ao acampamento para almoçar. Isso lhes deixava tempo suficiente para fofocar, contar histórias, brincar com os filhos ou simplesmente descansar na companhia uns dos outros. É claro que às vezes alguém era pego por um tigre, ou picado por uma cobra, mas por outro lado eles não precisavam lidar com acidentes de automóvel ou poluição industrial.
Em quase todos os lugares e em quase todas as épocas, a atividade caçadora-coletora fornecia a nutrição ideal. Isso dificilmente surpreende – essa foi a dieta humana durante centenas de milhares de anos, e o corpo humano estava bem adaptado a ela. Evidências de esqueletos fossilizados indicam que os antigos caçadores-coletores tinham menos tendência a passar fome ou sofrer desnutrição e em geral eram mais altos e mais saudáveis do que seus descendentes camponeses. Ao que parece, a expectativa de vida era de apenas 30 a 40 anos, mas isso se devia, em grande parte, à incidência elevada de mortalidade infantil. As crianças que sobreviviam aos perigosos primeiros anos tinham boas chances de chegar aos 60, e algumas chegavam aos 80. Entre os caçadores-coletores modernos, as mulheres de 45 anos podem esperar viver outros 20, e cerca de 5 a 8% da população tem mais de 60 anos.
O segredo do sucesso dos caçadores-coletores, que os protegia da fome e da desnutrição, era sua dieta variada. Os agricultores tendem a ingerir uma dieta muito limitada e desequilibrada. Especialmente nos tempos pré-modernos, a maior parte das calorias que alimentam uma população agrícola vinha de uma única colheita – como trigo, batata ou arroz – que carece de algumas das vitaminas, sais minerais e outros nutrientes de que os humanos necessitam. Já os antigos caçadores-coletores comiam regularmente dezenas de alimentos distintos. O camponês chinês típico comia arroz no café da manhã, arroz no almoço e arroz no jantar. Se tivesse sorte, podia esperar comer o mesmo no dia seguinte. Diferentemente, os antigos caçadores-coletores comiam dúzias de tipos diferentes de comida. Ancestral do camponês, o caçador-coletor talvez comesse bagas e cogumelos no café da manhã; algumas frutas e tartaruga no almoço; e carne de coelho com cebola selvagem no jantar. É bem provável que o menu do dia seguinte fosse completamente diferente. Essa variedade garantia que os antigos caçadores-coletores recebessem todos os nutrientes necessários.
Além disso, ao não depender de um único tipo de comida, eles eram menos propensos a sofrer na ausência de uma fonte específica de alimento. As sociedades agrícolas são arruinadas pela fome quando uma seca, um incêndio ou um terremoto devastam a colheita anual de arroz ou de batata. As sociedades caçadoras-coletoras não estavam imunes a desastres naturais e sofriam períodos de fome e privação, mas em geral eram capazes de lidar com tais calamidades mais facilmente. Se perdiam alguns de seus alimentos essenciais, podiam coletar ou caçar outras espécies, ou migrar para uma área menos afetada.
Os antigos caçadores-coletores também eram menos afetados por doenças infecciosas. A maioria das doenças infecciosas que acometeram as sociedades agrícolas e industriais (como varíola, sarampo e tuberculose) se originou em animais domésticos e passou para os humanos somente após a Revolução Industrial. Os antigos caçadores-coletores, que domesticaram apenas cachorros, estavam livres desses males. Além disso, a maioria das pessoas nas sociedades agrícolas e industriais vivia em assentamentos permanentes que eram populosos e pouco higiênicos – uma incubadora ideal para doenças. Os antigos caçadores-coletores percorriam a terra em pequenos bandos, o que não alimentava epidemias.
A dieta completa e variada, a semana de trabalho relativamente curta e a raridade de doenças infecciosas levaram muitos especialistas a definir as sociedades caçadoras-coletoras pré-agrícolas como “as sociedades afluentes originais”. Seria um erro, no entanto, idealizar a vida desses povos antigos. Embora eles tivessem uma vida melhor do que a maioria das pessoas nas sociedades agrícolas e industriais, seu mundo ainda podia ser cruel e implacável. Períodos de dificuldade e privação não eram raros, a mortalidade infantil era alta e um acidente que hoje seria pouco significativo podia facilmente se tornar uma sentença de morte. A maioria das pessoas provavelmente desfrutava da intimidade do bando, mas os desafortunados que eram alvo de hostilidade ou de zombaria dos colegas de bando decerto padeciam terrivelmente. Os caçadores-coletores modernos ocasionalmente abandonam e até matam pessoas idosas ou deficientes que não conseguem acompanhar o bando. Bebês e crianças indesejados podem ser assassinados, e há inclusive casos de religiosidade inspirados em sacrifício humano.”
Harari, sobre o papel da família e da comunidade
O que gosto muito no livro "Sapiens", de Yuval Harari é a parte sobre o colapso do papel da família e da comunidade na modernidade e a relação disso com a infelicidade em nossos tempos:
"Família e comunidade parecem ter mais impacto na nossa felicidade do que dinheiro e saúde. Pessoas com famílias coesas que vivem em comunidades unidas que lhes dão apoio são significativamente mais felizes do que pessoas cujas famílias são disfuncionais e que nunca encontraram (ou nunca buscaram) uma comunidade da qual fazer parte. O casamento é particularmente importante. Repetidos estudos descobriram que há uma relação muito direta entre bons casamentos e nível elevado de bem-estar subjetivo e entre maus casamentos e sofrimento. Isso é verdade independentemente de condições econômicas ou mesmo físicas. Um inválido sem recursos cercado por uma esposa amorosa, uma família dedicada e uma comunidade afetuosa pode se sentir melhor do que um bilionário alienado, contanto que a pobreza do inválido não seja extrema e que sua doença não seja degenerativa nem dolorosa.
Isso levanta a possibilidade de que a melhoria gigantesca nas condições materiais dos últimos dois séculos tenha sido compensada pelo colapso da família e da comunidade. As pessoas no mundo desenvolvido contam com o Estado e o mercado para quase tudo de que necessitam: alimento, abrigo, educação, saúde, segurança. Desse modo, tornou-se possível sobreviver sem ter uma família estendida ou amigos reais. Um indivíduo que mora em uma cobertura urbana é cercado por milhares de pessoas onde quer que vá, mas possivelmente jamais visitou o apartamento vizinho e sabe muito pouco sobre seus colegas de trabalho. Até mesmo seus amigos talvez sejam apenas companheiros de bar. Hoje, muitas amizades envolvem pouco mais do que conversar e se divertir juntos. Encontramos um amigo em um bar, telefonamos para ele ou lhe enviamos um e-mail para aliviar nossa raiva sobre o que aconteceu hoje no escritório ou compartilhar nossas opiniões sobre o último escândalo político. Mas até que ponto podemos conhecer bem uma pessoa somente com base em conversas?
Diferentemente de tais companheiros de bar, os amigos na Idade da Pedra dependiam uns dos outros para sua própria sobrevivência. Os humanos viviam em comunidades solidárias, e os amigos eram pessoas com quem se caçava mamutes. Juntos, sobreviviam a longas jornadas e a invernos rigorosos. Cuidavam um do outro quando um deles ficava doente, e compartilhavam a última porção de comida em épocas de necessidade. Tais amigos conheciam uns aos outros mais intimamente do que muitos casais de nossos dias. Quantos maridos podem dizer que sabem qual será o comportamento da esposa se eles forem atacados por um mamute enfurecido? Substituir tais redes tribais precárias pela segurança das economias e dos Estados paternalistas modernos obviamente tem vantagens enormes, mas é provável que a qualidade e a profundidade das relações íntimas tenha sido afetada."
