Sunday, December 19, 2004

DO OUTRO LADO... (Remake)

- Filhooô...! Estão trazendo o seu cadáver - no brilhoso caixão, carregado por entregadores de gás. Onde colocamos? Vai ficar jogado aqui na sala?
- Deixe aí, mãe! Não podem saber que eu morri.
- Mas isso é dia de morrer, meu filho? Tem sábado, tem domingo... Vou te contar, com tanto tempo para pensar em morte, e você resolve me fazer isso exatamente hoje? Assim eu me desanimo...
- Ah, mãe. Calma, meu. É só hoje, vai... A gente só morre uma vez na vida! Fazer o quê? Chegou a minha hora.
- Só morre uma vez na vida, e eu ainda sou obrigada a carregar isso nas costas? Vou ter de conviver com isso, todo dia, a toda hora?
- Mãe, a vida é assim, ou melhor, a morte é assim. Um dia a gente está aqui, no outro já não está mais, sumiu...
Eleonora sai aflita, correndo em direção à rua. Abre o portão e olha para a esquina como se procurasse algo naquela distância cega, sem o saber. Observou e nada encontrou. A rua não tinha esquina, aliás, não tinha fim. O que havia, se algo realmente havia, era um imenso vazio que tomava tudo, engolindo seus pensamentos, siderando seu olhar na direção daquele nada. Ouvia ao longe, mas também bem dentro da cabeça, os passos de alguém que se aproximava. Um vulto vinha perfurando o escuro com o som dos seus cem mil passos a aumentar em volume e assombro. Era Elias, seu filho.
- Filho, filho. De onde você está vindo, meu filho? Mamãe sentiu tanto a sua falta...
- Vim de lá, daquele vazio, daquele escuro, está vendo? - sem interromper sua compassada caminhada. Para trás daquele escuro há um deserto imenso, sem tamanho, sem nome. Eu venho cruzando este deserto há anos e anos. Vejo um ponto, sempre. Ele não se apaga jamais. Um ponto, nada mais. E eu somente sei que caminho em sua direção.
- Há um ano você se foi e não voltou mais. Procurei por todos os cantos e não pude encontrá-lo. Revirei o seu quarto, suas roupas, seus retratos, fiquei horas perdida na lembrança do seu sorriso. Fiquei horas sem nada pensar ou sair do lugar. Absorta, com a alma desabrigada e nua. Indignada, indigente. Chorar já não mais trazia alívio. Onde está você agora, meu filho? Para onde foi? O que está fazendo? Por que caminha sem parar? Onde vai? Por que não volta? Por que me engana, ao se mostrar toda noite em meus sonhos, ao parecer que não morreu, que tudo fora somente um pesadelo? Chega sorrateiro, sorriso macio: “oi, mãe...”, trazendo um presentinho, uma flor, um abraço. E agora, será que é um sonho também? Já padeci uma eternidade inultimente na tentativa de dar conta desse vazio que você deixou aberto feito ferida no meu peito. Eu também morri, Elias. Eu também morri... Sua mãe é uma mulher para sempre mutilada.
Elias somente ouvia no seu ouvido de pedra e olhar quase derretido. Continuava andando, na sua marcha calada, na sua missão cega.
- Para onde você está indo, meu filho? Você está vivo? Você voltou? O que está acontecendo, me explique.
Seus passos tinham vida e rumo próprios, direção certa, a algum ponto que sua mãe não podia enxergar. Contudo, ela tacitamente parecia compreender o que ali se passava. O filho sempre fora mesmo muito determinado, dificilmente desviava-se de suas rotas, de suas metas.
- Por favor, me diz, meu filho, para onde você está indo? Fale com sua mãe.
Elias era o mesmo, sempre indo embora, sempre de passagem. Sua mãe falava, perguntava, e ele continuava indo embora.
- Estou indo para o vulcão de luz. Lá todos vivem de luz, alimentam-se de luz, brindam as luzes, seu sangue é de luz, os olhos emitem fachos de luz, as pessoas ouvem e cantam em luzes. Está vendo, lá, para além daquele morro, para além daquele além – apontando para uma nuvem preta onde não havia nada além do que um pouco de chuva.
- Ai, meu filho, vocês me inventam cada coisa. Sempre inventando de ir pra cada lugar que ninguém entende, falando de coisas que ninguém compreende. Vivem aí estudando para quê? Para complicar? Por que não procuram fazer algo mais simples. Não tinha outro meio pra você deixar sua mãe apurada, não? Mas ser mãe é isso, é padecer no paraíso. A gente luta tanto para educar os filhos, dar-lhes uma vida digna, para depois ficar ouvindo ingratidão. É, como dizia a sua avó: a gente cria os filhos para o mundo...
De repente, Elias pára e olha sua mãe nos olhos, de um modo como nunca antes o havia feito. E um olhar tão intenso, tão profundo, tão tudo, tão tão. Ela estava mais velha e ele ainda era aquele jovem que ficou, aquela figura que permanece, não se modifica com o tempo, ao dizer que o tempo, para os mortos, parou. Os mortos parecem vencer o tempo, estão além dele, não mudam, não envelhecem: os mortos não morrem... Vão para perto dos deuses e lá se eternizam.
Desprotegida, inconsolável, Eleonora olha o filho, a sua morte, como uma criança. Ele a abraça forte:
- Mãe, é assim mesmo, este é o segredo, a gente passa...
Continua andando, prossegue, e vai até que o escuro tranquilamente o engula. Eleonora, mesmo carregando o peso, agora sabe: a gente passa...

Saturday, December 18, 2004

DO OUTRO LADO...

- Filhooô...! Estão trazendo o seu cadáver - no brilhoso caixão, carregado por entregadores de gás. Onde colocamos? Vai ficar jogado aqui na sala?
- Deixe aí, mãe! Não podem saber que eu morri.
- Mas isso é dia de morrer, meu filho? Tem sábado, tem domingo... Vou te contar, com tanto tempo para pensar em morte, e você resolve me fazer isso exatamente hoje? Assim eu me desanimo...
- Ah, mãe. Calma, meu. É só hoje, vai... A gente só morre uma vez na vida! Fazer o quê? Chegou a minha hora.
- Só morre uma vez na vida, e eu ainda sou obrigada a carregar isso nas costas?

Uma lágrima...

Uma lágrima, lava quente, escorre, do canto do olho. Do canto de pedra do seu olhar de gelo sai um sopro de desprezo. Do outro lado do planeta de meu fracasso, sou um homem que ainda tem a coragem de sorrir para o sol que nasce no horizonte de minha loucura.

E invento mais um cachorro para ser o mestre de obras de minha alma...

Wednesday, December 15, 2004

Carta à Benedita

Benedita,

Seu nome ecoou por dias nos ceus do mundo que agora estavam totalmente
tomados pelos ventos. Sim, o mundo se transformara num enorme vento
depois da sua partida. Tudo era arrastado no interminavel rodamoinho de
roda-piao, lembrancas, flashs da infancia, reminescencias do tempo em
vento, vendavais de luz e folhas por sobre a minha saudade que gritava os
mares pelo penhasco em que vi seu rosto nas estrelas, todas cadentes,
todas a inventar mais misterio na minha cabeca ne-voada e revoada da
bagunca que voce deixou e foi embora como se houvesse fugido da explosao
de uma cidade que nunca existiu...

Sunday, December 12, 2004

MACARRONÊS

Não se podia acreditar que se era possível hospedar o mundo no segundo aposento mais fedido de nossa casa. Estava claro que mesmo com a dor apagada, na varanda de nossa cabeça as crianças estariam fazendo arte. Devia se ouvir música e fingir lucidez para atingir o ponto de fervura do fim de nosso instinto. Aquele, diário, pedindo urgência na libido-floresta de nosso corpo.
Água no fogo, aço a separá-los. Vida e morte no tempo da sobrevivência. Ainda poderia ser escrito o destino das últimas horas.
O vermelho seria esfaqueado, mais que esquartejado. Companheiro do que faz tempero. Vinha apimentar o que seria só trigo e água. O branco pedindo o vermelho. Defunto de um Deus, faria vulcão no erro cometido para mostrar a própria lei das compensações. Deus não mataria a festa do tempo embaralhado de nossa cabeça. Agir rápido. Agir duas vezes antes de pensar. Adulterar a loucura. Transar a lucidez.
Bolhas e fumaça na primeira entrada de nosso sucesso no futuro. Mexendo e misturando o que há de se quebrar para que entre o mar. Havia leite morno a correr pelo túnel de nosso corpo. Nadaria naquele leite com café barrento ou cascata. Foi chegando na carne o aviso da tempestade que vinha. Esqueça. O vermelho está sendo esfaqueado. E, redundante, derrete aos nossos olhos. Ferve, e até espero ser doce. Quem sabe?
Bom, está tudo tão fácil. Um feliz final será certo. Vejamos... Tudo de quente é o que ofereço na solidão de meu único e solitário morador na alma. Sem exagero, traio a insanidade e vou de encontro ao que me oferecem de alimento.
Está pronta a macarronada de domingo!

