Thursday, July 28, 2016

Causa ou efeito?

É muito comum ouvir as pessoas dizendo, inclusive muitas pessoas do meio acadêmico de Psicologia, que a mudança deve se dar de dentro para fora, quando falam do que as pessoas devem fazer para mudar.

Utilizam expressões como "profunda mudança interior" ou a famosa expressão, no melhor estilo Paulo Coelho: "Se você não quiser, você não vai mudar. Para mudar, você precisa querer".

Mas em nenhum momento pensam que para querer a pessoa precisa antes mudar, alterar sua posição no mundo, seus contextos de ação, suas formas de interação. Porém, não tem jeito, logo aparecem outros lugares comuns: "O que perturba as pessoas não são os eventos, os fatos, os acontecimentos da vida, mas sim a concepção, o julgamento, a crença que têm sobre esses eventos." Aliás, essa ideia é geralmente atribuída a Epiteto (55-135 DC). No ocidente teria sido esse filósofo antigo o primeiro a defendê-la.

E não faltarão inclusive psicólogos difundindo que o modo como significamos uma experiência é que é o determinante de como iremos nos sentir.

O problema é que essas concepções são fundamentalmente equivocadas. Quando alguém afirma ser necessário que mudemos nossas crenças, a forma como significamos nossa realidade, para que possamos alterar o modo como nos sentimos, se esquece de fazer algumas perguntas:

Se nossas crenças determinam como nos sentimos em relação à realidade, o que devemos fazer para alterarmos nossas crenças?

Se nossas crenças determinam como nos sentimos em relação à realidade, seriam essas crenças anteriores às próprias estimulações do mundo em nós. Existe um ambiente, um mundo, um contexto do qual fazemos parte, seja ele físico ou social, e isso nos afeta constantemente. Nossas crenças provêm então daí, correto?

Não citei nomes de áreas da Psicologia anteriormente, mas agora faço questão de citar. Uma área, relativamente nova, a qual é também, em boa medida, equivocada, é a Psicologia Positiva, a começar pelo nome, que mais confunde do que esclarece. Esse nome dá a entender que o positivo é sempre benéfico, que o conceito de positividade está intrinsecamente relacionado ao que é benéfico, saudável. E isso de antemão já é um erro conceitual crasso. Se assim o fosse, um exame de HIV, com um resultado positivo nas mãos, seria sempre uma festa. Contudo, tanto na tradição científica quanto na tradição filosófica a positividade indica presença, e a negatividade, obviamente, indica ausência. A psicologia positiva, nesse sentido, não possui relação alguma com as tradições positivas.

Uma de minhas leituras na área de Psicologia Positiva foi o livro "Felicidade autêntica", de Martin Seligman. Trata-se de um compêndio de várias pesquisas que traçam possíveis correlações entre sentimentos (e emoções "positivas") e o bem-estar psicológico.

Alguns desses estudos levantaram dados em relação a conceitos tais como o de otimismo. Aliás, o autor simplesmente não faz qualquer tipo de consideração conceitual. Seu livro se resume elencar uma série de referências, as quais deixam o leitor sem saber exatamente o que é o otimismo, por exemplo. A impressão que tive é que Seligman somente quer convencer seus leitores de que as pessoas otimistas (seja lá o que isso signifique) são mais saudáveis, e que o otimismo seria, juntamente com algumas outras virtudes e qualidades, a causa do bem-estar como um todo, da saúde.

Isso reproduz alguns lugares comuns da indústria da autoajuda e do sucesso. Esses estudos de correlação não comprovam quais são os determinantes do bem-estar, da saúde. Estudos de correlação somente apontam para algumas relações entre eventos.

Se pessoas felizes são mais otimistas, é possível que sejam felizes porque são mais otimistas, mas também é possível que sejam otimistas porque são mais felizes ou saudáveis. Ou então tanto o otimismo, quanto o bem-estar e a saúde, são somente efeitos produzidos por alguma variável que não está presente nessa equação, nesses estudos. Não sabemos qual é a causa e qual é o efeito.

Fora o fato de que o conceito de otimismo pode ter vários significados, e isso nem mesmo é abordado em seu livro. Existe o otimismo da ideia, da ação, em relação ao presente e ao futuro. De qual desses quatro ele está falando?