Wednesday, September 04, 2019
Não dar valor ao que se tem...
Essas pessoas que não dão valor ao que têm, que ficam o tempo todo se comparando a outras, que estariam em algum nível superior, precisam de um pouco mais de isolamento. Talvez precisem mesmo sair das redes sociais e estarem mais dentro de sua própria vida, em sua própria intimidade. Porque a felicidade mora na simplicidade e na intimidade. A felicidade não mora na fama, na relação com fãs ou pessoas que não nos conhecem, e que na verdade não nos amam. E, claro: o bem-estar psicológico depende de mais uma infinidade de variáveis. Mas faz sentido também falar desse aspecto pontual, quando aparece.
Thursday, April 25, 2019
Planejamento urbano e saúde mental
Possivelmente uma mudança em termos de planejamento urbano, com o objetivo de aumentar os níveis de bem-estar psicológico, seria a de fazer tudo o que fosse necessário para que as pessoas realizassem mais atividade física e se encontrassem mais nas ruas, intensificando-se assim também a vida comunitária. Então penso que deveria haver mais ciclovias, parques, espaços de lazer, centros culturais, esportivos, de atividades e de convivência, feiras ao ar livre e praças.
O hábito que as pessoas tinham no passado, nas cidades do interior, de estarem com frequência sentadas, durante a noite, em frente às suas casas, conversando com seus vizinhos ou então reunidas nas praças, tornava a vida certamente mais saudável.
Lembro-me inclusive da prática do foot, quando as praças ficavam lotadas, com as pessoas dando voltas em torno dela. Imagine que era boa parte da população dessas cidades, reunida na praça, andando constantemente, contornando toda a sua área. Era a oportunidade constante de caminhada e encontro com várias pessoas. Pura festividade e espírito comunitário. Assim fica muito mais fácil ser feliz.
Friday, January 18, 2019
Sobre a busca de sentido, em Viktor Frankl
O livro "Em busca de sentido", de Viktor Frankl, é um texto redundante em relação à alegação de que é necessário haver um sentido na vida, de que a vida pode estar muito ruim, por exemplo, contudo, havendo sentido, haveria motivação para continuar vivendo.
Ele se refere principalmente às experiências que teve quando foi prisioneiro em campos de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial. Relata casos de diversas pessoas que conheceu nesses campos de concentração, e reiteradamente tenta demonstrar que passamos a ter motivação para continuar vivendo e lutando, apesar de todo e qualquer sofrimento, quando sentimos que nossa vida tem uma finalidade, um propósito: um sentido.
Assim, Viktor Frankl criou a logoterapia, que é uma forma de psicoterapia existencial, e isso de certo modo o aproxima dos existencialistas e de concepções, por exemplo, como a de que estamos sempre escolhendo, de que estamos condenados sempre a escolher.
Nessa perspectiva é comum a valorização das idiossincrasias, da individualidade, das diferenças que sempre irão existir entre as pessoas, para se afirmar o primado da liberdade. Essa concepção de que estamos condenados à liberdade, a sempre escolher, vai até mesmo ao limite de alegar que durante, por exemplo, uma sessão de tortura, alguns cederiam, e delatariam seus companheiros, e outros, apesar de todas as condições e sofrimentos impostos, não.
Para esta concepção estamos então sempre fazendo escolhas, porque, no limite, em situações bastante extremas, como numa tortura, por exemplo, alguns torturados escolhem se render, enquanto outros fariam a escolha de jamais se render, e de que essa seria a liberdade fundamental, da qual não há como abrir mão.
Estaríamos sempre escolhendo porque somos seres conscientes de nossa própria existência e finitude. A consciência reflexiva seria o que nos condena à liberdade.
Uma crítica, geralmente feita a esta concepção, é a de que não somos somente consciência. Somos também coisa.
Do outro lado encontramos outra posição, que é a do determinismo, inclusive a do determinismo científico. Nesse sentido, nosso comportamento de escolher existe mas, para melhor compreendermos esse comportamento de escolha, temos de recorrer aos determinantes desse comportamento. Alegar que é o próprio sujeito quem escolhe é simplesmente recorrer a uma explicação circular, a uma falsa explicação.
Pessoalmente penso que para uma psicoterapia isso é absolutamente desastroso. Porque, se em nosso trabalho como psicoterapeutas desejamos que nossos pacientes passem a fazer escolhas diferentes, não basta simplesmente dizermos a eles que precisam escolher algo diferente, porque se, assim como todas as pessoas, esses pacientes estão condenados à liberdade, depende somente deles o ato de fazer uma escolha diferente. Nesse tipo de concepção a escolha é algo que se origina no próprio indivíduo.
Ou seja: há aí uma concepção de que as ações humanas têm origem nos indivíduos. Há um completo desprezo pela princípio lógico, básico, da razão suficiente. Porque para uma psicoterapia é importante saber por que um indivíduo escolhe x e o outro escolhe y, ou por que o mesmo indivíduo escolhe x e, em um contexto diferente, escolhe y.
É importante que um psicoterapeuta tenha consciência de que existem condições que facilitam algumas escolhas, que que seu esforço junto a seus pacientes deve ser sempre o de procurar compreender melhor quais são essas condições específicas, inclusive para cada caso que está acompanhando, em suas especificidades e idiossincrasias.
Viktor Frankl parece dar um pequeno passo adiante, quando propõe o sentido como um fator de motivação para que as pessoas passem a fazer escolhas mais saudáveis. Contudo ele somente se mantém em uma espécie de pregação, na qual reiteradamente afirma que é necessário ter um propósito, um sentido. Nesse livro não há qualquer tipo de enfatização em relação aos procedimentos necessários para que as pessoas encontrem sentido em suas vidas. Porque a principal questão, no final das contas, é sobre como as pessoas irão encontrar sentido. O que, de modo geral, faz uma vida ter sentido? Como cada pessoa, em suas especificidades, em sua individualidade, irá encontrar sentido?
Para a primeira questão já existem respostas que são fruto de pesquisa científica. Uma vida passa a ter sentido quando existe bem-estar geral, quando há saúde, pelo menos em termos psicológicos.
Alguém pode até objetar que Viktor Frankl está também se referindo a pessoas com a saúde física completamente comprometida, como era o caso de muitos prisioneiros em campos de concentração que, apesar de todas essas condições adversas, conseguiram encontrar um sentido para a sua vida. Sim, isso é possível. E atualmente a ciência já descobrirlu, em boa medida, quais são os fatores envolvidos nessa equação.
Os dados do "Grant Study", por exemplo, que é a pesquisa sobre bem-estar humano maior e mais longa já feita na história, demonstram que o principal determinante do bem-estar humano diz a respeito a bons vínculos sociais e afetivos. Então atualmente temos demonstrações muito sólidas de que algumas pessoas, mesmo com boa parte de sua saúde completamente comprometida, podem ter bem-estar psicológico, e sentir que sua vida tem sentido.
Portanto, finalizando, eu gostaria de dizer que, na minha concepção, não faz muito sentido ficar procurando pelo sentido. Simplesmente não é necessária a consciência de que nossa vida tem sentido. Porque a vida de qualquer pessoa, ou animal senciente não-humano, passa a ter sentido a partir do momento em que existem os elementos que produzem pelo menos o bem-estar psicológico, o qual parece compor uma parte fundamental do bem-estar como um todo.
Acreditar que precisamos ter consciência do sentido, para que nossa vida seja uma vida que valha a pena, simplesmente não faz o menor sentido quando pensamos na vida de crianças pequenas, de muitos deficientes mentais ou até mesmo na vida de animais sencientes não-humanos. O sentido é somente um dos efeitos, na percepção de alguns de nós, de uma vida minimamente bem vivida. Se estamos bem, a vida não precisa ter sentido algum. Basta vivê-la.