XUXA



Xuxa já nos chama a atenção pelo nome. Se pudéssemos estranhá-lo como se o ouvíssemos pela primeira vez, sem saber o que denominava, poderíamos muito bem tomá-lo como esdrúxulo ou até mesmo obsceno. Em certo país daqui da América do Sul foi confundido com algo chulo, o órgão genital feminino. O verbo xuxar, em nossa língua, remete a significados parecidos com o cutucar, o atiçar.

Por mais que a Xuxa batalhe infinitamente para se livrar do seu ranço sexual histórico latente no imaginário mítico, do qual ela se deseja rainha casta, é uma tarefa árdua despir-se do olhar do telespectador inconscientemente sempre sedento para que sua volúpia seja escancarada. Xuxa, então, busca seu refúgio nas crianças. É a nossa babá sonhada, loira, gostosa. Desenvolveram essa idéia de babá via satélite, babá show, big production, babá rainha, deusa. Xuxa é o sonho máximo de uma babá para o Brasil. É como se tivéssemos seqüestrado uma sueca padrão, bonita, bem-educada (pero no mucho), bem nutrida, e ela nos servisse de babá e polução noturna. Como se fosse possível nos vingarmos da opressão histórica simbolizada na peituda loira americana que agora é nossa babá, troca nossas fraldas, nos materna. Como se fosse possível mamar nas tetas da Suécia, viver eternamente do leite e do prazer americano. Veja bem, não é um paternalismo, é uma maternagem, são nossos mulatinhos mamando nos seus peitos, uma ama seca ao avesso.
Sabemos muito bem que este é o sonho que nos alimenta, que lhe produz sucesso, audiência. Xuxa é um sonho de consumo produzido para não ser consumido. Ficamos somente com o cheiro de devaneio moribundo de podermos explorar, com gosto e todo proveito, o que nos oprime. No máximo satisfazemos seus apelos mais irracionais, o da loira subjugada em seu desejo sexual por um negro, senhor das complexas cifras de tudo aquilo que pode resumir-se a simplesmente se fazer sexo puro. Uma loira seduzida e sodomizada por um negro, é a rendição da retilínea e higiênica lógica ocidental ao mais concreto e carnal. É o progressismo cego se rendendo à volúpia cega, ao ócio. É paradoxal. Pode ser a exportação de uma idéia de miscigenação. Ou, tradicionalmente, podemos aí vislumbrar novamente a exploração sexual histórica de uma classe oprimida, os negros. Contudo, por ora, deixe que nos deliciemos em poder comer a Xuxa, reavivar um pouco o sonho de sermos antropofágicos.
E a Xuxa entra poderosa, abrindo a manhã, toda cor-de-rosa. Isso é coisa lá do meu tempo, quando a Xuxa ainda mimava nossas crianças em seus programas matinais. Hoje a coisa mudou um pouco de figura. Contudo, a marca registrada de Xuxa e que lhe conferiu toda a popularidade que tem é, como sabemos, a relação com as crianças, ou com os “baixinhos”, como ela prefere chamar. E é desse lado essencial de Xuxa que estou falando aqui.
Muitas mães de crianças também tinham uma identificação fora do comum com Xuxa. Sinto isso, por vezes, como a sexualidade contida da dona de casa prestes a explodir. O melhor lugar para se construir uma bomba de sexo dentro de casa, passando só de camisola do quarto para a sala, logo de manhã, antes do café; ou de shortinho, esparramada no sofá, assistindo TV. Somente estas imagens já podem nos sugerir o quanto a intimidade doméstica é um estado à parte, um poder paralelo que esconde e protege uma sexualidade pulsante, prestes a sair nua para a rua. E é neste cenário que se encontra a dona de casa, pedindo para ser ao menos invadida.
Donas de casa se excitam em levantar o cartaz: “Xuxa, te amo !”. essa donas de casa são as mães das crianças-bonecas que rebolam-se libidinosamente no programa da Xuxa. Todas amam a rainha. É chique a Xuxa. Era chique o seu café da manhã ao vivo. Com Xuxa vivemos eternamente um clima úmido, de água na boca. Xuxa troca nossas fraldas mas nos mantém molhadinhos. Precisamos estar molhadinhos para nunca devorá-la. Xuxa também é Piu-piu. Dentro de seu vídeo-gaiolinha ela não tem (aparentemente) sexo, nem idade e nem maldade.
Apesar do Piu-piu possuir uma identidade múltipla, indefinível (é um “várias caras”) e ser possivelmente o personagem mais diabólico jamais visto na TV, é sempre tomado como herói da doçura, o mártir dos tempos de pelúcia de um mundo ingênuo e puro. Mas é um pecado comparar Xuxa com o Piu-piu. O personagem Xuxa não foi desenhado para, no final, mostrar suas maldades. Xuxa é um personagem arquitetado para reinar inocente para sempre, como as crianças.
O problema é que o personagem Xuxa se entremeia com a ficção e extrapola o vídeo para canonizar-se como um patrimônio da boa vontade, idoneidade e caridade nacional. À Xuxa é advogado o posto de madame de uma ficção matutina (hoje vespertina-dominical) para buscar uma solução afogada de dramas compadecidos pelos alienígenas encarnados na pele enrugada e áspera do povo faminto e carente. Xuxa quer reinar loira, poderosa, chique, generosa e casta por entre as tristezas de um Brasil favelado ou no conforto de sua mansão solitária.
E as crianças no seu programa. Outro dia está lá o trio-mirim – bem mirim mesmo, três crianças de cinco a seis anos de idade. Eram perfeitos. Uma loirinha, uma moreninha e uma pretinho. Bem pequeninos, maravilhosos na sua inocência, na sua performance inacreditável. Aliás, muito bem treinados, ensaiados. Rebolado, coreografia e frases bem diplomáticos. “Xuxa, adoramos o seu público, estávamos com saudades de vir aqui...”, “Xuxa, a gente ama a Sacha, a gente tava louco para ver vocês...”.
É lindo observar crianças em desempenho excepcional. O problema é a manipulação, cumprir todos os rígidos “scripts” que os adultos lhes imputam. Despertam uma emoção muito similar a de animais em números de circo. A precocidade passa a caminhar junto com o sonho egoísta de um adulto a se desejar metamorfoseado num sonho que é instalado na vida da criança. Projetamos tudo o que podemos nas crianças, dos sonhos às frustrações e erros. E Xuxa, sem o saber, encarnou muito bem essa projeção, pois teve um papel educativo relevante na geração que a idolatrou. A negação de nossas identidades originais e de nossas raízes também se compreende através, por exemplo, do sucesso que a nossa rica e loira Xuxa obteve.

Thursday, December 09, 2004

COMO UM RIO

(Antologia do Concurso de Poesias do Sesc-DF de 2003)

