Tuesday, July 19, 2016

Escola sem partido

Acho que é muito simples perceber que o PL 867, da "Escola sem partido", de autoria do deputado Izalci (PSDB-DF), é simplesmente impossível de ser posto em prática. Comecem a lê-lo e perceberão que já naufraga em seu segundo artigo, o qual dispõe sobre seus princípios, seus fundamentos. O inciso II é completamente incompatível com o inciso VII. Confiram:

“Art. 2º. A educação nacional atenderá aos seguintes princípios:

(...) II - pluralismo de ideias no ambiente acadêmico;

(...) VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo 
com suas próprias convicções.”

Se cada pai tiver o direito de que seus filhos recebam a educação moral que estiver em acordo com suas próprias convicções, sendo elas as mais variadas em uma sociedade plural e democrática, logo o “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico” não ocorrerá.
Ou seja, esse projeto simplesmente não tem fundamento. Tão simples... Ou estou sendo simplório?

Mas a coisa piora, vejam só:

"Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes."

Biologia evolutiva, conteúdo com embasamento científico, e obrigatório, terá de ser proibido, pois entrará em conflito com as convicções religiosas de muitos cristãos. Pois é: esse projeto é simplesmente impraticável e não tem fundamento, e isso está muito bem claro nos artigos 2 e 3. Possui 9 artigos e não precisamos nem mesmo lê-lo até o final, pois se invalida desde seu início.

Não é difícil chegar à conclusão de que o projeto “Escola sem partido” é uma invenção reacionária, de alguns fanáticos conservadores. Leiam o projeto e perceberão que esses caras estão putos com os avanços dos direitos LGBT, com o ensino obrigatório de biologia evolutiva ou com qualquer tipo de afirmação que contrarie suas convicções. Está escrito no projeto, claramente, em seu artigo 3:

"Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes."

Estão dizendo claramente que querem somente que seus filhos ouçam os professores dizerem que “homossexualidade não é normal, que é doença, que é errado, que está na bíblia, que evolução não existe, que deus criou cada um dos animais, que não viemos dos macacos, ou que o nazismo era de esquerda, que a ditadura salvou o Brasil do comunismo e que o coronel Ustra foi um herói nacional”e etc.

Mas se esquecem que esse artigo torna o projeto impraticável, pois vivemos em uma sociedade, em tese, plural e democrática, e muitos outros pais, partidários de outras ideologias, poderão reivindicar coisas que lhes são totalmente contrárias ou diversas, e que isso irá simplesmente amordaçar todo mundo e tornar impossível a educação.


Na boa, mas quem escreveu e quem defende esse projeto não é somente reacionário louco, é burro.

Leia o PL na íntegra: 
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1050668

Eu poderia muito tranquilamente, muito facilmente, de cara, ir concordando com esse projeto sem fundamento que é a escola sem partido. Porém não há como fazer isso, mesmo tendo em minha história sido excessivamente doutrinado por um professor adventista, por meio da disciplina de Educação Moral e Cívica, imposta durante a ditadura militar.

Foi durante o ano de 1984, aliás número bastante simbólico para se falar de lavagem cerebral e similares, o qual foi o último ano de nossa ditadura. O cara vivia falando de religião o tempo todo, e também levava a revista Veja, com o Presidente Figueiredo elogiosamente estampado nas suas capas, dizendo que a gente precisava se informar mais.

O livro de educação moral e cívica (sim, vou deixar o nome dessa bosta em letras minúsculas) tinha algumas coisas interessantes e muitas outras que eram um anedotário de baboseiras etnocentristas, com vistas à repressão da diversidade e à uniformização do jovem brasileiro.

Lembro-me claramente de uma tirinha que ironizava um filósofo ateu, tentando dizer que somente o estudo de filosofia não o qualificava para duvidar da existência de Deus. Assim como essa tirinha, esse desenho, várias outras passagens do livro mais lembravam aqueles panfletos distribuídos gratuitamente pelas testemunhas de Jeová do que uma tentativa plural de se trabalhar qualquer conceito relativo a valores morais, ética e comportamento.