Monday, August 06, 2018
Deputado, pastor, e carente de atenção...
Um deputado, que é pastor evangélico, fez em sua página uma enquete com a seguinte questão:
"Para você a depressão é causada por uma doença natural ou por demônios? Comente."
A maioria das pessoas que não acredita em demônios, ou coisa parecida, e antipatizam com o referido deputado, estão revoltadas com esse tipo de questão, e estão lá, fazendo exatamente o que ele quer: estão escrevendo, dando a atenção que ele quer, fazendo virar notícia. Ele queria causar e causou. Deve estar se sentindo muito bem com tantas pessoas acessando, reagindo, respondendo ou compartilhando. Porque uma coisa é fato: marketing negativo é algo que praticamente inexiste, e esse deputado sabe muito bem disso.
E hoje várias pessoas já marcaram meu nome em tal enquete. Aliás, percebi que vários colegas meus aqui de Facebook estão lá participando, e dando sua resposta para essa celebridade das polêmicas toscas e bizarras.
Porém vocês sabem que trabalho no SUS, com população de baixa renda e que, portanto, muitos pacientes também me fazem esse tipo de pergunta.
Digo a eles que posso responder somente como psicólogo. E como psicólogo a resposta é muito simples: é uma doença. É natural. Faz parte da natureza. Porque tudo faz parte da natureza. Eis o que temos. Eis o que nos resta. Não há nada além disso: a natureza.
Contudo gosto de desdobrar a questão, e devolvê-la para quem a está me dirigindo:
- Se alguém que você confia lhe disser que é somente uma doença, como é que você se sente? E se esse mesmo alguém lhe disser que é causado por demônios, como é que você se sente?
A resposta que geralmente obtenho de meus pacientes é a de que eles preferem que a depressão (ou qualquer outro tipo de transtorno mental, do qual estão geralmente a padecer) seja considerada uma doença, por mais que suas próprias crenças religiosas afirmem se tratar de algo sobrenatural. Ficam menos atemorizados quando são informados de que é somente uma doença.
Se estão procurando por psicólogos é porque suas próprias crenças religiosas não deram conta de ajudá-los nesse sentido.
Então nesse contexto costumo, com bastante tranquilidade, lhes dizer que a crença em entidades tão poderosas e maléficas, como demônios, ou a crença no próprio inferno, é geralmente utilizada para dominá-los e explorá-los.
Acho que a crença nesse tipo de coisa provoca uma série de desvios, os quais geralmente são mais danosos do que benéficos para a saúde e a espiritualidade dessas pessoas.
Frequentar uma igreja, ter uma religião, pode ser algo muito bom para o bem-estar. Mas pode também ser muito danoso em alguns casos. Em meu trabalho nunca deixo de estar junto com meus pacientes, estimulando-os a refletir sobre suas próprias vidas, e sobre o que realmente está acontecendo: se estão de fato obtendo ajuda de suas igrejas e religiões, ou se estão sendo explorados.
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Tuesday, June 26, 2018
O que fazer para a vida ter sentido?
Você não precisa encontrar um sentido para sua vida, porque buscar por um sentido é simplesmente buscar pelo efeito. E o que você precisa é dos meios para produzir esse efeito. Sua vida passará a ter sentido a partir do momento em que você encontrar algo que lhe faça suficientemente bem ou então uma promessa, que lhe pareça consistente, de algo que lhe faça suficientemente bem.
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Saturday, January 06, 2018
Por que a taxa de suicídios é maior nos países ricos do que nos países pobres?
Quanto maior a desigualdade social, menor o índice de felicidade. Quanto maior o índice de felicidade, maior a taxa de suicídios. E a taxa de suicídios é maior nos países ricos do que nos países pobres.
Eis alguns dados de pesquisa, por enquanto paradoxais, os quais vêm sendo replicados por fontes independentes.
A impressão que tenho é que altas taxas de suicídio tem uma relação muito maior com a disponibilidade para tal, seja ela obtida por meio de alguns incentivos culturais, assim como por meio até mesmo da disponibilidade de conhecimento, de informações acerca de meios que tornem mais possível o ato suicida.
O suicídio não é proporcional à quantidade de sofrimento porque se assim o fosse muitos animais cometeriam suicídio, e a maioria deles não comente suicídio justamente porque não tem capacidade cognitiva ou os meios disponíveis pra isso.
Então a taxa de suicídios é mais elevada nos países ricos e também os índices de bem-estar psicológico, de felicidade, porque eles têm os meios tanto para terem mais bem-estar psicológico como também para poderem dar cabo de sua própria vida.
Isso sem mencionar também os fatores relacionados ao alto nível de individualismo mais presente em estados ricos do que nos pobres, o qual também tem um papel grande, pois o suicídio é eminentemente um ato solitário e de certo modo bastante relacionado a um tipo específico de isolamento social.
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Religião faz as pessoas mudarem?
Onde falta o estado, e bem-estar social, sobram igrejas.
E afirmar simplesmente que religião muda a vida das pessoas para pior não faz muito sentido, porque essas pessoas encontram redes de apoio em igrejas e templos. Encontram algo que é fundamental para o bem-estar psicológico.
Fazer parte de uma rede de apoio, de um grupo no qual se é acolhido, é fundamental para que a vida se organize de modo minimamente razoável, para que a pessoa possa continuar vivendo, para que ela não adentre um ciclo destrutivo, o qual em nossa sociedade está muito relacionado à drogadição, uma série de transtornos mentais incapacitantes e criminalidade.
Uma pessoa que segue uma série de dogmas, para se sentir pertencendo a um determinado grupo, pode até ser vista como alguém quem não está caminhando de modo muito racional, quando se refere a pensar qualquer coisa fora do que seu grupo pensa. Possui um nível baixo de crítica, autocrítica e independência intelectual. Mas tem forças para continuar vivendo. Pensa que sua vida tem sentido pela existência de uma entidade onipotente e sobrenatural, mas na verdade a sua vida de fato tem sentido porque faz parte de um grupo que a acolhe.
Prefere até mesmo o fim do mundo a deixar a companhia de seus pares.
A pornografia e suas implicações para a saúde
Há um vídeo, que muitas pessoas estão compartilhando aqui pelo Facebook, o qual veicula a declaração de um músico, de 28 anos de idade, que relata como sua vida sexual e afetiva melhorou significativamente após ter abolido a pornografia de sua vida.
Ele diz que vinha tendo problemas de ereção, e que de repente resolveu parar e pensar melhor em como estava a sua vida afetiva e sexual.
Relata que, após fazer uma análise de como se masturbava, percebeu que isso geralmente ocorria a partir de imagens e vídeos pornográficos, desde seus 12 anos de idade:
"Eu tenho 28 anos, e eu acho que consumo pornografia desde os 12/13 anos de idade. Então posso dizer que eu consumo pornografia diariamente, semanalmente, há 15 anos aproximadamente. Eu nunca tive educação sexual, assim propriamente dita, na escola ou em casa, então a minha sexualidade foi construída a partir da pornografia. Foram 15 anos de uma sexualidade construída a partir de vídeos, fotos e conteúdos pornográficos em geral."
Fico um pouco assustado com a perspectiva de que a pornografia tenha um papel maior na vida de muitas pessoas do que as próprias experiências de vida, vividas na variedade das inúmeras interações que a vida oferece.
Essa vida é muito maior do que os vídeos ou imagens que as pessoas veem pela internet. Se o que as pessoas estão vendo pela internet ocupa um espaço maior, é mais determinante para o que elas vão fazer em suas interações sexuais e afetivas, nós estamos realmente diante de um problema sério.