sigo cego

direto

passo lento

rumo incerto

cego sumo

sigo surdo

correndo o mundo

pelado

sem rumo

cego

surdo

ou mundo

olho atento

o passo

nem rápido

nem lento

certo sinto

andando torto

o caminho reto

infinito

vivo ou vivido

não controlo a vida

que me vem

como um rio

INTESTINO BÃO

Puuurururururmmmmzzzzzzzzzuuuziiimmm...pruuuuuummm...tglof-blof glof-blof-blo-fuiiiiimmm-bló-bló-bló-bló-glofplofplofplofplofplofplofplofplofplofplof plofplofplof plof plóó óóóóóóóóóó-ruuuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmmzzzzzzzzzzz...
Descarga... A Deca que engula... Tchau! Desapareça pelos canos, pois os meus têm mania de rejeitar, enjoar-se e brigar logo com o que comi. É muito duro ver os intestinos soltando mole. Merda mole em privada dura no que bate só se suja. Do banheiro saio despedaçado, sem a menor consistência fecal, dolorosamente assumindo o papel de cagão sem problema. Mas ninguém me disse que eu deveria cagar mole, que seria a minha missão aqui na Terra. Será? Nem gosto de imaginar os movimento peristálticos que cercam tal possibilidade. O tiro pode sair pela cu-latra (do dito cu-jo (já sujo) direto para latrina), rasgando molhado-marrom, feroz, gástrico, a melhor cueca que encontrar pela frente, seja ela de listrinhas ou não.
Será mesmo um karma? Êpa, mas "carma" aí, assim já está apelando. Antes de nascer, teria eu sido encarregado de vir como o divino mensageiro das fezes e levar a todos os homens a sublime sabedoria da mensagem das mensagens, a mensagem fecal? Essa argumentação fatalista de realmente forte poder persuasivo, eu até aceito. Mas precisava ser premiado com a frequente fragmentação fecal sem firmeza que já tosse logo de manhã, latindo sua revolta intestinal até para o vizinho? Senhor...! Senhor estômago: por favor, você que é mais equilibrado, converse com esses dois aí de baixo (grosso e delgado), diga que eles precisam trabalhar para o bem-estar geral, pensar também no coletivo. Tratar com mais carinho e educação qualquer elemento novo que chega, seja ele tomate, laranja, chocolate, abacate, couve, feijão, banana, vinho, leite, cerveja, café ou biscoitinhos de maizena, etc, etc, etc; não importando a cor, credo, raça ou orientação sexual. Chega de segregacionismos, sectarismos, goiabismos, nazismos, bananismos ou quaisquer ismos que cismam tanto com as diferenças. Paz e amor! Que role a suruba geral, não podemos mais nos submeter aos autoritarismos do sistema, do sistema digestivo tirânico e esquizóide que aborta, assassina fezes ainda pequenas, em pleno estágio embrionário. Porém Sr.Estômago, seja delicado. Passe aquela energia gracinha pra esses caras, bolas na frente e pênis erguido, porque a gente não tem ejaculação nenhuma a dever pra ninguém, fora uma brochada ou outra, é claro. Esses dois sujeitos, o grosso e o delgado, tinham que firmar o corpo e se conscientizar de que não é possível alguém só fazer merda na vida e, se for, que pelo menos tenha consistência e não se espedace a qualquer hora, em qualquer privadinha, mato ou cueca que encontrar pela frente, por mais fedidinha ou trapeada que essa última esteja.
A aventura neo-fecal (tão em moda) que se discorre, ou melhor, que escorre pelo texto, acaba em pura merda. Desfecho melhor de toda essa problemática dor de barriga, somente junto ao vaso sanitário para que se possa dejecturar na prática, diria-se aliás, apocalíptica da diarréia ao vivo. Contudo, reiterando, o desenvolvimento insustentável e explosivo da mentalidade neo-toroço deve ser contido, não pode se aproveitar da fragilidade e inocência dos intestinos mais fracos e oprimidos. Porém, resta-nos o lema de nossa luta e a esperança de um intestino melhor. Obrigado... Muito obrigado... E que os vasos sanitários dêem o veredito final!

Wednesday, December 08, 2004

GIRA SOL QUE GIRA

(Antologia do Concurso Nacional de Poesias "Regina Lima")
Esta poesia eu fiz para minha mãe. Ela estava cursando o supletivo e precisava de uma poesia para a semana do girassol, em sua escola. Escrevi pensando em algo bem simples e o efeito foi muito melhor do que eu imaginava. É com muito carinho que eu dedico esta poesia a ela.

gira sol
vira ao sol
o sol que pira
mira a pino
a luz em pira
a flor respira
vida sina
soa em lira
vira em vida
ao sol sorrindo

o sol em cima
a sina
a vida ensina
em sol que gira a vida

dia findo
pinga a noite
a-deus morrido
luz partida
a vida é pira
na morte ex-pira.

HORÁRIO NOBRE

- Publicado na Poetas de Gaveta (Revista de Arte da USP, em 1995)

PRIMEIRO CAPÍTULO

- Fábio, eu te amo.
- Elisa, eu te amo. Eu sempre te amei, desde a primeira vez em que te vi, sabia? É, eu acabava de sair do escritório, seu olhar não negava.
- Mas Fábio, eu preciso te falar uma coisa...
- O quê?
- Eu não posso mais ficar com você.
“Pooooooooooooommmmmmmmmmm!!!!”
E desaba um acorde de perplexidade no meio da cena, no meio dos dois, tal como um raio. Fábio desfigura-se aos poucos, desviando o olhar já pesado por todo o corpo, adiantando os movimentos de um bêbado, com a ajuda da guaraná do copo disfarçada de Balantines.
- Mas isso não é possível. Me diz que não é verdade, Elisa. Pelo amor de Deus, me diz que não é verdade, Elisa, me diz...- desvanecendo-se em choro, pedaço por pedaço. E a cada pedaço que desmoronava, Elisa, fria como um sapo, se afastava em direção à porta de saída.
- Não, Elisa, não. Não, não, nããããããão... Elis...
“Chora, Walter, chora, menino, agora... O Walter esqueceu-se do colírio ou do Fábio?”
Preocupava-se alguém na direção. Elisa (Jacira Dolores) fecha a porta com tudo. Escorrem as lágrimas, é Walter Silva, chorão desde pequeno, desenhando o pobre personagem Fábio.
- Corta!

SEGUNDO E ÚLTIMO CAPÍTULO

Cena externa. A limusine, filmada de baixo, em perspectiva, pára solene.
- Obrigado, James - aprecia os arranha-céus. O seu é o maior, todinho de vidro espelhado, todinho dele, o escritório na cobertura com vista para o mar.
- Bom dia, Dr. Fábio.
- Bom dia, Dr. Fábio.
- Bom dia, Dr. Fábio.
- Bom dia, Dr. Fábio.
- Bom dia, Dr. Fábio.
- Senhorita Shirley, a qualquer telefonema ou cliente, hoje eu não estou para ninguém. Não gostaria de ser importunado. Diga que tiver de sair às pressas para uma reunião em Nova York.
Já sem o paletó, afrouxando a gravata em pressa de sufocado.
- E a reunião marcada com o Grupo Avelar Empreendimentos, Dr. Fábio?
- Desmarque.
- Mas Dr. Fábio...
- Senhorita Shirley, isso é uma ordem.
Revólver 45 brilhando o cromado no vidro infinito da mesa. O Scotch (guaraná, só para lembrar) no gargalho e uma carta exasperada se arrastando tremida na embriaguez: “Último Adeus”.
- Corta!

“A SEGUIR, AS CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO”

Último Adeus

Seja agora a partida, as útimas linhas de meu contorno em espiral rumo ao vazio da eterna questão. Havendo o adeus pronto, esperando o momento do fim da curva das palavras e o jogo das imagens. Façam do corpo o que de divino se exigir. Voltar para o mundo sem rosto, o reino das coisas, começo de nós. Ou jamais enterrado, cada mínima parte seja um utensílio. A vertebra um belo quadro algo primitivo alçado em alguma parede, assim seria lembrado pelos que não me quisessem enterrar. Ou seja meu coração em outro o relógio correto do que em mim ainda insiste em sambar ou assustar por aí. Os olhos pedindo outro mundo, sendo a dádiva do que tão longe em mim não pude vi-ver. Ninguém no fundo de seu último osso deseja de todo morrer. Haveria outro lugar onde as coisas sabem viver? Então, mato a questão.

UMA LÁGRIMA NO CANTO DO OLHO

O ônibus pára bruscamente. Em frente ao pronto-socorro, a porta se abre para o escuro da rua. Entra uma mulher e, logo à frente, meio atropelado pela pressa da mãe, pela pressa do mundo, um garotinho de 2 ou 3 anos de idade. O ônibus balança muito e ele se segura firme, como quem fosse lançado em alto-mar, caso se distraísse um pouquinho sequer. O balanço do ônibus sabotava o sossego daquela criança. Mas ele era muito pequeno para remoer sobre perseguições do destino. Seu rostinho se vira em minha direção. Há uma lágrima presa, que escorreu do canto de seu olho. E o pronto-socorro ao fundo. Ele não fala nada: um filhote mudo, de olhos ao mesmo tempo assustados e tristes. E uma lágrima: havia chorado. Tinha a expressão tão perdida, tão “não sei o que estou fazendo aqui”, tão “vamos pra casa”, ou tão “eu não quero”, “isso dói”, com choro de terror, pânico. Aquele seu olhar pós-tortura morava em lugar nenhum. Todo o seu corpinho era uma expressão de derrota para todo o resto do mundo, muito maior do que ele. E uma derrota sem lamento. O terror já havia passado. Agora restava aquele corpinho pequeno e sem forças, todas consumidas na luta mortal que travara contra uma avalanche de invasões ao seu pequeno recanto de paz, guardado novamente na pequena lágrima no canto do olho.