Ok, tudo bem, vamos supor que ele esteja falando do otimismo em relação ao futuro, que é o mais alardeado pelo senso comum, e que de fato o otimismo seria uma das causas do bem-estar. Logo, a partir disso, é produzida uma regra social, a qual diz mais ou menos assim: "seja mais otimista, pois as pessoas otimistas são mais saudáveis".

Mas, como já falei anteriormente, isso deixa algumas questões importantes em aberto, e está muito longe de respondê-las. Se a pessoa precisa ser mais otimista, uma questão fundamental é como fazer para que ela seja mais otimista.

Porém, e se o otimismo, nossos comportamentos, nossos sentimentos, e inclusive nosso bem-estar, nossa saúde, forem somente efeitos e não causa do que quer que seja?
Há evidências acumuladas, por décadas de pesquisas experimentais, replicadas tanto com animais como com humanos, de que tudo isso aí, acima, é efeito e não causa de bem-estar e saúde.

Nossos sentimentos, crenças sensações, inclusive nossos comportamentos, são efeitos e não causas. São resultado de nossa interação com o mundo, com tudo que nos afeta, seja isso proveniente de algo que está fora de nós ou dentro de nós mesmos.

E não adianta ficar dizendo que esse dentro de nós mesmos é nossa mente, ou coisa parecida, porque quando procuramos a mente encontramos somente duas coisas: massa encefálica e interação com o mundo. E massa encefálica sem interação com o restante do corpo, e com o mundo, não é nada: é somente tecido morto.

E se você, como psicólogo, quer ajudar seus pacientes, de fato, procure compreender melhor como estão interagindo com o mundo e com os outros.

Se você, por exemplo, está muito preocupado se seus pacientes estão otimistas ou não, fique atento a uma coisa: as pessoas tendem a ficar mais otimistas quando suas vidas melhoram, quando suas interações se tornam mais saudáveis.

Neutralidade e imparcialidade (escola sem partido)

Há uma distinção entre neutralidade e imparcialidade que talvez ajude no debate sobre o projeto “escola sem partido”. Ou talvez somente produza ainda mais confusão.

Neutralidade diria respeito a uma condição. Geralmente o termo neutralidade (ou neutro) é utilizado para se referir a alguém que se comporta como uma espécie de folha em branco, coisa que ninguém é. Em física das partículas, por exemplo, o conceito de neutralidade remete à valência nula: se trata de uma partícula que não possui carga positiva nem negativa. Em matemática temos também a ideia de neutralidade relacionada à ausência de valor. O zero, por exemplo, muitas vezes é concebido como neutro.

Portanto uma série de usos dos termos neutro e neutralidade me faz pensar em pessoas que simplesmente não teriam valores ou não fizessem qualquer tipo de avaliação. Isso é simplesmente impossível, porque as pessoas não somente têm seus valores como vivem em função deles. Nesse sentido portanto neutro, folha em branco, nulo, ninguém é. Todos temos nossas experiências, nossa cultura, nossa história e nossos valores.

Contudo, há também a noção de imparcialidade. Há quem faça uma distinção entre neutralidade e imparcialidade. Não somos neutros, mas podemos nos esforçar para não tomar partido. Podemos sempre, na medida do possível, nos esforçarmos para conhecer o outro lado, para buscar evidências contrárias às nossas próprias convicções, e esse é inclusive, em termos ideais, um parâmetro importante para se produzir conhecimento consistente, para se fazer ciência, por exemplo.

O problema de fato é que pouquíssimas pessoas têm um mínimo de disposição pra isso, para buscar evidências contrárias às suas próprias convicções, inclusive no próprio meio científico. Se essa característica é pouco presente, inclusive no meio científico, imagine o que acontece com ela no universo das polarizações, das acirradas lutas políticas.

Por outro lado, quando pensamos no uso do termo imparcialidade, no meio jurídico, logo comparece à nossa imaginação a figura do juiz de direito o qual, em seus esforços para ser imparcial, deve permitir que ambas as partes se expressem com igual valor, com igual peso. E no final o juiz deve emitir seu julgamento.