Ouço a esse tipo de consideração com um estranhamento muito grande, porque minha experiência pessoal contradiz completamente isso que esse rapaz diz nesse vídeo. Nunca fiz a mim mesmo qualquer tipo de restrição para assistir ou ver imagens de cunho pornográfico e acho que isso nunca influenciou negativamente em minhas interações afetivas e sexuais, as quais sempre foram muito mais variadas e singulares do que qualquer representação, em imagens ou vídeos de sexo explícito.
Minha experiência de vida me mostra que a vida é muito maior, mais complexa e variada do que o que podemos assistir em imagens ou em vídeos de sexo explícito na internet.
A minha impressão é a que a vida é muito mais vasta do que isso. Se de fato um número significativo de pessoas estiver produzindo malefícios para sua vida afetiva e sexual em virtude dos vídeos ou imagens pornográficas que veem na internet, não tenho a menor ideia de como exatamente isso está se produzindo porque inclusive, dentre os inúmeros atendimentos que já fiz, como psicólogo, nunca observei esse tipo de problema no relato de meus pacientes.
E sim, obviamente que meu testemunho continua sendo meramente anedótico. Mas não consigo observar isso nem mesmo nos relatos de meus amigos, nos relatos das pessoas com as quais interagi nessa vida. Então será que eu vivo em um outro planeta?
Em relação à forma como a mulher é retratada nas produções pornográficas concordo que ela, na maioria das vezes, é representada como alguém que está ali para servir os homens.
Mas será que as pessoas adultas, os maiores consumidores desse tipo de material, são assim tão imaturas e burras ao ponto de simplesmente reproduzirem o que veem nessas imagens, com desprezo total para as diversas nuances da vida real, da vida que elas realmente vivem, no dia-dia, com todos os embates, contratempos e os envolvimentos afetivos que têm com as pessoas, no cotidiano, com as quais fazem trocas reais, e trocas que influenciam verdadeiramente seus modos de agir no mundo?
Fora o fato de que acho muito cansativo e brochante como as coisas são geralmente representadas nas imagens ou vídeos pornográficos. É sempre da mesma maneira, com um único padrão de beleza ou das ações produzidas nesses vídeos. São representações muito repetitivas, sempre com os mesmos tipos físicos de homens e de mulheres, e sempre com roteiros muito rigidamente inalterados.
São filmes enjoativos, repletos de gemidos e gritos desproporcionais, com representações de força ou de atos agressivos e violentos, os quais transformam tudo em algo simplesmente distante da realidade, da vida cotidiana, a qual é feita da interação entre imperfeições, entre pessoas que hesitam e que possuem uma série de oscilações para com seu desejo e em sua relação com o mundo.
Sinto que responsabilizar a pornografia pelos abusos que as pessoas cometem, ao deixarem de viver e ficarem somente vendo pornografia o dia inteiro, não é muito diferente do que responsabilizar as drogas ou o álcool pelo alcoolismo, pela drogadição.
Sabemos muito bem que a drogadição tem como base um empobrecimento da vida. Esse empobrecimento da vida é que leva à drogadição, assim como me parece que o empobrecimento da vida afetiva e sexual, ou alguma grande decepção ou frustração nesse campo, é que levam a uma espécie de toxicomania pornográfica.
Então, a partir desse tipo de evidência científica, a minha percepção é a de que a pornografia não é causa de qualquer tipo de distúrbio na vida sexual. Ela é um dos efeitos dos distúrbios, os quais estão relacionados ao empobrecimento da vida, o qual diz respeito à isolamento socioafetivo, frustrações ou decepções traumáticas no campo afetivo- sexual, e inclusive a falta de experiência, a falta de contato afetivo e sexual real com outras pessoas.
Sim, acho que é possível que um adolescente, ainda completamente inexperiente no campo amoroso e sexual, venha a se atrapalhar bastante se suas únicas experiências são somente visuais, assistindo a material pornográfico.
Mas isso é somente o que eu penso acerca de uma determinada possibilidade. Para poder se fazer qualquer afirmação nesse nível, teríamos que visitar a literatura científica, e observar se esse é um problema real, se isso de fato vem provocando problemas na iniciação sexual de adolescentes.
Há também quem faça uma analogia com a questão das drogas, ao ponto de fazer uma distinção, a qual reserva à pornografia o papel do crack. Nesse sentido a sexualidade seria muito mais vasta, e incluiria o que chamamos de drogas recreativas. Mas a pornografia seria, nesse caso, algo à parte: seria portadora de uma significativa periculosidade. Ou seja, a pornografia seria como o crack, talvez a uma das únicas drogas cuja defesa é praticamente impossível, dado o tanto de malefícios que causa, dado seu potencial destrutivo, o qual é significativamente maior do que a maioria das drogas recreativas existentes.
Eu contudo não penso que a pornografia seja o crack nisso tudo. Acho que a pornografia é o combo de todas as drogas nisso tudo. Penso que querer eliminar a pornografia não é muito diferente do que querer eliminar as drogas. É uma guerra perdida.
Acho um pouco infundado esse empreendimento de tentar convencer as pessoas de que elas devem consumir menos pornografia, como se a pornografia fosse um mal em si ou, como já anunciei, um determinante de distúrbios na sexualidade.
Acho que o que esse rapaz está fazendo nesse vídeo não é muito diferente do jargão: "diga não às drogas!". Ele está dizendo "diga não à pornografia!". E, pelo que entendo, segundo as evidências científicas mais atualizadas, isso é infundado.
Portanto tenho a hipótese de que esse seja um falso problema ou simplesmente uma nova forma de moralismo.
Para quem quiser assistir ao vídeo dele, eis o link: https://goo.gl/pVq8ku
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Saturday, November 18, 2017
Fatos inusitados em narrativas de pacientes
Talvez nenhum outro profissional de saúde se dedique de maneira tão intensa e integral aos pacientes quanto o psicólogo.
Já pude me surpreender tanto com o que ouvi de meus pacientes que faz todo o sentido de vez em quando relatar aqui. Então abaixo vou somente pincelar alguns conteúdos de 3 histórias que acompanhei e como elas são aparentemente, ou de fato, surpreendentes:
1. Uma paciente que tivera toda a sua história de vida permeada por uma orientação heterossexual e de repente conheceu uma mulher, a qual se transformou em sua amiga, e depois de um certo tempo as duas se apaixonaram e passaram a viver juntas. Ambas relatavam que eram heterossexuais até o momento em que se conheceram. Essa paciente sempre me dizia que não tinha, que nunca havia sentido atração sexual por outras mulheres. Dizia que era homossexual somente na relação com essa companheira, e que se um dia isso terminasse ela voltaria para sua vida heterossexual. Àquela época, pelo acompanhamento que ela tinha comigo, em inúmeras sessões, minha hipótese era a de que, havendo um rompimento, ela não voltaria exatamente para a mesma vida que tinha antes. A minha hipótese era a de que, após esse relacionamento, ela passaria também a ter uma orientação homossexual em sua vida. Ela passaria a ter então uma orientação mais bissexual, pois as características de sua companheira tenderiam a ser generalizadas para outras mulheres. Mesmo que a fala dela em relação ao que sentia para com outras mulheres, que não a sua companheira, não fizesse o menor sentido, o próprio relato não deixa de ser interessante e fecundo para análise e algumas reflexões.