DERRADEIRO

(2º lugar no Concurso de Contos e Poemas da Casa da Cultura de Ribeirão Preto de 1996)

Precisava escrever
mais três pedaços de ressentimentos.
Está faltando comida
naquela parte de fora,
filha do frio.
Existe um homem a mandar no tempo,
pedindo as contas
do que não pode ser atrasado
ou gasto
com uma distração esquecida
de si mesma.
Na hora em que a vida impede o que não é,
dizendo pra todo mundo
do coração certo,
da alma sem fuga para o rumo do sorriso.
De-mo-ro...
Hoje,
mais velho,
espero a tudo,
falando para as crianças
do vôo da bola vagorosa
de algum dia
em que brincar não tinha perigo.
Corriam as lembranças a se mentir na tontura
do tanto que já fora
e do muito menos que ainda serei.
Não falo do tempo dos anos
e sim do tempo dos ollhos.
Zombava alguém lá trás
do meu jeito torto,
da minha gargalhada solitária.
Corria pro mato
procurando o céu mais azul,
uma nuvem voava por sobre a minha tristeza.
Encontrava uma estrela da tarde
piscando,
seduzindo,
na ilusão de algo profundo,
a sugar as lágrimas
espremidas no peito doído,
prometendo-se um sorriso àqueles que sentem fome.
Descobri o quanto pode esse mar de escrever,
desenhar um sonho
na estrela da cabeça,
sem a ameaça de carrascos à beira do ouvido,
sujando as cores
do que pensamos
a cada esquina de sol nascendo.

Sunday, December 05, 2004

GARIMPO

(Antologia do Concurso Nacional de Poesias "Regina Lima")

O pensamento corre na lama
do ponto de alguma ventania
de palavras a se conquistar no instante
de momentos secos de...
poesia
e s p a l h a d o s pelos arredores da morta rotina
a tragar toda a flor que me brotava no longe do quando tinha a lembrança
de nossa existência medíocre,
perdida no todo dia pago na eterna parcela de um carnê
a nos prometer alguma visão de felicidade,
trancada no possível de somente aquela minoria sempre a mesma da história abandonada na esquina de nossos deveres esperando ser cumpridos.

Atropela-se o tempo de vadiagens que nos erram na perfeição
do cenário construído para abrigar nossa condição miserável de consciência.
Escrevo a curva que o corpo executa
na busca do garimpo mais
fundo de nós mesmos
no tanto de tentar esconder o poço escuro em nossa sombra
a nos pedir o erro e o absurdo.
Falo,
e a cada palavra também engano o martelo que tenho no peito
a me dizer todo dia de um mesmo sol que nasce em cada pensamento já estéril, rumando na direção do que aplaudimos enquanto inquestionável.
Grosseira a alegria de um livro escrito por sobre toda a sorte de perguntas infantis
a atropelar o mais calado sujeito que tem como vício o simples ato de obedecer. Venho, finjo-me o dicionário de meu ócio,
enterro o que não me justifica,
puxando quem lê para o horizonte descampado da minha loucura
a embelezar o mapa já velho das minhas verdades.

UM FORA SEM UM PORRE

Eu estava lá, fazendo a melhor jogada, querendo o gol. Dizendo pra mim mesmo que o estádio do povo faminto de meu desejo estava cheio e que o meu olhar era um pedido para que ela corresse sorrindo em minha direção para termos aquele abraço do filme de uma historia real. Que nada, fui caçado no descampado de meu medo, de saber do meu tamanho irrisório frente ao infinito do que ela queria. Não, eu não queria arriscar a pincelada de meu riso incompreendido e solitário, de todo o meu mundo engasgado e paralítico, para uma direção onde o telefone só dava ocupado, onde alguém iria pensar que sou uma besta humana. Depois de todo fora, a mulher deve pensar que aquele sujeito não sabia onde estava, não tinha respeito, nem noção de como abordar uma mulher, ou mesmo qualquer outra pessoa; um pretensioso infeliz e desinteressante, insignificante, que apela, que tem a idéia mais pobre do mundo, abordar uma pessoa completamente desconhecida acreditando que dali brotará a troca profunda de intimidades.
Depois de dias de caminhada por sobre os minutos que arrancava de meu coração para planejar a viagem de alguns passos e palavras que me levariam até ela, consegui chegar ao pé de seu ouvido. Desprendi um jato de vapores de álcool e insanidade bem na sua orelha. Ela esquentou, e fugiu. Teve de negar a minha existência naquele instante. Melhor que ali eu não tivesse mesmo existido. Um instante de minha vida que devia ter sido escrito a lápis. Assim podemos todos apagar, inclusive ela. Seu esquecimento seria o meu perdão. Alias, o esquecimento é a única forma sincera e legitima de perdão. E não me venham com estorinhas de que se perdoa sem se ter esquecido. Quem perdoou mas não esqueceu, não perdoou. Tem o perdão somente como o titulo de sua fraqueza. A amnésia é o melhor amigo do perdão.
Bêbado nojento, ela deve ter pensado. Melhor que nem pensasse, melhor que não houvesse conceito para o meu equivoco. Melhor se depois daquilo fóssemos todos animais e não houvesse como o mundo inteiro saber que fui a maior anta do universo por aqueles parcos segundos. Contudo, o problema, de fato, é que eu estava pouco bêbado. Ou melhor, eu disse que estava bêbado somente para dar mais uma desculpa para o meu fracasso. Nessas horas é sempre melhor estar bêbado do que não estar. A bebida é a melhor desculpa. Eu não estava ali, era outro, era meu corpo e sua fome, como uma maquina de desejo. Meu olho brilhava porque não era eu, era uma força noturna alem do juízo. Era o espírito de fome e caça de toda a historia da vida na Terra. Eram todos os animais querendo saciar-se dentro do meu olho. Eu tinha toda uma alcatéia de lobos que queria saltar de meu peito. Bem no meio do bar, apos um trovão, eu rasgaria a blusa e mostraria o sinal do super-herói no peito. Aquela mulher ia ficar de joelhos, babando admirada. Mas que não babasse muito: eu não queria perder o tesão. Seria agora minha tiete, minha admiradora número um. Teria uma camiseta com meu retrato e bandeirinha na mão, gritando histericamente meu nome. É por isso que eu sonhava em fazer o gol.

Friday, December 03, 2004

GARGALO COMPADRE

Prosas molhadas, chorosas, feitas a soluços de esquina na vida bêbada de bares. Rola uma conversa de fim de mundo. Garganta abaixo, o fogo da pinga apaga o último choro seco do peito.
- Só sei que nada sei. Diga aí, Mané? Não é isso? Quem é que sabe das coisas? Todo mundo acha que sabe. Ninguém sabe nada. As pessoas vivem se escondendo atrás de palavras. Eu não acredito mais nas pessoas... - tenta dizer João, esgoelando palavras derramadas de mágoa.
- Ê, Jão. Você e suas filosofadas alcóolicas. Pensa até em merda de formiga - replica Manoel, meio debochante.
- É, Mané. E você nem sabe por que estava com aquele chulé horrível ontem à noite. Tome mais umas, amigo. Depois saberá o por quê do seu bafo, caso estiver em condições para tal - desferindo o troco sem piedade. - "Só sei que nada sei". Essa frase é de Sócrates, que malandro... Só sei que em nada creio? Em mim sim, por que não? Às vezes, quem sabe?
- Jão, você não sabe nada, cara. Engula logo esse copo, a cerveja está chocando - rouba o copo de João e festeja de virada.
- Até você me reprimindo, compadre?
- Brincadeira, Jão. Pode falar, amigo. Cada curvinha que o álcool faz no meu cérebro, pode crer que ele te acompanha. Na virada das nossas incertezas mais embriagadas de solidão, suplicamos um gargalo compadre, aquele que durma a nossa criança com fome. Porém, companheiro, antes que tal calamidade ocorra, pode esquentar a minha orelha.
Fritam-se alguns vazios instantes. João converte sedento o copo cheio, beduíno que ressuscita nos primeiros goles de vida.
- Eu queria morar no Everest - altivo, com o olhar no horizonte, trombando com as pingas da prateleira à frente de seus olhos.
- Everest? Você já está alto, hein, malandro? - fitando as mesmas pingas.
- É Mané, ninguém nunca vai compreender o que a gente sente - amacetando cabisbaixo o cigarro triste do chão.
- Por quê?
- Porque a gente tá bêbado, cara. O direito à loucura ainda não foi aceito pela ONU. Fujamos enquanto é tempo. O Everest é longe, mas não faz mal, a gente pode até pensar que ele morre sozinho.
- Você está começando a apelar, Jão. Caia na farra, fedentino. Fique tranquilo, o dia em que começar a chover prá cima, estaremos todos lá... - sugere Manoel, paquerando as pingas do horizonte.
- Lá aonde?
- No céu, é claro. Saboreando as lindezas de um paraíso espontâneo. Sem etanol, fimose ou qualquer espécie de...
- De...
- Entidade viciante!
- Caro telespectador, leitor, herói que nos ouve... - interpela João, em plantão noticiário, indicando estado de sítio, situação de risco à sanidade mental e à ordem das coisas. Porém sua voz morre no final da frase e João amolece desmaiado das pernas. Recosta no balcão, meio que apaga. Manoel escora aflito.
- Jão, acorde! O que foi, compadre? Não sabe beber?
- Não... No exato momento em que eu falava, me veio a receita de um bolinho que eu não gosto. E aí apagou-se tudo.
- Isso é fígado judiado. Uma náusea, tontura e um daqueles "tuiiiiiimmms..." na cabeça - teoriza o velho Mané, tentando utilizar da fisiologia com o amigo.
João recompõe-se, como que tendo uma visão. Parecia estar vendo Deus em carne e osso. Fermentava-lhe algum "insight".
- Foi censura. Essa receita de bolo provavelmente foi enviada por algum militar interessado em matar-me!
- Nos subterrâneos de minha ignorância, pelo que eu saiba, no período da repressão utilizavam receitas de bolo para encobrir alguma salgada empadinha jornalística, indigesta ao paladar reacionário. Porém, explique-me : como você seria morto?
- Não me pergunte isso...
- Por quê?
- Porque eu não sei responder, bicho...
Grave silêncio. Pensamentos esvoaçavam duas cabeças, ventando forte nos varais da alma. Uma chuva que não vinha. Tempo escuro, fora de órbita. Goles perdidos, olhares rasgados de vazio em lágrima presa.
- Não sei mais nada, Mané. Na verdade não existem receitas nas páginas de nossos velhos jornais já carcomidos pelo tempo. O fundo nos revela uma verdade fundamental, porém reprimida.
- Acho que tem um judeu que já disse isso...
- É. Tal judiado que ele era.
- Não fale assim, Jão. Você não conheceu pessoalmente o rapaz...
Sono em pé. Escorrem alguns segundos. João desperta uma pergunta atônita:
- Mas afinal, de quem estamos falando?
- Não sei porque... Vibrou em meus parafusos a suspeita de que algum judeu já possa ter dito isso. Mas não me lembro, não tenho a menor idéia de quem seja. Buscarei saber. Na bebedeira que vem, dou-lhe uma resposta.

