Saturday, January 06, 2018

A pornografia e suas implicações para a saúde

Há um vídeo, que muitas pessoas estão compartilhando aqui pelo Facebook, o qual veicula a declaração de um músico, de 28 anos de idade, que relata como sua vida sexual e afetiva melhorou significativamente após ter abolido a pornografia de sua vida.

Ele diz que vinha tendo problemas de ereção, e que de repente resolveu parar e pensar melhor em como estava a sua vida afetiva e sexual.

Relata que, após fazer uma análise de como se masturbava, percebeu que isso geralmente ocorria a partir de imagens e vídeos pornográficos, desde seus 12 anos de idade:

"Eu tenho 28 anos, e eu acho que consumo pornografia desde os 12/13 anos de idade. Então posso dizer que eu consumo pornografia diariamente, semanalmente, há 15 anos aproximadamente. Eu nunca tive educação sexual, assim propriamente dita, na escola ou em casa, então a minha sexualidade foi construída a partir da pornografia. Foram 15 anos de uma sexualidade construída a partir de vídeos, fotos e conteúdos pornográficos em geral."

Fico um pouco assustado com a perspectiva de que a pornografia tenha um papel maior na vida de muitas pessoas do que as próprias experiências de vida, vividas na variedade das inúmeras interações que a vida oferece.

Essa vida é muito maior do que os vídeos ou imagens que as pessoas veem pela internet. Se o que as pessoas estão vendo pela internet ocupa um espaço maior, é mais determinante para o que elas vão fazer em suas interações sexuais e afetivas, nós estamos realmente diante de um problema sério.

Ouço a esse tipo de consideração com um estranhamento muito grande, porque minha experiência pessoal contradiz completamente isso que esse rapaz diz nesse vídeo. Nunca fiz a mim mesmo qualquer tipo de restrição para assistir ou ver imagens de cunho pornográfico e acho que isso nunca influenciou negativamente em minhas interações afetivas e sexuais, as quais sempre foram muito mais variadas e singulares do que qualquer representação, em imagens ou vídeos de sexo explícito.

Minha experiência de vida me mostra que a vida é muito maior, mais complexa e variada do que o que podemos assistir em imagens ou em vídeos de sexo explícito na internet.

A minha impressão é a que a vida é muito mais vasta do que isso. Se de fato um número significativo de pessoas estiver produzindo malefícios para sua vida afetiva e sexual em virtude dos vídeos ou imagens pornográficas que veem na internet, não tenho a menor ideia de como exatamente isso está se produzindo porque inclusive, dentre os inúmeros atendimentos que já fiz, como psicólogo, nunca observei esse tipo de problema no relato de meus pacientes.

E sim, obviamente que meu testemunho continua sendo meramente anedótico. Mas não consigo observar isso nem mesmo nos relatos de meus amigos, nos relatos das pessoas com as quais interagi nessa vida. Então será que eu vivo em um outro planeta?

Em relação à forma como a mulher é retratada nas produções pornográficas concordo que ela, na maioria das vezes, é representada como alguém que está ali para servir os homens.

Mas será que as pessoas adultas, os maiores consumidores desse tipo de material, são assim tão imaturas e burras ao ponto de simplesmente reproduzirem o que veem nessas imagens, com desprezo total para as diversas nuances da vida real, da vida que elas realmente vivem, no dia-dia, com todos os embates, contratempos e os envolvimentos afetivos que têm com as pessoas, no cotidiano, com as quais fazem trocas reais, e trocas que influenciam verdadeiramente seus modos de agir no mundo?

Fora o fato de que acho muito cansativo e brochante como as coisas são geralmente representadas nas imagens ou vídeos pornográficos. É sempre da mesma maneira, com um único padrão de beleza ou das ações produzidas nesses vídeos. São representações muito repetitivas, sempre com os mesmos tipos físicos de homens e de mulheres, e sempre com roteiros muito rigidamente inalterados.