Os defensores do projeto “escola sem partido”, por sua vez, defendem que no final o professor não poderia emitir juízo algum, contudo se esquecem que manipulações e comandos indiretos podem ser até mais eficazes. Quando digo, muito rapidamente, “olha o cachorro!!!”, muito provavelmente não estou somente apontando para a existência de um fato, de um cachorro. Essa expressão geralmente quer dizer isso: “Cuidado com o cachorro! Corra! Fuja!”. Não é uma simples e objetiva constatação. É um comando, é uma tentativa de influenciar o outro.

Finalizo, sem concluir coisa alguma, com dois autores: Wittgenstein e Tom Zé. O primeiro, em sua obra “Investigações Filosóficas”, no parágrafo 491, escreve assim:
“Não se pode dizer que: “sem linguagem não poderíamos entender-nos uns com os outros”, mas sim: “sem linguagem não podemos influenciar outros homens desta ou daquela maneira, não podemos construir estradas e máquinas” etc. E também que: “sem o uso da fala e da escrita os homens não se podem entender uns com os outros”.

E Tom Zé (tomando partido do quê?), em sua canção “Tô”, composta em parceria com Elton Medeiros, enuncia assim:

“Eu tô te explicando pra te confundir / Eu tô te confundindo pra te esclarecer...”

E vocês que se virem com esse texto mulambo que escrevi, porque eu me esforcei bastante pra não tomar partido rs...

O perigo da retórica

Acho muito interessante a utilização da retórica, da ornamentação da escrita, da linguagem poética, carregada de efeitos de sentido, para poder expressar melhor um sentimento e conseguir talvez fazer com que o leitor de certo modo sinta o que estou sentindo.

Penso que a retórica é um meio para conseguirmos comunicar o que geralmente é concebido como incomunicável ou como da ordem do indizível. Quem alcança esse nível de expressividade costuma despertar nas pessoas a sensação de que conseguiu dizer aquilo que elas sempre tiveram vontade de dizer, mas para o qual não encontravam palavras.

Acho interessantíssimo e sei como me utilizar de uma série de recursos retóricos porém, infelizmente, acho que podem também ser usados como um um meio muito poderoso para iludir e enganar as pessoas. Os efeitos de sentido, inclusive também, obviamente, aqueles utilizados pelos humoristas, costumam conquistar as pessoas, contudo há o risco da excitação de uma série de emoções, de modo excessivo, que pode abafar uso da racionalidade.

Há cerca de 20 anos eu gostava muito de ler Arnaldo Jabor. Aos poucos, porém, fui me desiludindo com seu estilo, o qual cabe muito bem para se falar da vida afetiva, por exemplo, mas não para se colocar na mesa os argumentos relativos a um debate que demanda racionalidade.

A retórica e a oratória têm um poder muito grande de enfeitiçamento. Outro colunista que também sempre abusou disso é Luiz Felipe Pondé, com o agravante de se beneficiar inclusive de uma certa blindagem em virtude de ser uma pessoa do meio acadêmico, um doutor em filosofia. Já li muitos de seus artigos em jornais, e venho acompanhando o que ele escreve há mais de 10 anos, e a impressão que tive da maioria de seus textos é que ele geralmente nem mesmo se dá ao trabalho de argumentar. Somente tece suas piadas e trocadilhos, desfilando uma série de figuras de linguagem e efeitos de sentido, esparramados no que escreve, para enfeitiçar o leitor e parecer que saiu vitorioso de algum debate.

Portanto hoje desconfio muito de quem abusa da retórica. Esse abuso está mais próximo da sofística, da arte do engano e da trapaça, do que da transparência, da humildade e da vulnerabilidade de quem está de fato tentando compreender como as coisas são.

Tuesday, July 26, 2016

Quase fui assaltado...

5 de julho de 2016,

Acho que não fui assaltado hoje em função do fato dos suspeitos não terem tido tempo hábil para avaliar precisamente como eu era fisicamente e um pouco em função de minha postura corporal. Eram três, em região visada por bandidos, vindos em minha direção – um no meio da rua, outro na calçada e um outro quase do outro lado rua. O que pude perceber é que eram mais baixos do que eu e dois deles vestiam bonés.

Saí do carro, não muito rapidamente, pois tive de pegar documentos e coisas no porta-luvas, desligar tudo o que podia (em um carro estranho, que não é meu) e achar meus chinelos, no escuro, no lugar do passageiro (sim, eu estava dirigindo descalço). Quando desci do carro, e me voltei para trás, esses três sujeitos, que apareceram de repente, vinham em minha direção.