Aos poucos instalava-se um silêncio berçário. O discurso indireto invadia duas crianças, chuviscando lembranças abandonadas ao vento árido de perdas passadas e prenhes.
Bêbados não pensam. Bêbados perdem, a começar pela razão e o rumo de casa. "Lar dor cela lar" *, disse o poeta, fugindo para o Everest com uma garrafa de vodka debaixo do braço. "Receitando" talvez um garrancho de despedida:
"Um corpo de angústia. Meia vida sem céu estrelado. Pedaços de boas lembranças, amargas de saudade. Não se mexe nas raspas secas do fundo. Tudo o que me resta é uma sobra fria. Corri meu choro orvalhado de fuga numa manhã escura, rodeada de luto e liberdade..."
Pelas ruas agora repousava mais um fim de madrugada, uma cantoria rouca, mal acabada, tocada aos tropeços, de quarteirão em quarteirão. A cada passo trocado, cambaleavam amores distantes, mutilados pelo tempo. Choros, há muito calados, imploravam o grito que fora abafado. O bêbado, tal qual o mendigo atrás do pedaço de pão, rumina suas misérias, um hálito pesado.
João errante, errava de casa. Envesgado o caminho, batia de porta em porta, pedia sobras de vida. Passeava suas dores, viajava nos desertos do espírito. Sabia beber, sabia continuar. Embora continuasse perdido, esperava sempre que o seu sol nascesse, nem que fosse para correr insanamente até o horizonte, e pescá-lo atrás das montanhas. E tantas eram elas. Tantos eram os vales profundos do conflito humano, onde se cozinha a paciência e se inventa a criação. Adeus, João. Força, amigo. Por detrás de uma montanha, sempre encontramos outra. Porém, no alto de cada uma delas, um novo horizonte se propõe ao infinito do sonho de se estar vivo.

* Em referência ao verso "Lar dor cela", do conterrâneo amigo Valnei Andrade.

Thursday, December 02, 2004

CRÍTICO CLITÓRIS

No centro do nada
perto do abismo
feito um bico e uma bica
onde tudo e mais um pouco de mistério espera
paira caminha roda mundo e fica
dentro dos vestidos
dos cheiros
e gemidos das mulheres
em vazante volúpia
nas calcinhas nas alcovas nas cartas nos contos de fadas
um pouco mais embaixo

na boca onde sonho e encaixo o queixo
a língua no buraco
no racho em riacho onde caço
fumegante pântano de carne
saliva salgado o mar de Sílvia
sua tia seu delírio secreto e malvado sua prima
nua inteira de fogo na vitrina
corra vire olhe no espelho um ponto vermelho
que cospe fogo atiçado e duro nervo
Nervo de fogo que secreta um grito um beijo
uma surra de prazer
por detrás do olho
dos lábios de molho
de línguas para lamber o mundo em portas de peles
arrombadas atacadas
por um escuro
que vive e habita o fundo
sem escudo sem mapa sem muro e sem rumo

clitóris
eis o nome do bicho
de biologia que indica qualifica e não domestica
de um brilho que pulsa vermelho
do seu grito de fome e vida crítica
do seu jeito de terra
suga engole come
empresta gozo e vida
tira toma de volta e enterra
único diminuto resistente resoluto
escondido extremo sacrificado membro
temido encarcerado explosivo crítico
disfarçado cínico evasivo dissimulado clínico
estudado analisado mentiroso
mapeado e místico
a voz do gozo
teso preso perdido
membro mutilado
sedento e ferido
verme voraz
sem face e sem dorso

bem pouco que é tudo
faz do prazer um fantasma
um vulto
ronda assombra
penetra secreta
e arromba
respira gozo e tumulto

clitóris
me some o seu nome
sua casa seu endereço
quando me engole e me come
sem fim nem começo
clitóris
te peço te empresto
prazer
e te cresço
te quero
te esmero
te conquisto
e te esqueço

Wednesday, December 01, 2004

Para um amigo

Voce sabe da chave dita nas cartas em sol nascente do horizonte poetico.
Encontrou aquela viela perdida nos meandros insanos das redes umbilicais.
Pode assim respirar a aura intima dos momentos fugazes de conversar
visceralmente com as pessoas.

Tuesday, November 23, 2004

CARTAS IMPAGÁVEIS DE CAKO 1

Bauru, 08de maio de 1998

E ai cao selvagem! como vai tudo? Cheio de dividas para pagar? Essa
palavra nunca existiu em nosso vocabulario ne? E dinheiro entao, oque e
isso meu Deus do ceu? oque isssssso???? Edu, me responde Edu( o Edu ta
aqui do meu lado de novo, e ta peladao o filho duma puta) oque e o
maldito do dinheiro? Ecoisa de Deus? Deus e podre de rico Du? Assim que
chegar em casa a primeira coisa a fazer é abrir o Aurelio na letra "D",
ah! ODuzao disse pra deixar pra la , depois ele pergunta pessoalmente
pro Aurelio e depois me conta. Pois e Preto Cagao , sempre vivemos bem
com tao pouco, que nem entendemos direito oque e isso, de uma coisa eu
sei, que e feito de papel e que depois de pegá, tem de lavar as maos.
Fisiologicamente falando, aparte que mais me empolga no dinheiro, e
aquela tripinha preta, que o atravessa na transversal, aquilo sim, posso
dizer com toda certeza e sem sombra de duvidas que e a alma do dinheiro.
Um dos maiores prazeres que o dinheiro me traz desde que fiz esta
descoberta,e o poder que tenho de desalma-lo,puxar com amao em pinça ,
com toda delicadeza, olhar fixo de compenetracao, se babar eu nao ligo,
e finalmente la esta ela, tripinha nas minhas maos, dinheiro desalmado,
nao vai mais pro ceu, Dona Felicia, mae do pobre e gordo Sidney ja
dizia: "IIIHH!! Dinheiro sem esse fiozinho aí pode joga fora que ja nao
vale mais! Sabia mulher do sorriso estragado mas verdadeiro; pobre Dr.
Sidney,sua mae lhe dedicou sempre tanto carinho e
preocupacao(preocupava-se ate com sua higiene pessoal, vale ressaltar) e
hoje o balcao de doces felicianos ja nao o fascina como antes, so o crak
faz os olhinhos do minino brilhar. Bom, perguntinha pra voce, qual o
animal que aparece na nota de cinco reais?