2. O caso da paciente que tinha muitos episódios de violência física na relação com seu marido, porém a violência nesse caso geralmente produzia mais malefícios e ferimentos para ele e não para ela. Não os acompanhei ao ponto de saber o que sucedeu depois, e não cabe aqui enunciar os motivos para a interrupção da terapia com eles. Porém, à época, havia um risco muito grande de morte para esse rapaz, pois ela já tinha um histórico judicial de sérias tentativas de homicídio. Em um confronto mais sério, mesmo que começado por ele, havia o risco grande dele se ferir gravemente ou morrer. Como era ela a paciente, e não ele, chegamos, eu e ela, juntos, a essa conclusão. Ela estava em vias de deixá-lo e ele, muito ciumento, oferecia riscos, pois em um outro momento de rompimento já havia abordado-a na rua, armado de uma faca. Ela, porém, era maior, mais pesada e mais ágil do que ele, e dessa vez, diante dessa ameaça com uma faca, na rua, ela conseguiu tomar-lhe a faca das mãos, imobilizá-lo, e ainda dar-lhe uma surra. Sempre que havia um confronto físico entre os dois, ela levava a melhor e ele sempre saía todo arrebentado. Segundo ela, havia marcas indeléveis de sangue nas paredes da casa dela, as quais ela havia tentado lavar, mas mesmo assim não se apagavam. E era sangue dele, devido às brigas que haviam tido e ele, como já mencionei, sempre levava a pior. Quem saía sangrando, e bastante machucado, era sempre ele.
3. Tive um paciente alguns anos atrás, no CAPS, que era assim como vários outros: bem parecido com um Forrest Gump da vida. Era uma pessoa muito diferente e com sérias dificuldades de adaptação social. Em seu histórico escolar havia sofrido bullying por diversas vezes. Tinha 19 anos de idade e não tinha mais dente algum na boca. Usava próteses totais em ambas as as arcadas dentárias. Ou seja: usava dentadura tanto na arcada superior quanto na inferior. Tivera uma vida tão sofrida que até mesmo esse era um indicativo de seu sofrimento: perdera todos os dentes antes de completar a maioridade. Era um menino diferente, muito diferente. Tinha uma origem muitíssimo humilde. Foi retirado, por sua tia, de uma roça muitíssimo pobre, ainda pequeno, com menos de 10 anos de idade. Alguns médicos o diagnosticaram como tendo um retardo mental leve. Outros talvez não tenham feito tal diagnóstico porque percebiam o quanto havia sofrido e o quanto a carga enorme de sofrimento de sua vida havia maculado até mesmo parte de sua capacidade intelectual. Mas não se sabia ao certo o quanto esse provável processo era reversível ou não. Trabalhava na construção civil, como peão de obra, e enfrentava, à época, os constantes abusos e loucuras de sua tia. Ela era uma mulher extremamente controladora, a qual acabava enclausurando-o em casa, ou tentando fazer com que ele se transformasse em alguma coisa que jamais se transformaria: alguém que viesse a fazer e completar um curso universitário. Ele era peão de obra e gostava de ser peão de obra. Sonhava em ser carpinteiro, e ter esse posto dentro de uma obra. Era muito bonito acompanhar, testemunhar sua dedicação ao trabalho em um canteiro de obras. Era também muito interessante ver o quanto tinha pureza, ideais elevados, nobres, relacionados principalmente a querer aprender as coisas, a gostar por exemplo de desenhos, animes japoneses. Era tocante observar que, no fundo de sua solidão absurda, tinha sonhos muito nobres. Um paciente que sem dúvida me marcou, assim como vários outros, dos quais não falarei aqui para que esse texto não fique muito longo e entediante...
Felicidade, desigualdade social e suicídio
Quanto maior a desigualdade social, menor o índice de felicidade. Quanto maior o índice de felicidade, maior a taxa de suicídios. E a taxa de suicídios é maior nos países ricos do que nos países pobres.
Eis alguns dados de pesquisa, por enquanto paradoxais, os quais vêm sendo replicados por fontes independentes.
A impressão que tenho é que altas taxas de suicídio tem uma relação muito maior com a disponibilidade para tal, seja ela obtida por meio de alguns incentivos culturais, assim como por meio até mesmo da disponibilidade de conhecimento, de informações acerca de meios que tornem mais possível o ato suicida.
O suicídio não é proporcional à quantidade de sofrimento porque se assim o fosse muitos animais cometeriam suicídio, e a maioria deles não comente suicídio justamente porque não tem capacidade cognitiva ou os meios disponíveis pra isso.
Então a taxa de suicídios é mais elevada nos países ricos e também os índices de bem-estar psicológico, de felicidade, porque eles têm os meios tanto para terem mais bem-estar psicológico como também para poderem dar cabo de sua própria vida.
Isso sem mencionar também os fatores relacionados ao alto nível de individualismo mais presente em estados ricos do que nos pobres, o qual também tem um papel grande, pois o suicídio é eminentemente um ato solitário e de certo modo bastante relacionado a um tipo específico de isolamento social.
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Tuesday, September 05, 2017
Sabedoria
Vou tentar falar sobre sabedoria sem parecer brega. Não sei se conseguirei. Mas talvez valha o intento...
Sim, sabedoria é diferente de conhecimento. Sabedoria é o conhecimento no lugar certo ou conhecimento sendo aplicado da forma mais eficaz possível, por alguém que parece que descobriu isso sozinho. Seria a melhor relação custo-benefício quando o assunto é o conhecimento e suas possíveis aplicações.
Tem também um pouco a ver com criatividade. As pessoas costumam olhar para quem elas julgam que é uma pessoa sábia como alguém que tirou aquele conhecimento da cartola, ou então construiu seu percurso em muitos anos de experiência. Se for idoso e falar devagar, de forma serena e sensata, logo algumas pessoas já irão lhe atribuir alguma sapiência.
Porém, no caso dos idosos, é patente muitas vezes o fato de que muitas pessoas mais maduras, por experiência, costumam dispender menos energia para as mesmas tarefas também realizadas por pessoas mais jovens. É aquela velha história das milhares de horas que são necessárias para se ter maestria em relação a um determinado campo de atuação.
Mas também as surras e os fracassos que a vida nos apresenta funcionam muitas vezes como elementos constitutivos de uma atuação mais sábia. Nossos erros e fracassos podem ser muito pedagógicos.
Sabedoria não combina muito com onipotência. O sábio faz e deixa fazer, fala e deixa falar, permite que o outro também aja sobre ele. O sábio de alguma forma é aquele que aprendeu a apanhar. Não nega a existência do peso do mundo sobre nós, não nega nossa impotência fundamental. Porque culturalmente concebemos a sabedoria como mais próxima da aceitação do que do repúdio exasperado.
Enquanto muitas pessoas negam o peso do mundo e da realidade, o sábio aceita e a partir disso consegue fugir por alguns flancos, comer por alguns cantos.
Já tive contato com algumas definições de sabedoria:
1. O máximo de felicidade no máximo de lucidez possível.
2. Não lamentar o passado e não esperar nada do futuro: o sábio como aquele que não tem nostalgia nem esperança.
3. O saber com sabor: o sábio como aquele que vive o que sabe, o que conhece, e portanto assim faz uma aplicação muito mais eficaz e saudável de seus próprios conhecimentos.
São possíveis várias associações em relação às três definições acima enumeradas. Fiquem à vontade para fazer as suas associações em relação às duas primeiras definições. Porque eu pretendo me concentrar na terceira, e finalizar esse texto falando um pouco dela.
O sábio não é um caminhão de pólvora. É uma espingarda que atira. De nada adianta ter lido muitas obras clássicas, ou livros que são conceituados como estando no ápice da produção do conhecimento humano, se tudo isso estiver servindo somente como lustre cultural, como algo para somente afirmar seu próprio narcisismo.
Ser um caminhão de "conhecimentos", utilizados de modo exibicionista, para tentar seduzir o planeta inteiro, somente atesta um certo desespero em ser amado.