Como já não gostei do cenário, ergui minha cabeça, inflei o peito (é ridículo, mas fiz de fato isso, inconscientemente, e só me dei conta depois), fiquei olhando fixo para o que estava mais próximo, como se fosse enfrentá-lo, e andei rapidamente (quase correndo) em direção ao outro lado da rua, sempre olhando fixamente pra ele, mas praticamente indo na direção dele. Na verdade eu tangenciei o cara. Sim, saí pela tangente. Acho que ele sentiu que eu trombaria com ele, mas saí pela tangente, em direção ao outro lado da rua, onde há, a uns vinte metros, uma quadra na qual havia umas 5 pessoas.

Passaram batido, passei batido por eles. E fui salvo por minha pose de galinho de briga e pelo tempo escasso que tiveram para poderem me analisar melhor, se é que estavam mal intencionados. Eu não reagiria, mas sinto que meu rabo também não ficaria entre as as pernas, pelo menos durante aqueles poucos segundos de olho no olho. Agi errado? Não sei. Agi sem pensar, agi para fugir o mais rápido possível daquela situação, praticamente correndo na direção dos caras, como se eu mesmo fosse atacá-los antes mesmo que me atacassem ou anunciassem qualquer coisa.

Lembrei-me de 1990, quando eu, meu irmão Cako e mais dois amigos, fomos assaltados por um arrastão às 23 horas e poucos minutos de um sábado, na Rua Barão do Amazonas, em Ribeirão Preto. Estávamos andando por essa rua, para voltarmos pra casa, depois de uma noitada de adolescentes, quando várias pessoas apareceram e vinham em nossa direção, vindas de uma esquina a uns 30 ou 50 metros distante de nós. Havia umas 20 ou 30 pessoas nesse grupo, inclusive mulheres, e creio que estavam simplesmente roubando e agredindo quem quer que cruzasse seu caminho.

Meu irmão e nossos dois amigos perceberam o risco bem antes de mim. Eu somente olhei para aquele povo e pensei que se tratava da saída de alguma festa ou igreja. Como perceberam bem antes de mim, tentaram correr e eu fiquei parado. Esses dois amigos correram, driblaram alguns meliantes, mas ambos tomaram uma travada, uma rasteira, e foram de peito no chão, um deles perdendo sua blusa de frio que estava amarrada na cintura, e não me lembro o que levaram do outro, se é que levaram alguma coisa, além de sua tranquilidade e integridade corporal.

Meu irmão também correu e eu não vi nada disso, porque fiquei cercado de carinhas tentando arrancar tudo o que eu tinha, mas acabaram levando somente meu relógio e minha carteira. Aliás, nem minha carteira levaram, porque pedi que levassem somente o dinheiro, pois eu lhes disse que tinha documentos na carteira. Então me levaram um relógio vagabundo, e feio, e o que hoje seria uns 5 ou 10 reais da carteira, a qual não continha documento algum (aha, enganei eles!).

Nossos dois amigos disseram que meu irmão foi meio doido, dando um murro na cara de um moleque, de uns 11 ou 12 anos de idade, que o ameaçava com um revólver. Segundo eles, Cako deu um murro bem dado, de nocautear o bichinho, e saiu correndo. Acho que ele também perdeu sua blusa de frio, antes atada à cintura, na correria.

Fui o único que ficou lá, feito uma múmia, parado, tentando intimidar aqueles moleques todos com meu olhar fixo e penetrante. E isso, claro, não serviu de porra nenhuma, pois me rapelaram do mesmo jeito. Mas acho que corri muito menos riscos do que meu irmão, não é verdade?

Se hoje de fato intentassem um assalto contra mim, não sei qual seria o resultado mas, feliz ou infelizmente, meu fulminante olhar 43 continuaria lá, tentando domar o submundo do crime...

Misofonia, obsessões e perfeccionismo

Se você se irrita bastante com alguns sons específicos, tais como alguns sons repetitivos ou estridentes (ou mesmo com sons sutis de mastigação ou outros provindos da boca das pessoas) talvez você tenha misofonia. Porém não há ainda, e talvez nem venha existir evidências científicas de que isso é um transtorno, de que esse transtorno existe.