CARTAS IMPAGÁVEIS DE CAKO 2

E ai Luz Vermelha como vai a vida bandida!
o eu aqui catando milho nesse tecclado, recebi o seu email e ele ja tava
ate meio embolorado. " Eu amo Jukie!" , deve ta se perguntando que porra
e essa e eu lhe digo que como bom PEPISIcologo nao e absolutamente nada.
Esse negocio de nao se preocupar com acentuacao e muito bom mas deixa a
gente muito relaxado. E o intestino e banda show , como que anda, durao,
ou pedindo uma banana maca e claro, em cada esquina do dia, se voce
comecar a cagar duro definitivamente um dia voce nao sera mais o mesmo,
se tornara outra pessoa, acho que ate a sua pele mudara de tonalidade, o
timbre da voz ficara mais grave, deixara de andar curvado e a mae nunca
mais falaria: "Estica esse corpo menino!", esqueceria ate das cores e
dos desenhos dos azuleijos do banheiro,ah! teria ate que mudar o
sobrenome, de acordo com a numerologia para Faciulu e ai viria o bordao
as avessas: "Adriano Machado Faciulu, peida mole e caga demasiado duro",
de acordo com a numerologia ,pessoas com esse sobrenome cagam com
facilidade e demasiadamente mole, bom, eu nao acredito em numerologia,
sou um sagitariano com ascendencia em virgem na casa 4, minha cor
predileta e o azul turquesa, pedra e o topazio, signo extremamente
ligado ao elemento terra e uma de minhas maiores caracteristicas e nao
acreditar em nada, DEUS e testemunha disso,nem na morte, e a prova disso
e que o Dr. Ponte Preta esta sentado aqui do meu Lado, com um buticao na
mao esquerda, rindo de tudo e de todos a me ditar insanidades pro meu
irmao numero 2, calango que foi tentar a vida no cu, no centro do pais.
Carinha como ce ta longe hein! mais nesse momento nem tanto,e o Du hein
cara? sera que da pra mandar um email desse pra ele la onde ele ta? Onde
que ele ta? Ah!Ta aqui do meu lado rindo gostoso: "E cakao ce e foda!"-
boto a mao no meu ombro e deu um apertao , so que dessa vez bem mais
forte e vigoroso do que das outras vezes, e eu nem fiquei com raiva
agora, senti e firmesa, os seus olhos me dizem que ele ta muito bem,eu
acho que nunca tinha visto ele tao bem assim. E Drizao o irmao 3 vai
ficando poraqui, mantenha contato irmao 2, o Cakao ti ama igualzinho o
Pai, a Mae e o numero 1.

Tuesday, November 09, 2004

ABOUT CHAVEQUISM (INTRODUÇÃO)

A Chavecal Sciencie ou Chavecologia (tradução do original em português) emerge nesse final de século, caracterizando a era da ciências cosmopolitas. Mas, seu histórico e suas bases filosóficas já vem à longa data contribuindo para a sua formação.
Existe uma série de estudos antropo-paleontológicos que buscam precisar mais pontualmente onde estaria o elo que desvenda a cadeia filogenética do chaveco - objeto primário de estudo da Chavecal Science. Através de estudos da Universidade do Lesoto, pesquisadores bosquímanos estão chegando à conclusão de que o chaveco (chave (latim) = chave, co (grego) = conquista, significando, então, chave para a conquista) é algo muito frequente também entre animais. Sendo muito caracterizado por comportamentos de aproximação (cheirar ânus) e exibição (brigar, defecar em frente à fêmea, comer esterco, etc ). Através de todos esses estudos, vamos evolutivamente chegando ao ser humano.
O troglodita, no seu ato de agredir a fêmea com porretadas na cabeça ou de manipular o pênis em frente ao fogo na hora do jantar, se utilizava desses comportamentos como eficientes chavecos. Mas, o ser humano foi evoluindo e hoje esse fenômeno já é estudado com grande profundidade em todas as suas dimensões.
Platão já o estudava, caracterizando-o como algo inato. Sócrates, antes de ir para a seleção, dedicou grande parte de sua obra a esse tema, mas como na época ainda não existia imprensa, a publicação não ocorreu, havendo somente relatos de que, mesmos assim, saiu em manuscrito pela gazeta de Atenas, mais especificamente no Caderno de Esportes. Esses e outros pensadores antigos marcam o início do movimento chavequista.
O Chavequismo (movimento filosófico) vai estender-se e dar origem à Chavecologia ou Chavecal Science, como é conhecida no ramo científico internacional. Podemos considerá-la como uma ciência que tem se popularizado bastante, caracterizando a Era Cosmopolita, acima de tudo, como uma era chavecologizante.

OS TIPOS CHAVECOLÓGICOS

* Os Chavequeiros - são os tipinhos que se utilizam dos chavecos mais primitivos, diretos e grosseiros. Geralmente possuem as mãos calejadas, falam alto, são devotos de São Punheto e, quando crianças curtiam "troca-troca" ou campeonato de "esporradinha" (ejaculação à distância). Há milênios atrás fariam mais sucesso, concorrendo com os trogloditas.
* Os Chavequistas - esses são os pensadores que começaram a refletir à respeito do chaveco. Na sua maior parte são apenas teóricos, mas têm-se exceções como o próprio Sócrates, que apesar de ser médico e técnico em prótese dentária, nunca deixou de tomar suas pinguinhas e cair na farra, aplicando todos os seus constructos teóricos. O Biro-Biro, com aquela cabelereira loura (aliás, ele anda meio ofendido com aquela música, Loura- Burrra) também atraía muitas mulheres para a área, não deixando assim de fazer os seus golzinhos, apesar de ser volante. Como já foi mencionado, na sua parte são apenas teóricos. Geralmente são pessoas tímidas, que já refletiram muito à respeito do chaveco, até mesmo em cartas de amor que elaboravam para seus amigos conquistarem a mulher do outro.
* Os Chavecologistas - são os mais interessados nos estudos anatômicos e histológicos. Esses, sem dúvida, brincaram muito de médico quando criança. Os que tiveram um desenvolvimento menos estruturado, brincam até hoje, se auto-denominando de médicos ginecologistas. Os que tiveram um desenvolvimento de personalidade mais estruturado tornaram-se grandes pesquisadores, podendo dar início à regulamentação da profissão de Chavecologista, não só no Brasil, mas à nível internacional. Esses pesquisadores utilizam-se de muitos paradigmas, até mesmo da Física. Mas enquanto os físicos ainda buscam encontrar o Buraco Negro, os Chavecologistas já encontraram-no, e estão na busca de algo ainda mais profundo: o Ponto G. Então, vê-se que o físico, assim como o ginecologista, também pode ser um chavecologista recalcado, e que a questão chavecológica desafia as leis da Física, caracterizando-se, portanto, como uma questão META-física.
* Os chavecólogos - esses fizeram a graduação em Chavecologia, a qual oferece diversas áreas de especialização e residência. Essa é a área mais abrangente que concentra o maior número de profissionais e atividades. O Chavecólogo se caracteriza como aquela pessoa que sempre se interessou pelo fenômeno, tanto no seu aspecto teórico como na prática aplicada ou clínica (terapêutica). Esses, desde pequenos, já faziam perguntas indecorosas. Sempre se caracterizaram pela curiosidade e senso de observação, tanto que o bom Chavecólogo tem os olhos grandes e esbugalhados.
Esses são os tipos mais comuns, e somente foram introduzidos. Nos próximos capítulos, todos os assuntos aqui abordados e outros serão aprofundados.

FRANK JAWA, Sri-Lanka, 1991; copyright 1991.

MINUTOS DE ALFORRIA

Jarbas Pastorzinho

O primeiro mandamento erótico de nosso livro sagrado pode vir de um provérbio milenar, nascido de parto normal em terras muitas distantes, sem qualquer comunicação com a civilização. Dizem que fora criado por um velho sábio que era cego e pilotava caças supersônicos para a marinha norte-americana nas suas horas de folga. Um dia olhou para o horizonte e disse: "longe é um lugar que não existe...", acelerando o motor de seu F-15. Até os macacos escondidos nas palmeiras à beira da praia captaram os sentimentos expressos nas palavras daquele ancião, que aliás estava muito enxuto para a idade dele.
Edward Black Bridge nos dá seu comovente depoimento, e como a partir desse provérbio encontrou forças para iniciar a sua batalha (sem o uso de armas químicas) contra a calvíce e a aversão à quadrúpedes que carrega no lombo desde pequeno:

E. B. Bridge
"Longe é um lugar que não existe."
Não encontrei no atlas geográfico escolar. A professora me chamou de burro. Joguei o atlas no lixo. O mundo muda muito rápido, precisava de um atlas mais atualizado. A culpa não era minha, eu não era burro, eu era "Homo sapiens", tenho certeza. E todos, no fundo, sabiam disso.
"Não deixe para amanhã, o que se pode fazer hoje."
Segui inteligentemente esse conselho. No mesmo dia, quase fechando o expediente, fui à livraria e comprei um atlas mais novo, na caixa. Após 5 horas de intensa pesquisa, não consegui encontrar novamente. Corri para o banheiro com a foto de um jegue na mão, aquela da revista Olho Rural. Olho no espelho, olho na foto e a conclusão genial: preciso mudar de faculdade, essa professora é louca.
"Procure sempre ver o lado bom das coisas."
Não achei esse país chamado longe; às vezes até penso que era uma cidade ou estado, quem sabe? Aqueles pegas de professora perversa, não é? O lado bom disso tudo é que eu decorei o nome de todos os países em ordem alfabética e suas respectivas capitais. A lista telefônica é o meu próximo desafio. Eeeba...!
"Seja sempre você mesmo."
Diziam que eu era burro. E eu era sempre eu mesmo, os espelhos podem provar.
"Não viva em função da expectativa dos outros."
Queriam ver-me como um burro, ou que me comportasse como tal. Eu não andei de quatro nem uma só vez, nem precisei fingir que estava pastando no gramado em frente à faculdade. O duro mesmo era aguentar a inveja de algumas pessoas. Sinto que com esse método a minha capacidade estava aumentando. Algumas pessoas ficavam realmente muito incomodadas com isso.
"Na casa do ferreiro o espeto é de pau."
Não concordo. Apesar da calvíce, eu sou uma pessoa crítica, que questiona. Meu pai tinha um espeto para churrasco vegetariano de madeira, e no entanto ele não era ferreiro.