Lembro-me também claramente de uma passagem em que narravam a história de um pai e de um filho, no Oriente. Afirmavam que um dia teria existido um costume, no Oriente, dos filhos levarem os pais, quando já bem velhinhos, para o alto de uma montanha para que lá morressem. Até que de repente, em um determinado dia, um pai devolve para o filho o cobertor que este havia lhe dado:

- Não, meu filho, não precisa me deixar aqui com esse cobertor. Pode levá-lo pra você, para quando seu filho trouxer você aqui...

E assim esse filho fica muito emocionado e se dá conta de que não poderiam continuar com esse costume bárbaro.

Obviamente que nessa época eu senti ojeriza, tanto pelo filósofo ateu quanto por esse costume cruel que teria existido no Oriente. Mas hoje percebo o quanto esses dois temas foram meticulosamente manipulados em favor de uma determinada perspectiva ideológica.

Esse professor nos influenciou precocemente. Tínhamos somente 12 anos de idade, e ele fazia questão de se assegurar de que estávamos realmente sendo convencidos por suas aulas. E de fato conseguiu um domínio muito grande sobre a maioria de nós.

Mas faço algumas questões: ele foi a única e definitiva influência sobre nós? Todas as outras influências foram sempre na mesma direção? E a influência que também sofríamos nessa época, advinda dos meios de comunicação de massa, principalmente da televisão, para termos uma verdadeira adoração em relação a qualquer coisa que fosse proveniente dos Estados Unidos? Nessa época meu sonho era morar nos Estados Unidos, porque pra mim até mesmo o sol brilhava mais belamente por lá.

Mas tenho mais perguntas a fazer: o poder, que esse professor-fanático-religioso teve, permaneceu até hoje? Durou quanto tempo: um, dois, três, quatro anos?

Depois, em todas as outras séries, tive os mais variados tipos de professores, e cada um deles tentou nos influenciar com suas ideologias. Mas, convenhamos, ensinar biologia evolutiva é algo que não comporta praticamente nenhuma ideologia, conforme o que essas pessoas estão conceituando, e elas obviamentemente vão espernear com isso, porque a maioria, senão a totalidade dos defensores dessa escola sem partido, é contra os fatos enunciados pela biologia evolutiva. Ou seja, esse povo milita contra a realidade dos fatos, contra o conhecimento científico, e está querendo falar em ideologia?

Agora nessa última versão do projeto, cuja autoria é do senador Magno Malta, está mais do que claro que estão reivindicando que os pais e os estudantes tenham o direito de ter uma educação moral alinhada com seus valores, mas estão repudiando a discussão de gênero nas salas de aula. Que loucura é essa? Estão querendo posar de neutros, mas estão lutando contra um determinado conteúdo que pode sim interessar a muitos pais e estudantes.

O projeto é repleto de contradições como essa. É um projeto impraticável porque não é possível adaptar um currículo à diversidade presente em nossa sociedade, do modo como estão querendo acochambrar as coisas. Afirmam que estão lutando pela pluralidade, ao mesmo tempo em que rejeitam alguns conteúdos, como se eles estivessem ferindo essa pluralidade, a qual nunca cultivaram em sua vida.

A minha leitura do que dizem é a seguinte: "Queremos pluralidade mas não queremos discutir o que é gênero, sexualidade, origem da vida, história das mentalidades, e estamos fazendo um projeto imbecil que irá criminalizar o debate."

O que não faltarão serão denúncias desse ou daquele professor, porque tocou nesse ou naquele assunto que fere as convicções desse ou daquele estudante. É um projeto impraticável e antidemocrático. Se o professor falar que houve um golpe em 1964, poderá ser denunciado, e se ele disser que não houve um golpe mas uma revolução, também poderá ser denunciado. Se disser que o homem é um primata, ou se disser que não é um macaco, por ambas as afirmações poderá ser denunciado. Porque, quer esses fanáticos queiram ou não, o homem é biologicamente classificado como um primata, como um macaco, e isso obviamente os ofende, e eles então lutam contra os fatos, lutam contra um currículo de biologia que é obrigatório.


O que esses imbecis não percebem é que irão produzir uma situação caótica que será simplesmente a guerra judicial de todos contra todos. Não se trata nem mais de guerra ideológica, querem simplesmente partir logo pro pau, para que opinião e debate sejam tratados como caso de polícia.

Leia o projeto de Magno Malta, e vote contra na enquete do Senado Federal:
http://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=125666

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