Há uma distinção entre neutralidade e imparcialidade que talvez ajude no debate sobre o projeto “escola sem partido”. Ou talvez somente produza ainda mais confusão.
Neutralidade diria respeito a uma condição. Geralmente o termo neutralidade (ou neutro) é utilizado para se referir a alguém que se comporta como uma espécie de folha em branco, coisa que ninguém é. Em física das partículas, por exemplo, o conceito de neutralidade remete à valência nula: se trata de uma partícula que não possui carga positiva nem negativa. Em matemática temos também a ideia de neutralidade relacionada à ausência de valor. O zero, por exemplo, muitas vezes é concebido como neutro.
Portanto uma série de usos dos termos neutro e neutralidade me faz pensar em pessoas que simplesmente não teriam valores ou não fizessem qualquer tipo de avaliação. Isso é simplesmente impossível, porque as pessoas não somente têm seus valores como vivem em função deles. Nesse sentido portanto neutro, folha em branco, nulo, ninguém é. Todos temos nossas experiências, nossa cultura, nossa história e nossos valores.
Contudo, há também a noção de imparcialidade. Há quem faça uma distinção entre neutralidade e imparcialidade. Não somos neutros, mas podemos nos esforçar para não tomar partido. Podemos sempre, na medida do possível, nos esforçarmos para conhecer o outro lado, para buscar evidências contrárias às nossas próprias convicções, e esse é inclusive, em termos ideais, um parâmetro importante para se produzir conhecimento consistente, para se fazer ciência, por exemplo.
O problema de fato é que pouquíssimas pessoas têm um mínimo de disposição pra isso, para buscar evidências contrárias às suas próprias convicções, inclusive no próprio meio científico. Se essa característica é pouco presente, inclusive no meio científico, imagine o que acontece com ela no universo das polarizações, das acirradas lutas políticas.
Por outro lado, quando pensamos no uso do termo imparcialidade, no meio jurídico, logo comparece à nossa imaginação a figura do juiz de direito o qual, em seus esforços para ser imparcial, deve permitir que ambas as partes se expressem com igual valor, com igual peso. E no final o juiz deve emitir seu julgamento.
Os defensores do projeto “escola sem partido”, por sua vez, defendem que no final o professor não poderia emitir juízo algum, contudo se esquecem que manipulações e comandos indiretos podem ser até mais eficazes. Quando digo, muito rapidamente, “olha o cachorro!!!”, muito provavelmente não estou somente apontando para a existência de um fato, de um cachorro. Essa expressão geralmente quer dizer isso: “Cuidado com o cachorro! Corra! Fuja!”. Não é uma simples e objetiva constatação. É um comando, é uma tentativa de influenciar o outro.
Finalizo, sem concluir coisa alguma, com dois autores: Wittgenstein e Tom Zé. O primeiro, em sua obra “Investigações Filosóficas”, no parágrafo 491, escreve assim:
“Não se pode dizer que: “sem linguagem não poderíamos entender-nos uns com os outros”, mas sim: “sem linguagem não podemos influenciar outros homens desta ou daquela maneira, não podemos construir estradas e máquinas” etc. E também que: “sem o uso da fala e da escrita os homens não se podem entender uns com os outros”.
E Tom Zé (tomando partido do quê?), em sua canção “Tô”, composta em parceria com Elton Medeiros, enuncia assim:
“Eu tô te explicando pra te confundir / Eu tô te confundindo pra te esclarecer...”
E vocês que se virem com esse texto mulambo que escrevi, porque eu me esforcei bastante pra não tomar partido rs...
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