Monday, November 08, 2004

BRASIL-IA

Brasilia e essa ilha (bras-ilha) com o nome de um
quase-continente que navega no futuro do preterito (brasil-ia).
E o brasil do futuro de um passado. E futuro de um passado e somente uma
promessa, algo que nunca se realiza, que quase ocorreu. A morte dos
planos, a morte do futuro, o futuro como mentira, o futuro passado, na
lembranca do sonho, do sonho enterrado. O melhor tempo verbal para
expressar o que se projeta mas nao acontece.
O que o simples nome de uma cidade pode fazer a gente pensar...

GARGALO COMPADRE II

-Queria lhe contar das minhas vitórias.
-Quais?
-Nenhuma.
-Desde o último conto que a gente não se encontra.
-Conto? O que você quer dizer com conto?
-Não sei. Essa palavra (conto) surgiu intrusa no meio da minha frase, não sei de onde. Às vezes sinto que somos somente personagens de histórias cercadas de mistério e ignorância. Escuridão e noites embriagadas pra onde quer que se dirija o olhar. Tudo se distorcendo numa eterna questão faminta por resposta.
-Intrusos?
-É. Mas isso só ocorre depois de uma certa hora da noite. É bom. Começamos a dormir acordado e dizer do vôo das corujas, o olhar dos felinos nos absorvendo. Os sonhos não suportam esperar, vão entrando nas conversas, se semeando na mesmice. E a gente pensando que é a pinga.
-Que pinga?
-Não sei. A noite embriaga, não é ?
-Isso é um sono que você pode muito bem fazer-se acreditar que cavalga uma sabedoria inerente a qualquer ser que se recuse a acreditar no começo ou fim do dia. Essa pessoa se alojaria num intervalo do tempo onde jazem suas convicções.
-É, nasce uma... uma... uma...
E João começa a soluçar indefinidamente.
-Nasce uma forma de expressão visceral. É isso - completa Mané. Somente traduzida meio que telepaticamente pela outra pessoa que ouve, sintonizada. Palavras diferentes, de dois seres diferentes se magnetizando, soltando faíscas sobre qualquer razão mais estreita, alienada das possibilidades escondidas nos escuros da noite.
Mané termina o pensamento e João não está mais ali. Coisa de segundos, o homem pulverizou-se.Ventou. Teria ele sumido naquele vento frio da madrugada? Não, voltava andando, bem em frente de Mané.
-Tú sumiste de repente, João. Assustei.
-Não se assuste, pois era somente mijaneira.
-Isso não chega a ser visceral.
-Nem sideral.

Sunday, November 07, 2004

Brasília é alucinógena

Andar por Brasília é perder-se no deserto e alucinar. Há uma distância dentro de cada um, a distância de si mesmo ou a proximidade frágil do amor-próprio impróprio para a vida selvagem que pulsa nas profundezas do planalto central. Mas que deserto é este, de vidro, pedra e luz? Metereologicamente, o clima é tropical seco e longe de desértico. O que faz desta terra um deserto está no simbolismo que a cidade esconde. Ruas e paisagens desertas são lugar comum. 
A própria vegetação do cerrado não oferece muito refúgio ou abrigo. Tudo parece estar sempre aberto, o relevo de horizontes infinitos e os ventos que passam arrastando o que encontram. Ao andar o que observamos são vazios. E sentimos o vazio dentro de nós mesmos, como se tudo sempre se evaporasse. Toda a atmosfera, física ou psíquica, parece sempre responder aos ciclos vorazes da evaporação, onde tudo se esvai, inclusive o tempo. 
Como o tempo passa rápido em Brasília! Parece caminhar junto com os ventos. Algumas pessoas não sentem esses ventos. Claro, eles somente passam por aqui, não ficam para contar estória nenhuma. E o tempo aqui não voa, ele esvoaça, se esfarela. Como se pudesse carregar toda a lembrança que persiste quieta por debaixo da poeira e da luz. Milhões de insetos neste momento estão silenciosamente preparando-se para tomar conta da cidade, pois a vida pulsa nos subterrâneos de Brasília. Tudo se movimento escondido tecendo a vida encoberta de pedra, terra, vidro e luz.
Aqui é uma terra de miragens onde o que existe some, se esvai, e o que não existe aparece, brota e surpreende. Terras de ondas e energias despertadas pelos incansáveis reflexos deste mundo de luz, que vai do céu para a terra e da terra para o céu. Aqui se trava uma guerra de luzes, de quente e frio. A amplitude térmica durante o dia é grande, como se aqui tivéssemos um simulacro de deserto, como se tudo por aqui brincasse de ser deserto, sem a fatalidade e irrevogabilidade deste último.
Andar e poder observar tudo, mas sem nada poder tocar. Tudo ao alcance dos olhos e nada das mãos. Natural que se sonhe acordado. Estar em Brasília é continuar vendo-a pela televisão, tudo aos olhos e nada às mãos. E a paisagem, sua arquitetura, não se cansa de repetir. Tudo com cara de mesmo, sendo diferente somente para quem vive aqui. Este cenário virtual lembra as rotinas de video-game, bonecos e paisagens que se repetem. Brasília parece ter sido feita com tal programação para compensar a voracidade da natureza pungente de seu cerrado, esta savana brasileira. Como se chegássemos no meio da savana com todas as suas feras e tivéssemos que erguer monumentos para nos proteger, essa arquitetura fria de pedra e vidro cheia de vazios por dentro. 
E para alguns, esses vazios cheiram a morte. Mas estar em Brasília é isto, ruminar vazios e ausências. De modo geral as pessoas reagem ao vazio fechando-se em suas tribos. As pessoas se aglomeram e se isolam para não evaporarem, para que sua sanidade não se volatilize neste oceano de coisa alguma e na solidão dos monumentos.
Andar por Brasília é rumar em direção ao distante. Horizonte-redondo-perdido-redor é o que podemos aqui sentir. O horizonte é redondo, todos os lados estão presentes e equidistantes: estamos sempre no centro, há uma reprodução do espaço essencial, o espaço cósmico, o qual é sempre circular. Brasília é cósmica, sob vários aspectos. Os mais evidentes são compostos pela tríade fundamental luz-espaço-tempo. Luz que carrega o tempo, o qual povoa o espaço e habita os homens. Luz e mais luz, que faz ver mais ainda. E quanto mais se vê menos se tem. Tudo ver e nada ter, nada poder. Aqui tudo é pura visão. Somos todos visionários, pois somos todos cheios de luz. Natural imaginar que por aqui proliferam “profetas” e “visionários”. 
A alucinação ocorre sempre que não podemos estabelecer o concreto e ficamos à mercê de movimentos que não são nossos ou de uma imobilidade incontornável. Andar, andar e ver que nada se move, nada muda, eis uma receita para a-luz-cinar, devolver a luz e a imobilidade que nos penetra. Aqui secretamos luz, podemos reverberar no vazio cósmico ou aceitar o silêncio dos espaços siderais que fazem revoluções por dentro de nossos corpos.

DEVOLUÇÃO

Certa vez um amigo disse-me que eu havia evoluido bastante, em pouco tempo (apenas quatro meses). Não concordava, dizia que era muito pouco tempo para tanta evolução. Sentia-me ofendido, pois ele estava dizendo que antes eu era um completo imbecil. Precisei de uma revolução para me tornar um ser aceitável. Não, na verdade puro lisonjeio, massagem no ego. Que capacidade a minha, evoluir tanto em tão pouco tempo. Não é para qualquer um. Senhor Evolução...
Enfim, não concordo. Alguém pode até sentir duas coisas ao mesmo tempo, mas em um mesmo parágrafo jamais!
Então resolvi mandar um carta ao Sr. Involução:

"Caro amigo,
Não importa se evolui ou não. O importante, de fato, é que você me viu diferente."

