Showing posts with label Literatura. Show all posts
Showing posts with label Literatura. Show all posts

Tuesday, September 17, 2019

Fevereiro de 2017,

Ontem eu estava conversando com meu primo, Paulo Fernando Facioli Pestana, sobre alguns clássicos, algumas obras que são tidas como de grande valor para a literatura.

Mencionei a ele que tentei ler "Crime e Castigo" e "O idiota", de Dostoiévski, e que simplesmente não dei conta. Achei que tudo se desenrolava de maneira absurdamente lenta e simplesmente não tive tempo nem paciência para dar continuidade à leitura.

Ele, que já leu algumas obras de Dostoiévski e vários outros clássicos, concordou comigo quanto à dificuldade desse tipo de leitura. Fez inclusive uma analogia muito interessante com a leitura que teve de "Grande Sertão Veredas", de Guimarães Rosa.

Disse-me que no romance existe um local, no sertão, chamado Liso do Suçuarão, cuja travessia era literalmente infernal, pois se tratava do deserto absoluto do sertão, de uma espécie de deserto dentro do deserto, um buraco negro-seco que habita em algum canto de todos nós. Quando Paulo terminou de ler todo o livro se deu conta de que tinha feito a travessia do Liso do Suçuarão.

Depois me contou que tem uma amiga russa, com cerca de 70 anos de idade, e que perguntou a ela sobre a obra de Dostoiévski. Ela lhe disse que leu alguns livros de Dostoiévski, Tolstói e alguns outros clássicos russos, mas que achou todos eles chatos, cansativos e entediantes demais. Disse que somente tinha lido essas obras porque eram leitura obrigatória na escola.

Demos boas risadas com essas e outras ironias ontem, durante a tarde, assim como pudemos nos embrenhar em prosas sobre os espinhosos Lisos de Suçuarão que já atravessamos nessa vida.

Prosa boa, viajandona e fluida, meu primo. Parecia ficção científica...

“Crime e Castigo”, de Dostoiévsk

De 2018...

Estou terminando de ler “Crime e Castigo”, de Dostoiévski. Para a época deve ter sido uma obra muito impactante. Tendo quase 600 páginas, o protagonista comete um duplo assassinato, deveras brutal, logo nas 100 primeiras páginas.

Há, de início, um efeito de sentido muito envolvente: um estudante de direito (alguém, à época, considerado como de uma classe social superior, refinada) que comete um duplo assassinato, marcado por uma violência crua, assustadora, com toda a sua motivação, nesse início, completamente imersa em mistério, o qual não se desfaz durante todo o restante do romance. Pois a intenção do autor é fazer com o que o leitor se aprofunde nos dilemas éticos envolvidos, ao ponto de não haver, por exemplo, uma explicação pronta, ou uma resolução definitiva, para os motivos do assassino, e se eles eram, em alguma medida, legítimos.

Está aí o grande mérito da obra: a exploração de todos esses níveis de hesitação acerca do que de fato ocorreu ou do que as coisas são, pois a provável insanidade do protagonista também permite que pensemos constantemente na possibilidade de não ter sido ele o assassino. Porém tudo isso caberia tranquilamente em uma narrativa bem mais breve. Tudo isso caberia em um livro com cerca de 300 páginas. Ou seja: metade da quantidade existente nessa obra.

Esse livro foi publicado em 1866, e muito rapidamente se transformou em um grande sucesso. Dostoiévski já era um escritor muito conhecido. Como sabemos, suas obras foram traduzidas para cerca de 170 línguas. Se hoje Dostoiévski é considerado um clássico, àquela época era considerado um best-seller. Dostoiévski era pop. Não era muito diferente do impacto que hoje uma série como Game of Thrones causa em muitas pessoas. Há tanto em uma obra quanto na outra, apesar de toda a discrepância temporal e de gênero, violência impactante e uma trama intricada, a qual deve fazer com que leitores e expectadores sejam provocados com algumas reflexões fundamentais sobre a vida e a interação entre os seres humanos.

Contudo devo confessar que estou um pouco frustrado, porque esperava mais de Dostoiévski. Durante muitos anos ouvi falar que havia nessa obra, ou em outras obras dele, tramas extremamente profundas e um nível inusitado de reflexões sobre ética e o caráter psicológico dos personagens. Cheguei a acreditar que Dostoiévski me surpreenderia, assim como Freud já me surpreendeu por muitas vezes. Por mais que existam críticas sobre as teorizações freudianas, acho difícil não ocorrer surpresa ou encantamento com muitas de suas reflexões, assim como também já me ocorreu enquanto lia, por exemplo, Nietzsche.

Dessa leitura de “Crime e Castigo” posso dizer que tive alguns lampejos de surpresa, os quais não me foram assim tão surpreendentes, pois tratam de questões já comumente abordadas por diversos autores proeminentes, sejam eles clássicos ou não.

E há algumas coisas que não me agradaram na leitura que estou tendo de Dostoiévski, faltando menos de 20 páginas para finalizar o livro. Achei-o bastante prolixo e cansativo. Sua narrativa se perde em uma série de detalhes que me parecem completamente irrelevantes.

Houve diversas ocasiões nas quais eu sentia que ele estava simplesmente enrolando, para segurar o leitor e dar volume ao texto, exatamente como as telenovelas fazem hoje em dia conosco. As telenovelas nos amarram em sua trama, pois há a pretensão de que lhes prestemos fidelidade diária, como em um vício que não se sacia enquanto não chegar ao final. E esse final obviamente sempre irá o tempo todo se adiar. Assim, desse modo, a trama vai se enovelando e temos aí então uma novela, um romance (que no inglês se escreve “novel”).

Sei perfeitamente da possibilidade de vir a alterar essa minha impressão com a leitura de algumas outras de suas obras. Contudo não sei se terei paciência para tal.

Para finalizar, transcrevo aqui trechos do que dois outros escritores russos já escreveram sobre sua obra, os quais fazem todo sentido para mim, após a leitura de “Crime e Castigo”:

"Dostoyevsky's lack of taste, his monotonous dealings with people suffering from pre-Freudian neuroses, his way of wallowing in the tragic misadventures of human dignity - all this is difficult to admire. I do not like this trick his characters have of 'sinning their way to Jesus' or, as Bunin put it more bluntly, 'spilling Jesus all over the place'." (Vladimir Nabokov)

"When a person is in love, his heart beats fast; when he is angry, his face goes red, etc. These are all truisms. With Dostoyevsky, everything is the other way round. For example, a man sees a lion. What does he do? Naturally, he will go pale and try to flee or hide. In any simple story, by Jules Verne, say, this is exactly what would happen. Whereas Dostoyevsky would write the opposite: the man went red in the face and remained where he was. It would be an inverse truism... And then, on every other page Dostoyevsky's characters are either delirious, raving, or in a fever. But 'life is not like that'." (Ivan Turgenev)