Contudo se você, em um ambiente silencioso, por exemplo, se sente muitíssimo irritado com alguém que está comendo alguma coisa, de boca fechada, você muito provavelmente tem essa dificuldade, a qual alguns classificam como misofonia.

E a questão é a seguinte: como vencer esse problema? Se você já percebeu que isso é um problema, parabéns! Pois desse modo já deu o primeiro passo para conseguir lidar melhor com sua dificuldade.

O primeiro passo, nesses casos, é sempre perceber que antes de tudo o problema é nosso e não dos outros. É fundamental saber distinguir em que momento alguém está invadindo nosso espaço ou se é simplesmente uma neura de nossa parte.

Se você, por exemplo, em um ambiente silencioso, se irrita bastante com alguém que está por perto, mastigando alguma coisa ou fazendo algum barulho específico, e essa pessoa não está fazendo nada que transgrida alguns padrões estabelecidos (como mastigar de boca aberta, por exemplo), a pior coisa que você pode fazer é responsabilizar essa pessoa por sua irritação.

E isso também vale para vários outros tipos de obsessões que as pessoas possam ter. A primeira grande dificuldade da maior parte dos obsessivos é não reconhecer que o problema é deles e não dos outros. Costumam se defender dizendo que são perfeccionistas, pessoas muito limpinhas, ordeiras e outras justificativas similares. Se orgulham de serem como são e são, em outros contextos de suas vidas, muito gratificadas por se comportarem dessa maneira.

Porém, na minha compreensão, perfeccionismo não é uma qualidade, é um defeito horroroso que raramente faz sofrer somente o perfeccionista.

Se somente o perfeccionista sofresse com essa sua característica, aí talvez o problema fosse bem menor. Contudo o que as pessoas geralmente classificam como sendo perfeccionismo na maioria das vezes é somente um apego excessivo a detalhes inúteis.
Muitas vezes há uma linha tênue entre trabalhos bem feitos e gente louca torturando outras em função de seus caprichos. Mas não tenho dúvida de que é muito mais comum pessoas caprichosas, doentes, e mal acostumadas, viverem torturando outras com a justificativa de que gostam das coisas bem feitas, com a justificativa de que são perfeccionistas.

E como fazer então para que a pessoa obsessiva (ou "perfeccionista") reconheça que o problema é dela? Não tem jeito, esse é um problema difícil de se contornar, que às vezes demanda um certo tempo em terapia mesmo. Mas um ponto é claro: é fundamental não se alimentar a obsessão, o "perfeccionismo".

Desse modo então terá de haver uma reestruturação muito grande da interação do obsessivo com o mundo. Uma das metas, muitas vezes, é fazer com que o obsessivo comece a conviver com pessoas que não gratificam esses seus comportamentos indesejáveis...

Tuesday, July 19, 2016

Empatia e compaixão

Empatia é conexão, é estar junto, é ser companheiro, de verdade. E muitas vezes somente isso já ajuda bastante. Mas há também a questão técnica de como podemos aprofundar a empatia, e isso pode variar bastante em função do problema pelo qual alguém está passando.

Empatia não é sentir o que o outro sente. É compreender o outro a partir dos referenciais dele. É mais cognitiva do que afetiva. Disposição afetiva para sentir o que o outro sente, sem preparo técnico adequado, pode gerar projeções, confusões. Sentir o que o outro sente é compaixão, não é necessariamente empatia.

É importante ser afetado, ter compaixão. A compaixão é um motor, um motivador. Mas muito do que chamam de compaixão é somente projeção, altruísmo desesperado. Compreendo o poder motivador da compaixão. Mas o que discrimina melhor é a empatia, esse processo "infinito" de estar junto e conhecer melhor o outro a partir dos referenciais dele.

E ter uma relação de empatia com alguém já é fazer algo por essa pessoa: é estar junto, ser companheiro, ouvir, tentar compreender em detalhe, construindo com o outro os caminhos para possíveis resoluções.

E o risco da compaixão sem empatia, do afeto sem a compreensão, é o sentimento de pena, o qual é pura projeção de si sobre o outro. A pena é sempre produzida de modo vertical, assimétrico. Costuma estabelecer mais uma relação de poder do que de ajuda respeitosa. E o mais doido é o senso comum se apropriando da coisa. Muita gente diz assim: "eu tenho pena de você”, e isso na verdade pode ser traduzido assim: "eu acho você inferior, um idiota desprezível". E aí, claro, as pessoas vão dizer que não querem que ninguém sinta pena delas...