São filmes enjoativos, repletos de gemidos e gritos desproporcionais, com representações de força ou de atos agressivos e violentos, os quais transformam tudo em algo simplesmente distante da realidade, da vida cotidiana, a qual é feita da interação entre imperfeições, entre pessoas que hesitam e que possuem uma série de oscilações para com seu desejo e em sua relação com o mundo.

Sinto que responsabilizar a pornografia pelos abusos que as pessoas cometem, ao deixarem de viver e ficarem somente vendo pornografia o dia inteiro, não é muito diferente do que responsabilizar as drogas ou o álcool pelo alcoolismo, pela drogadição.

Sabemos muito bem que a drogadição tem como base um empobrecimento da vida. Esse empobrecimento da vida é que leva à drogadição, assim como me parece que o empobrecimento da vida afetiva e sexual, ou alguma grande decepção ou frustração nesse campo, é que levam a uma espécie de toxicomania pornográfica.

Então, a partir desse tipo de evidência científica, a minha percepção é a de que a pornografia não é causa de qualquer tipo de distúrbio na vida sexual. Ela é um dos efeitos dos distúrbios, os quais estão relacionados ao empobrecimento da vida, o qual diz respeito à isolamento socioafetivo, frustrações ou decepções traumáticas no campo afetivo- sexual, e inclusive a falta de experiência, a falta de contato afetivo e sexual real com outras pessoas.

Sim, acho que é possível que um adolescente, ainda completamente inexperiente no campo amoroso e sexual, venha a se atrapalhar bastante se suas únicas experiências são somente visuais, assistindo a material pornográfico.

Mas isso é somente o que eu penso acerca de uma determinada possibilidade. Para poder se fazer qualquer afirmação nesse nível, teríamos que visitar a literatura científica, e observar se esse é um problema real, se isso de fato vem provocando problemas na iniciação sexual de adolescentes.

Há também quem faça uma analogia com a questão das drogas, ao ponto de fazer uma distinção, a qual reserva à pornografia o papel do crack. Nesse sentido a sexualidade seria muito mais vasta, e incluiria o que chamamos de drogas recreativas. Mas a pornografia seria, nesse caso, algo à parte: seria portadora de uma significativa periculosidade. Ou seja, a pornografia seria como o crack, talvez a uma das únicas drogas cuja defesa é praticamente impossível, dado o tanto de malefícios que causa, dado seu potencial destrutivo, o qual é significativamente maior do que a maioria das drogas recreativas existentes.

Eu contudo não penso que a pornografia seja o crack nisso tudo. Acho que a pornografia é o combo de todas as drogas nisso tudo. Penso que querer eliminar a pornografia não é muito diferente do que querer eliminar as drogas. É uma guerra perdida.

Acho um pouco infundado esse empreendimento de tentar convencer as pessoas de que elas devem consumir menos pornografia, como se a pornografia fosse um mal em si ou, como já anunciei, um determinante de distúrbios na sexualidade.

Acho que o que esse rapaz está fazendo nesse vídeo não é muito diferente do jargão: "diga não às drogas!". Ele está dizendo "diga não à pornografia!". E, pelo que entendo, segundo as evidências científicas mais atualizadas, isso é infundado.

Portanto tenho a hipótese de que esse seja um falso problema ou simplesmente uma nova forma de moralismo.

Para quem quiser assistir ao vídeo dele, eis o link: https://goo.gl/pVq8ku

1 comment:

Jadiel da Silva said...

Mesmo antes de existirem os enredos ditados pelos vídeos pornográficos já existiam construções culturais responsáveis por oferecer uma referência para a experiência sexual. Um conto erótico ou um romance são equivalentes a um vídeo pornográfico nesse sentido. Seja na masturbação ou até mesmo numa transa, o sujeito vai estar experimentando sua sexualidade a partir das referências que teve em sua história, se o sujeito tem uma vida sexual tão pobre de referências e se apega demais a esses modelos, faz todo o sentido que desenvolva problemas no mundo real.