Finalizando...
Há uma história (não sei se é real, e isso também pouco importa) que contam, sobre a vinda de Albert Einstein ao Brasil. Em companhia dele estava Austregésilo de Athayde. Este tinha um caderno e anotava sem parar. A conversa teria se desenrolado mais ou menos assim: “O que você tanto escreve nesse caderno?”, indagou Einstein. “São minhas ideias. Você não tem também um caderno ou bloco de notas para registrar as suas?”. “Não. Só tive uma”.
Sim, sabedoria é diferente de conhecimento. Sabedoria é o conhecimento no lugar certo ou conhecimento sendo aplicado da forma mais eficaz possível, por alguém que parece que descobriu isso sozinho. Seria a melhor relação custo-benefício quando o assunto é o conhecimento e suas possíveis aplicações.
Tem também um pouco a ver com criatividade. As pessoas costumam olhar para quem elas julgam que é uma pessoa sábia como alguém que tirou aquele conhecimento da cartola, ou então construiu seu percurso em muitos anos de experiência. Se for idoso e falar devagar, de forma serena e sensata, logo algumas pessoas já irão lhe atribuir alguma sapiência.
Porém, no caso dos idosos, é patente muitas vezes o fato de que muitas pessoas mais maduras, por experiência, costumam dispender menos energia para as mesmas tarefas também realizadas por pessoas mais jovens. É aquela velha história das milhares de horas que são necessárias para se ter maestria em relação a um determinado campo de atuação.
Mas também as surras e os fracassos que a vida nos apresenta funcionam muitas vezes como elementos constitutivos de uma atuação mais sábia. Nossos erros e fracassos podem ser muito pedagógicos.
Sabedoria não combina muito com onipotência. O sábio faz e deixa fazer, fala e deixa falar, permite que o outro também aja sobre ele. O sábio de alguma forma é aquele que aprendeu a apanhar. Não nega a existência do peso do mundo sobre nós, não nega nossa impotência fundamental. Porque culturalmente concebemos a sabedoria como mais próxima da aceitação do que do repúdio exasperado.
Enquanto muitas pessoas negam o peso do mundo e da realidade, o sábio aceita e a partir disso consegue fugir por alguns flancos, comer por alguns cantos.
Já tive contato com algumas definições de sabedoria:
1. O máximo de felicidade no máximo de lucidez possível.
2. Não lamentar o passado e não esperar nada do futuro: o sábio como aquele que não tem nostalgia nem esperança.
3. O saber com sabor: o sábio como aquele que vive o que sabe, o que conhece, e portanto assim faz uma aplicação muito mais eficaz e saudável de seus próprios conhecimentos.
São possíveis várias associações em relação às três definições acima enumeradas. Fiquem à vontade para fazer as suas associações em relação às duas primeiras definições. Porque eu pretendo me concentrar na terceira, e finalizar esse texto falando um pouco dela.
O sábio não é um caminhão de pólvora. É uma espingarda que atira. De nada adianta ter lido muitas obras clássicas, ou livros que são conceituados como estando no ápice da produção do conhecimento humano, se tudo isso estiver servindo somente como lustre cultural, como algo para somente afirmar seu próprio narcisismo.
Ser um caminhão de "conhecimentos", utilizados de modo exibicionista, para tentar seduzir o planeta inteiro, somente atesta um certo desespero em ser amado.
Finalizando...
Há uma história (não sei se é real, e isso também pouco importa) que contam, sobre a vinda de Albert Einstein ao Brasil. Em companhia dele estava Austregésilo de Athayde. Este tinha um caderno e anotava sem parar. A conversa teria se desenrolado mais ou menos assim: “O que você tanto escreve nesse caderno?”, indagou Einstein. “São minhas ideias. Você não tem também um caderno ou bloco de notas para registrar as suas?”. “Não. Só tive uma”.
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Wednesday, May 17, 2017
Ser diferente: sozinho, na discrição, todos juntos?
No livro “A conquista da felicidade” Bertrand Russell (1930) afirma que
ser diferente não é necessariamente uma sentença de morte. Ser diferente, em
uma sociedade mais tradicional, e levantar, sozinho, a bandeira de sua
diferença para com o mundo é um ato bastante corajoso ou suicida, como também
demonstrou Harvey Milk mais de 30 anos depois: era melhor que todos saíssem do
armário, de uma vez, juntos. Sair sozinho é sempre temerário.
Ter uma pequena divergência de opinião para com a maioria das pessoas de
um determinado grupo, em um ambiente de trabalho ou em casa por exemplo, a qual
diz respeito a um fato acessório de sua vida, e guardá-la somente para si, é
algo que protege, e muitas vezes nos livra de desavenças inúteis e danosas.
Mas ser diferente é algo de outra dimensão. Ser não é acessório. Não é
parte, é a totalidade do que é uma pessoa. Então, para esse caso, mais vale
Milk do que Russell em 1930. Alan Turing e sua prisão em 1952, condenação e
castração química que o digam.
Mas ser diferente é algo de outra dimensão. Ser não é acessório. Não é parte, é a totalidade do que é uma pessoa. Então, para esse caso, mais vale Milk do que Russell em 1930. Alan Turing e sua prisão em 1952, condenação e castração química que o digam.
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Tuesday, July 19, 2016
"O homem em sociedade não pode ser feliz sem o auxílio dos outros..."
"Aquele em quem o amor por si sufoca toda a afeição pelos outros é um ser insociável, um insensato que não vê que todo homem, vivendo com outros homens, está em uma completa impossibilidade de trabalhar pela sua felicidade sem a assistência dos outros. Todas as nossas paixões cegas nossos interesses mal compreendidos, nossos vícios e nossos defeitos nos separam da sociedade. Indispondo nossos associados contra nós, tudo isso os torna inimigos pouco favoráveis aos nossos desejos. Todos os perversos que são detestados vivem como se estivessem sozinhos na sociedade: o tirano que oprime vive tremendo no meio de seu povo, que o odeia; o rico avarento vive desprezado como um ser inútil, o homem cujo coração gelado não se aquece por ninguém não tem motivos para esperar que alguém se interesse por ele. Em poucas palavras, não existe na moral uma verdade mais clara do que aquela que prova que o homem em sociedade não pode ser feliz sem o auxílio dos outros." (Barão de Holbach, A moral universal, 1776/2015, p. 34, Martins Fontes)
Thursday, June 02, 2016
O MAIOR DETERMINANTE DA FELICIDADE
Robert Waldinger é um pesquisador da Universidade de Harvard, na qual atua como coordenador da pesquisa mais longa já realizada sobre a felicidade. Em janeiro desse ano de 2016 sua palestra sobre os resultados dessa pesquisa foi publicada em vídeo no site do TED Talks. O link para que vocês possam assistir ao conteúdo da palestra, na íntegra, está abaixo:
Essa pesquisa começou em 1938, analisando a vida de 724 pessoas, dos quais aproximadamente 60 ainda estão vivas. Essas pessoas foram divididas em dois grupos. O primeiro grupo foi composto por estudantes do segundo ano de graduação da Universidade de Harvard. O segundo grupo era composto por adolescentes provenientes dos bairros mais pobres de Boston.
A vida dessas pessoas já vem sendo acompanhada há 78 anos, sendo que agora o estudo adentrou a segunda geração, os filhos delas. E quais são, segundo Robert Waldinger, os principais resultados desse estudo? Em sua palestra ele diz assim:
"A mensagem mais clara que tiramos desse estudo é esta: bons relacionamentos nos mantêm mais felizes e saudáveis. Ponto final.