A empatia é um regulador da compaixão.

Para quem quiser ainda se aprofundar um pouquinho mais nessa questão, trabalhei um pouco esses conceitos a partir de Comte-Sponville, nesse vídeo aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=7Ro9ASkgDCM

A empatia é mais cognitiva do que afetiva em virtude da definição de empatia que estou adotando: a compreensão do outro a partir dos referenciais dele.

Muitas pessoas costumam definir empatia como a capacidade de sentir o que o outro sente. Não é essa a definição que adoto, pois pra mim isso é compaixão (sentir com o outro, sentir junto). Já existe um conceito para se definir o que seria essa capacidade de sentir juntamente com o outro, que é a compaixão. Então, na minha compreensão, não faz o menor sentido chamar isso de empatia.

Sentir é da ordem do afeto e compreender é da ordem da cognição. Portanto a empatia está mais para a cognição e a compaixão está mais para o afeto.

Não é possível sentir exatamente o que o outro sente. Existe sempre um elemento de equívoco contido na compaixão, o qual pode e deve ser modulado pela empatia.

Pra mim é muito claro que é impossível sentir, perfeitamente, o que o outro sente. Mas será que é impossível compreender o outro a partir de seus referenciais? Se você agora, por exemplo, está compreendendo a partir de quais conceitos estou falando, a partir de que lugares estou falando, você está de certo modo me compreendendo a partir de meus referenciais.

Se o conceito de empatia está atrelado ao conceito de compreensão, a coisa muda muito de figura. Estaremos desse modo aproximando o conceito de empatia de conceitos tais como o conceito de racionalidade, a qual em tese pressupõe universalidade, objetividade.
Penso que a empatia demanda um certo preparo técnico, o qual pode variar em função do tipo de problema apresentado, porque alguém que tenha técnica, que seja mais versado nas questões que estão sendo apresentadas, já conhece melhor o caminho e algumas estratégias de enfrentamento.

Se a empatia é da ordem da compreensão a questão é como vamos fazer para que essa compreensão se aprofunde, para que o conhecimento se acumule. Alguém que não esteja preparado tecnicamente fará as perguntas erradas e de modo inadequado. Simplesmente não saberá o que fazer diante do dilema, do problema apresentado.

Obviamente que esse preparo técnico, ou o que estamos chamando de empatia, pode ser adquirido simplesmente pelo volume de convivência que se tem com o outro. Já interagi com muitos familiares de pacientes que tinham um conhecimento muito grande das necessidades e desejos da pessoa que estava em tratamento.

O familiar sabia o que estava acontecendo. O familiar não sentia o que o doente estava sentindo. Sofria junto. Não sentia junto. E talvez seja esse um conceito mais preciso de compaixão: sofrer junto, sofrer também, sofrer por que o outro está sofrendo, porque sentir a mesma coisa, vivenciar igualzinho, é impossível.

"O homem em sociedade não pode ser feliz sem o auxílio dos outros..."

"Aquele em quem o amor por si sufoca toda a afeição pelos outros é um ser insociável, um insensato que não vê que todo homem, vivendo com outros homens, está em uma completa impossibilidade de trabalhar pela sua felicidade sem a assistência dos outros. Todas as nossas paixões cegas nossos interesses mal compreendidos, nossos vícios e nossos defeitos nos separam da sociedade. Indispondo nossos associados contra nós, tudo isso os torna inimigos pouco favoráveis aos nossos desejos. Todos os perversos que são detestados vivem como se estivessem sozinhos na sociedade: o tirano que oprime vive tremendo no meio de seu povo, que o odeia; o rico avarento vive desprezado como um ser inútil, o homem cujo coração gelado não se aquece por ninguém não tem motivos para esperar que alguém se interesse por ele. Em poucas palavras, não existe na moral uma verdade mais clara do que aquela que prova que o homem em sociedade não pode ser feliz sem o auxílio dos outros." (Barão de Holbach, A moral universal, 1776/2015, p. 34, Martins Fontes)

Para que serve a poesia?

Alguém me perguntou para que serve a poesia. Serve para não fazer parte da ala dos homens que naufragaram num beco de agonias mudas, no canto escuro de sentimentos sem palavra nem proteção, na ilusão de que a beleza deve navegar pelo mundo ordenando que calemos nossa boca.

Escola sem partido

Acho que é muito simples perceber que o PL 867, da "Escola sem partido", de autoria do deputado Izalci (PSDB-DF), é simplesmente impossível de ser posto em prática. Comecem a lê-lo e perceberão que já naufraga em seu segundo artigo, o qual dispõe sobre seus princípios, seus fundamentos. O inciso II é completamente incompatível com o inciso VII. Confiram:

“Art. 2º. A educação nacional atenderá aos seguintes princípios:

(...) II - pluralismo de ideias no ambiente acadêmico;

(...) VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo 
com suas próprias convicções.”

Se cada pai tiver o direito de que seus filhos recebam a educação moral que estiver em acordo com suas próprias convicções, sendo elas as mais variadas em uma sociedade plural e democrática, logo o “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico” não ocorrerá.
Ou seja, esse projeto simplesmente não tem fundamento. Tão simples... Ou estou sendo simplório?

Mas a coisa piora, vejam só:

"Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes."

Biologia evolutiva, conteúdo com embasamento científico, e obrigatório, terá de ser proibido, pois entrará em conflito com as convicções religiosas de muitos cristãos. Pois é: esse projeto é simplesmente impraticável e não tem fundamento, e isso está muito bem claro nos artigos 2 e 3. Possui 9 artigos e não precisamos nem mesmo lê-lo até o final, pois se invalida desde seu início.

Não é difícil chegar à conclusão de que o projeto “Escola sem partido” é uma invenção reacionária, de alguns fanáticos conservadores. Leiam o projeto e perceberão que esses caras estão putos com os avanços dos direitos LGBT, com o ensino obrigatório de biologia evolutiva ou com qualquer tipo de afirmação que contrarie suas convicções. Está escrito no projeto, claramente, em seu artigo 3:

"Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes."

Estão dizendo claramente que querem somente que seus filhos ouçam os professores dizerem que “homossexualidade não é normal, que é doença, que é errado, que está na bíblia, que evolução não existe, que deus criou cada um dos animais, que não viemos dos macacos, ou que o nazismo era de esquerda, que a ditadura salvou o Brasil do comunismo e que o coronel Ustra foi um herói nacional”e etc.

Mas se esquecem que esse artigo torna o projeto impraticável, pois vivemos em uma sociedade, em tese, plural e democrática, e muitos outros pais, partidários de outras ideologias, poderão reivindicar coisas que lhes são totalmente contrárias ou diversas, e que isso irá simplesmente amordaçar todo mundo e tornar impossível a educação.


Na boa, mas quem escreveu e quem defende esse projeto não é somente reacionário louco, é burro.

Leia o PL na íntegra: 
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1050668

Eu poderia muito tranquilamente, muito facilmente, de cara, ir concordando com esse projeto sem fundamento que é a escola sem partido. Porém não há como fazer isso, mesmo tendo em minha história sido excessivamente doutrinado por um professor adventista, por meio da disciplina de Educação Moral e Cívica, imposta durante a ditadura militar.

Foi durante o ano de 1984, aliás número bastante simbólico para se falar de lavagem cerebral e similares, o qual foi o último ano de nossa ditadura. O cara vivia falando de religião o tempo todo, e também levava a revista Veja, com o Presidente Figueiredo elogiosamente estampado nas suas capas, dizendo que a gente precisava se informar mais.

O livro de educação moral e cívica (sim, vou deixar o nome dessa bosta em letras minúsculas) tinha algumas coisas interessantes e muitas outras que eram um anedotário de baboseiras etnocentristas, com vistas à repressão da diversidade e à uniformização do jovem brasileiro.

Lembro-me claramente de uma tirinha que ironizava um filósofo ateu, tentando dizer que somente o estudo de filosofia não o qualificava para duvidar da existência de Deus. Assim como essa tirinha, esse desenho, várias outras passagens do livro mais lembravam aqueles panfletos distribuídos gratuitamente pelas testemunhas de Jeová do que uma tentativa plural de se trabalhar qualquer conceito relativo a valores morais, ética e comportamento.