Aprendemos três grandes lições sobre relacionamentos. A primeira é que conexões sociais são muito boas para nós e que a solidão mata. As pessoas que estão mais conectadas socialmente com a família, amigos e comunidade são mais felizes, fisicamente mais saudáveis e vivem mais do que as pessoas que têm poucas conexões.
E a experiência de solidão é tóxica. Pessoas que são mais isoladas do que gostariam descobrem que são menos felizes. Sua saúde decai precocemente na meia-idade, seu cérebro se deteriora mais cedo e vivem vidas mais curtas do que aqueles que não são solitários.
(...) E nós sabemos que você pode se sentir só em uma multidão e pode se sentir solitário em um casamento.
Então a nossa segunda grande lição é a de que não é apenas o número de amigos que você tem, e não é se você está ou não em um relacionamento sério, mas sim a qualidade de seus relacionamentos mais próximos que importa. Acontece que viver em meio a conflitos é ruim para a nossa saúde. Casamentos muito conflituosos, por exemplo, sem muito afeto, podem ser muito ruins para a nossa saúde, talvez até pior do que se divorciar. E viver em meio a relações boas, e reconfortantes, nos protege."
Os resultados apresentados por Waldinger são corroborados por resultados e evidências de várias outras pesquisas, em outros campos de investigação. Levantamentos epidemiológicos nos mostram que pessoas casadas vivem mais do que pessoas solteiras. Muitas evidências, advindas de pesquisas em análise do comportamento, demonstram também o poder que as gratificações sociais (boas interações sociais) têm na produção do que comumente chamamos de felicidade e do bem-estar como um todo.
Os dados obtidos por pesquisas como essa que vem sendo realizada pela Universidade de Harvard há quase 80 anos fornecem evidências de que há um peso maior das influências ambientais na determinação de nosso bem-estar, de nossa felicidade. Estudos como esse, assim como as evidências também acumuladas, por décadas, por áreas como a análise do comportamento, apontam para um aspecto muito relevante: o bem-estar e a felicidade, de forma efetiva, provêm fundamentalmente de boas, de saudáveis interações sociais. Nosso equilíbrio neurofisiológico é em boa medida determinado por esses fatores, e as intervenções mais eficazes são portanto muito provavelmente aquelas que não deixam esses fatores em segundo plano.
Em conversas informais ou mesmo lecionando, costumo dizer assim: o que faz uma boa vida, o que faz uma pessoa se sentir bem e feliz, é o fato dela ser bem amada. A utilização de palavras como o "amor" talvez não seja a mais indicada em termos técnicos, porém diz respeito aos termos que as pessoas estão mais acostumadas, e talvez facilite a compreensão de uma série de outros fenômenos.
Costumo dizer que as pessoas felizes são aquelas que são bem amadas, em contraposição às falas do senso comum que sempre tratam todo e qualquer relacionamento, supostamente fraterno ou amoroso, como saudável.
E um amigo médico uma vez me fez a seguinte questão: "Mas Adriano, para uma pessoa se sentir feliz basta que ela se sinta amada, concorda?"
Sua questão me fez lembrar de um fato ocorrido há poucos anos: a morte, por suicídio, de um esportista alemão, e de como sua esposa e parte da imprensa reagiu ao lamentável ocorrido. Ela afirmava reiteradamente que ele era muito amado, que não havia lhe faltado amor, e lembro-me muito bem de um jornalista brasileiro concluindo que muitas vezes nenhum amor é suficiente para dar conta de uma tristeza ou depressão, a qual estaria inscrita no destino de algumas pessoas.
Compreendo perfeitamente que talvez algumas pessoas não sejam nem mesmo capazes de receber o amor que muitas lhes devotam, seja por alguns fatores determinados por herança genética, ou por uma história de vida intensamente marcada por rupturas, frustrações e traumas.
Porém uma intervenção mais eficaz, que incida sobre as interações que essa pessoa tem com o mundo, deve constantemente se pautar pela observação (a qual obviamente não se restringe à observação visual) e análise minuciosa dessas interações. Esse procedimento, em análise do comportamento, é chamado de análise funcional. Por meio desse procedimento é possível levantar hipóteses razoavelmente consistentes acerca dos determinantes dos sentimentos e comportamentos da pessoa analisada.
Portanto deve haver um respeito muito grande pelos contextos específicos em que sensações, sentimentos e comportamentos acontecem. Como Waldinger deixa claro em sua palestra, e sabemos muito bem pela prática clínica, o mais importante não é a existência ou não de interações sociais, mas sim a sua qualidade, o quanto essas interações são benéficas para o sujeito em questão.
Por isso não basta simplesmente ter uma família ou estar casado. Não basta muitas vezes nem mesmo a pessoa dizer que é amada, que se sente amada. Já acompanhei pacientes depressivos que relatavam se sentir muito amados por seus familiares e amigos, mas que não se sentiam merecedores desse amor.
Contudo, durante o processo terapêutico, depois de análises mais aprofundadas, era possível perceber que havia ainda outros fatores relevantes. Apesar dessas pessoas se sentirem amadas havia, no contexto de suas relações familiares, o plano de fundo de cobranças e demandas excessivas, chantagens, abusos e ameaças veladas ou mesmo não devidamente reconhecidas por quem as sofria; ou então uma história de vida em que esses fatores tiveram um papel crucial em termos de formação pessoal.
Portanto as intervenções, no intuito de ajudar essas pessoas a melhorarem de vida, variam conforme o contexto singular das interações de cada uma delas. Há pessoas que precisam desenvolver melhores habilidades sociais e de comunicação, e outras precisam simplesmente mudar seu ciclo de amizades e relacionamentos.
Na interação entre terapeuta e paciente muitas hipóteses são construídas, em um trabalho conjunto, dos dois, e deverão depois ser testadas. E assim vai se desenvolvendo uma das dinâmicas da terapia, na qual a vida atualiza o campo de construção dessas hipóteses, cuja testagem atualiza o campo da vida, com vistas à sua renovação e melhoria.
Há uma infinidade de sutilezas que emergem de um processo terapêutico, as quais geralmente não são acessíveis a quem não as vivenciou, seja como paciente ou como terapeuta.
Ao debater esse mesmo assunto com outro colega, ele me disse que não havia coisa mais importante nessa vida do que as amizades. Certamente que amizades são importantes, porém é necessário que os amigos estejam próximos, que sejam facilmente e rapidamente acessíveis. Não basta sentirmos que amamos e somos amados por pessoas que simplesmente não estão nos acompanhando rotineiramente. Porque, convenhamos, o amor declarado aos sete ventos, e que não sabe o que está acontecendo com o outro, não é amor.
O amor está mais próximo dos perrengues que sofremos com as pessoas com quem rotineiramente convivemos do que da ideia sublime e purificada que muitas pessoas têm dele. Porque a expressão "eu te amo" é antes de tudo uma promessa e não necessariamente o atestado do amor.
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Thursday, July 16, 2015
Orientação sexual não é opção
Orientação sexual não é opção, e não faz diferença se isso será justificado com determinantes biológicos ou sociais.
Para dizer que algo é opção, a pessoa que está escolhendo deve ser suscetível às opções em jogo. Pra você, que é heterossexual, farei a seguinte pergunta, a qual espero que possa fazer com que você se conscientize um pouco do que está falando: sentir atração por pessoas do mesmo sexo é opção pra você? É obvio que isso não é nem nunca foi opção pra você. E se você me disser que optou pela heterossexualidade, a pergunta é: quando ocorreu isso? Quando foi que você fez essa escolha consciente? Quando foi que você ponderou sobre todas os aspectos favoráveis e desfavoráveis relacionados à sua futura orientação e pensou: "Agora optarei por isso, serei isso e não aquilo"? E me responda, por favor, quem é que opta por ser discriminado e hostilizado? Quem é que opta pela solidão, pela vulnerabilidade social, pelo ostracismo?
E como já afirmei antes: para ocorrer uma escolha consciente é necessário existirem opções para as quais haja a suscetibilidade de quem escolhe. Ou seja, isso somente faz sentido se ela for, por exemplo, bissexual. Se você é heterossexual, e disser que em algum momento escolheu, é porque você tinha uma pré-disposição para as duas opções. Ou seja: você era bissexual.
Outro ponto a ser ressaltado diz respeito a uma possível, e majoritária, determinação social da orientação sexual. Qual é o problema desse tipo de tese reforçar a possibilidade de um dia conseguirmos cientificamente implementar alguma intervenção eficaz para se produzir reorientações sexuais? Em uma sociedade democrática, que respeita direitos individuais, o sujeito também teria que ter direito de se submeter a qualquer tipo de intervenção, para tentar mudar seu corpo ou sua personalidade, para a direção que ele bem entender, na medida em que isso não provoque danos diretos a ninguém.
Portanto, não há problema algum que um dia exista uma intervenção capaz de produzir reorientações sexuais, por exemplo. O problema é que isso ainda não existe e não adianta ficar forçando a barra, tentando empurrar qualquer feitiçaria pra cima das pessoas, com argumentos pseudocientíficos.
Faça isso na sua igreja, na sua religião, mas não queira abrir espaço para que a Psicologia comece a oferecer um remédio ou técnica que não existe, a qual tem se demonstrado, durante a história da área, como mais prejudicial do que benéfica. A fé não remove montanhas? Então pra que ficar correndo atrás da Psicologia pra isso? Uma clínica de Psicologia não é um local para se operar milagres.
Então que fique bem claro: de modo geral, mesmo que as determinações sejam majoritariamente sociais, as pessoas não optam por gostarem disso ou daquilo ou por sentirem atração por isso ou por aquilo. E qualquer psicólogo que se preze, sabe que é muito mais prático almejarmos aquilo para o qual nós tendemos, aquilo que gostamos, do que tentar fazer o sujeito gostar do que não gosta, ou sentir atração pelo que não sente. É muito mais simples, mais prático e menos arriscado (com menor tendência a produzir danos e distúrbios) que as pessoas sejam felizes do jeito que podem e não do jeito que os outros querem que elas sejam. E uma sociedade irracional e socioculturalmente pobre vai desejar que as pessoas sejam sempre de um mesmo e único jeito.
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Sunday, June 07, 2015
Supervalorização da atividade sexual
Uma vez um amigo me perguntou assim:
"Como psicólogo, pra você qual é uma das maiores causas de infelicidade no mundo atual?"
Na hora ele me fez lembrar também da consideração de uma grande amiga minha, a qual mencionava três grandes fatores que podem enlouquecer uma pessoa: religião, sexo e dinheiro.
São três elementos muito inflamáveis, os quais têm um peso muitas vezes excessivo e até mesmo patológico na configuração de diversas interações humanas. Quando combinados, seu efeito pode ser ainda mais devastador. Possuem um potencial enorme para a inflação do ego. O narcisismo pode se valer de qualquer uma dessas três fontes em seu descolamento para com a realidade.
Nesse texto quero me ater somente à questão da sexualidade, pois talvez seja ela o que atualmente melhor representa a nossa desatenção. Com o advento da liberação dos costumes, conseguimos reduzir de modo saudável uma série de tabus em relação à sexualidade. Contudo, surgiram outros, os quais ainda não estão muito bem identificados e assim podem produzir muita infelicidade.
A pressão pela contenção, abafamento e diminuição da atividade sexual (prevalente até poucas décadas atrás) somente foi substituída por algo parecido com o seu oposto. Já há algum tempo uma série de autores vinculados ao pensamento psicanalítico vêm alertando para uma espécie de inversão do mal-estar na cultura. A pressão atual é para a fruição (desfrute) máxima, irrestrita e constante. Vou tentar colocar da forma que me parece ser a mais clara e simples possível: existe atualmente uma supervalorização da atividade sexual, a qual tem produzido, para muitas pessoas, mais infelicidade do que felicidade.
Há uma idealização de que a atividade sexual deve se realizar segundo padrões de intensidade, desempenho, frequência e variedade de parceiros, os quais são inatingíveis para a maioria das pessoas.
São muitas pessoas lutando para serem felizes com base em alguma coisa repleta de imperfeições, furos, idealizações baratas, e ainda com o acréscimo de que a sua realização repousa no nevoeiro caótico do desejo de quem desejamos sexualmente.
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Saturday, April 11, 2015
A esperança
"O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso." (Ariano Suassuna)
Mas, Ariano, a esperança é uma bosta:
“Da caixa de Pandora, na qual fervilhavam os males da humanidade, os gregos fizeram sair a esperança em último lugar, por considerá-la o mais terrível de todos." (Albert Camus)
“O que é a esperança? É um desejo que se refere ao que não temos (uma falta), que ignoramos se foi ou será satisfeito, enfim cuja satisfação não depende de nós” (...)
"Esperar é desejar sem saber, sem poder, sem gozar. O sábio não espera nada. Não que ele saiba tudo (ninguém sabe tudo), nem que possa tudo (ele não é Deus), nem mesmo que ele seja só prazer (o sábio, como qualquer um, pode ter uma dor de dente), mas porque ele cessou de desejar outra coisa além do que sabe, ou do que pode, ou do que goza. Ele não deseja mais que o real, de que faz parte, e esse desejo, sempre satisfeito - já que o real, por definição, nunca falta: o real nunca está ausente -, esse desejo pois, sempre satisfeito, é então uma alegria plena, que não carece de nada. É o que se chama felicidade." (...)
“Só esperamos o que não temos, e por isso mesmo somos tanto menos felizes quando mais esperamos ser felizes. Estamos constantemente separados da felicidade pela própria esperança que a busca. A partir do momento em que esperamos a felicidade (“Como eu seria feliz se...”), não podemos escapar da decepção... É o que Woody Allen resume numa fórmula: “Como eu seria feliz se fosse feliz!” " (Comte-Sponville).
Mas, Ariano, a esperança é uma bosta:
“Da caixa de Pandora, na qual fervilhavam os males da humanidade, os gregos fizeram sair a esperança em último lugar, por considerá-la o mais terrível de todos." (Albert Camus)
“O que é a esperança? É um desejo que se refere ao que não temos (uma falta), que ignoramos se foi ou será satisfeito, enfim cuja satisfação não depende de nós” (...)
"Esperar é desejar sem saber, sem poder, sem gozar. O sábio não espera nada. Não que ele saiba tudo (ninguém sabe tudo), nem que possa tudo (ele não é Deus), nem mesmo que ele seja só prazer (o sábio, como qualquer um, pode ter uma dor de dente), mas porque ele cessou de desejar outra coisa além do que sabe, ou do que pode, ou do que goza. Ele não deseja mais que o real, de que faz parte, e esse desejo, sempre satisfeito - já que o real, por definição, nunca falta: o real nunca está ausente -, esse desejo pois, sempre satisfeito, é então uma alegria plena, que não carece de nada. É o que se chama felicidade." (...)
“Só esperamos o que não temos, e por isso mesmo somos tanto menos felizes quando mais esperamos ser felizes. Estamos constantemente separados da felicidade pela própria esperança que a busca. A partir do momento em que esperamos a felicidade (“Como eu seria feliz se...”), não podemos escapar da decepção... É o que Woody Allen resume numa fórmula: “Como eu seria feliz se fosse feliz!” " (Comte-Sponville).
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