Lembro-me também claramente de uma passagem em que narravam a história de um pai e de um filho, no Oriente. Afirmavam que um dia teria existido um costume, no Oriente, dos filhos levarem os pais, quando já bem velhinhos, para o alto de uma montanha para que lá morressem. Até que de repente, em um determinado dia, um pai devolve para o filho o cobertor que este havia lhe dado:

- Não, meu filho, não precisa me deixar aqui com esse cobertor. Pode levá-lo pra você, para quando seu filho trouxer você aqui...

E assim esse filho fica muito emocionado e se dá conta de que não poderiam continuar com esse costume bárbaro.

Obviamente que nessa época eu senti ojeriza, tanto pelo filósofo ateu quanto por esse costume cruel que teria existido no Oriente. Mas hoje percebo o quanto esses dois temas foram meticulosamente manipulados em favor de uma determinada perspectiva ideológica.

Esse professor nos influenciou precocemente. Tínhamos somente 12 anos de idade, e ele fazia questão de se assegurar de que estávamos realmente sendo convencidos por suas aulas. E de fato conseguiu um domínio muito grande sobre a maioria de nós.

Mas faço algumas questões: ele foi a única e definitiva influência sobre nós? Todas as outras influências foram sempre na mesma direção? E a influência que também sofríamos nessa época, advinda dos meios de comunicação de massa, principalmente da televisão, para termos uma verdadeira adoração em relação a qualquer coisa que fosse proveniente dos Estados Unidos? Nessa época meu sonho era morar nos Estados Unidos, porque pra mim até mesmo o sol brilhava mais belamente por lá.

Mas tenho mais perguntas a fazer: o poder, que esse professor-fanático-religioso teve, permaneceu até hoje? Durou quanto tempo: um, dois, três, quatro anos?

Depois, em todas as outras séries, tive os mais variados tipos de professores, e cada um deles tentou nos influenciar com suas ideologias. Mas, convenhamos, ensinar biologia evolutiva é algo que não comporta praticamente nenhuma ideologia, conforme o que essas pessoas estão conceituando, e elas obviamentemente vão espernear com isso, porque a maioria, senão a totalidade dos defensores dessa escola sem partido, é contra os fatos enunciados pela biologia evolutiva. Ou seja, esse povo milita contra a realidade dos fatos, contra o conhecimento científico, e está querendo falar em ideologia?

Agora nessa última versão do projeto, cuja autoria é do senador Magno Malta, está mais do que claro que estão reivindicando que os pais e os estudantes tenham o direito de ter uma educação moral alinhada com seus valores, mas estão repudiando a discussão de gênero nas salas de aula. Que loucura é essa? Estão querendo posar de neutros, mas estão lutando contra um determinado conteúdo que pode sim interessar a muitos pais e estudantes.

O projeto é repleto de contradições como essa. É um projeto impraticável porque não é possível adaptar um currículo à diversidade presente em nossa sociedade, do modo como estão querendo acochambrar as coisas. Afirmam que estão lutando pela pluralidade, ao mesmo tempo em que rejeitam alguns conteúdos, como se eles estivessem ferindo essa pluralidade, a qual nunca cultivaram em sua vida.

A minha leitura do que dizem é a seguinte: "Queremos pluralidade mas não queremos discutir o que é gênero, sexualidade, origem da vida, história das mentalidades, e estamos fazendo um projeto imbecil que irá criminalizar o debate."

O que não faltarão serão denúncias desse ou daquele professor, porque tocou nesse ou naquele assunto que fere as convicções desse ou daquele estudante. É um projeto impraticável e antidemocrático. Se o professor falar que houve um golpe em 1964, poderá ser denunciado, e se ele disser que não houve um golpe mas uma revolução, também poderá ser denunciado. Se disser que o homem é um primata, ou se disser que não é um macaco, por ambas as afirmações poderá ser denunciado. Porque, quer esses fanáticos queiram ou não, o homem é biologicamente classificado como um primata, como um macaco, e isso obviamente os ofende, e eles então lutam contra os fatos, lutam contra um currículo de biologia que é obrigatório.


O que esses imbecis não percebem é que irão produzir uma situação caótica que será simplesmente a guerra judicial de todos contra todos. Não se trata nem mais de guerra ideológica, querem simplesmente partir logo pro pau, para que opinião e debate sejam tratados como caso de polícia.

Leia o projeto de Magno Malta, e vote contra na enquete do Senado Federal:
http://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=125666