É importante ressaltar que essa mensagem não possui conteúdo sexual. E nem é por isso que não foi assinada. Pois sem assinatura, é de ninguém. Sendo de ninguém, ele falou com o nada, escuro completo, homem penumbra. Aliás, belo nome para um super-herói. Aquele que vive nas moitas, sombra, o lado negro da lua, místico, fantasioso, sensual. O buraco negro que atrai tudo, a vulva perfeita. Maravilhoso, não? O homem penumbra... Só não quero imaginar os seus odores. Cruz-credo!
Bom. Voltando. Como dizia, certa vez o homem penumbra disse-me que eu havia involuido bastante. Que eu estava diferente. Diferente dele. A minha luz agora ofuscava-lhe a vista. Quem me dera ser tão iluminado... Mas não concordava, dizendo-lhe que eu não havia involuido. Sempre fora sombra, sujeito indefinido.
Resolvi mandar-lhe uma carta, pois os buracos negros sempre me fascinaram, desde os seis anos de idade, quando tomei banho com a minha tia mais boa. É essa mesmo, uma puta beata. Aquela Católica Genorosa na Cama.

"Querido amigo penumbra,
Não fique triste, o sol um dia se apagará e você poderá morrer em paz pro resto da vida. Só não conte com o ovo da galinha.
Se eu evolui ou involui, não tem importância. Se evolui, me transformei de buraco preto, quente e fedido em uma lâmpada fosforescente, fálica e fria. E involuindo, as coisas certamente não deixaram de ser tão pretas. Então, o que realmente não importa é o fato de você ter me visto diferente."
É importante ressaltar que essa carta não possui conteúdo racista. O homem penumbra, apesar da cor, não é preto...

Saturday, November 06, 2004

As miragens de Brasília

Acordo, na estrada. Pela janela vejo campos imensos, distâncias que ainda não sei como ver. Como pode a vista ir tão longe? E o céu, invadido pelo fogo da aurora, imenso pai iluminado arrastando nuvens, nos abraça a todos. “Estamos perto de Brasília”, diz o motorista. Espero, com o olhar perdido na multidão infinita de arvorezinhas retorcidas e o jeito de savana do cerrado. Estas árvores, esta terra, quanta terra... Brasília está no meio da terra? Do planeta? Ou do Brasil? Não sei, a geografia que aprendi na escola não foi capaz de transportar meus olhos para cá.
Por que construiram a capital desse imenso país no meio do mato, do sertão, no meio do nada? Para afastar o poder político dos grandes centros? Para povoar o Brasil, garantir a guarda de nossas fronteiras? Levar desenvolvimento para o interior? Levar desenvolvimento para o “interior” é se isolar no meio do mato, como queriam os românticos? Isso, fujo de tudo e monto minha vida no sertão. Vou meditar por quarenta dias no vazio do deserto para desenvolver o meu “interior”. E o interior do cerrado é cheio de vazios. Adentrar o cerrado é continuar de fora. E o que o cerrado tem dentro nem o fogo alcança. São aquelas plantas que plantam sementes que sobrevivem ao fogo. Tudo se esvai e se desfaz com o fogo e com a seca e estabelece uma espera latente até um novo despertar de vida pelas chuvas. Existem contudo as flores da seca, desafiadoras, esplendidamente audazes, mártires da beleza, iscas que heroicamente pescam vida no seco da natureza do cerrado. Elas brotam repentinamente no vazio da seca para lançar seu explosivo espetáculo de vida. O carnaval da seca dos seres do cerrado são essas flores e seu desafio à morte.
Ainda estou na estrada e ainda não chegamos à Brasília. Vejo algumas casas, quase-cidades. Cidades? Brasília na TV é de vidro e mármore, chão incerado e frio, e muita luz, talvez muito calor. Tive medo do calor. Não gosto de calor. Contudo, uma amiga me garantiu que o clima era ameno e menos quente do que no Rio. Pensei, vamos ver como é. Olho para a janela e estão lá as árvores “pixaim”, nanicas e retorcidas, com terra e algum mato em volta. Na televisão Brasília é de mármore branco e vidro lustroso. Como pode esta terra? Lembrei de Caetano cantando “eu sou neguinha”. Não importa o disfarce, Brasília é Brasil, Brasília também é “neguinha”. Uma neguinha tecno, plugada no mundo e no cosmo. Uma, diríamos, globalizada “globeleza”, do interior, que esqueceu do samba.
Pronto, de satélite em satélite, chegamos. Eixo monumental, rumo à esplanada. Quanto carro, quanta pista em volta? Onde estão as casas, as pessoas? Nada. Afinal, a cidade começou ou não? Já estamos no Plano Piloto? E por que está tudo tão vazio? Brasília é assim, vai começar, vai acontecer, e não acontece, “ia”? “Brasíl-ia”, o Brasil que “ia”, mas não foi? Não, é o seguinte, todo o grande espetáculo começa com um certo atraso. O aumento de expectativas faz parte do acúmulo de energias a ser liberado no grande acontecimento. Então é isso, Brasília ainda não foi? Era para ser e não foi? É somente um sonho? Não, calma. O problema é somente terminológico. Ordem e progresso são coisas que não se efetivam com uma simples bordada na bandeira nacional. Brasília é somente um nome. Quer ele se pareça com “Bras-ilha” ou com um projeto frustrado, continua sendo somente um nome. Se tudo isso “ia” ou “é”, no nome, não importa, a emenda pode ficar pior que o soneto. Se trocássemos o “ia” frustrado pela efetividade do “é”, teríamos Brasilé, e isso ia dar em chulé. Já pensou: “eu sou de Brasilé e você, de onde é?”. Evidente, todos logo percebemos, esse nome não soa bem, não possui ressonância com nada que seja elevado na língua portuguesa.
Por outro lado, temos também “Bras-ilha” e seus sentidos. Pois Brasília é uma ilha, é inusitada, única. Como muitos dizem, não há nada que se pareça com esta cidade, ela é ímpar. É uma ilha, uma porção de singularidades e vida pulsante, cercada de Brasil por todos os lados. Confluência de etnias, culturas, crenças, projetos e sonhos. Brasília é foz ou fonte dos sonhos do Brasil? Se for foz que seja o delta onde esses sonhos venham a florescer. Se for fonte, que os sonhos aqui semeados sejam paridos para o bem de toda a humanidade. Desde antes de nascer, Brasília “existe” sob o signo de profecias, como a de Dom Bosco, a dizer que iremos para o mundo, que estamos no centro e no alto. E Brasília sonha tacitamente em, um dia, projetar a sua existência e seus sentidos em todo o mundo, pois já disse Dom Bosco que daqui surgiria uma nova e rica civilização.
Tento escrever e homenagear a cidade, mas ela já foi projetada para ser uma homenagem a si mesma e aos sonhos da nação. Brasília é uma auto-homenagem monumental. Brasília aspira profeticamente a projeção, a irradiação de sua existência, a eternidade. Os projetos, as visões e as expectativas são às vezes messiânicos. Uma idéia latente em nosso amor incondicional pela capital é: Brasília irá, um dia, salvar a humanidade. Antônio Conselheiro talvez tivesse o mesmo sonho para Canudos. Não, o nosso messianismo latente é diferente, pois está calcado na racionalidade sistemática e “segura” da “modernidade”. Com a “modernidade” podemos exercer um ufanismo irônico ou um messianismo alegre e “esclarecido”.
Assim, chego à rodoviária do Plano Piloto. Agora sim, vejo pessoas, muitas pessoas. A rodoviária do Plano Piloto é assim, meio como o centro do centro, pessoas de quase todos os cantos da cidade, de pessoas de todos cantos do Brasil, passam por ali todos os dias. Olho para o horizonte e não acredito no que vejo, a esplanada, bem ali, na minha frente, perto das pessoas comuns da rodoviária. Vou até lá. Saí andando e pensei: “é logo ali”. Pra quê? Tive de andar muito mais do que imaginei. Não era logo ali, era lá. O ali é lá. Brasília é a capital do ali é lá. Esqueçam tudo o que disse, eu me enganara, o meu olho de estrangeiro ainda não sabe olhar para Brasília.

Friday, November 05, 2004

JABOR ESCREVE COMO SE ESTIVESSE CANTANDO...

Jabor canta o que escreve. Mago sarcástico das infindáveis jornadas orgiásticas das palavras, Jabor sabe que o cordel e o improviso são protagonistas do palco de suas estripulias associativas cobertas de uma história carregada de arte e de um espírito etílico, noturno. Não é de graça que seu nome, Jabor, seja consonante com a palavra sabor: o homem da língua onisciente, sábia. Sua onisciência associativa, delirante, pode até nos fazer terror. Jabor é terrível ou, como diria Eiseinstein,
Jabor é pior, é mais, é "torrível" (horrível + terrível). O homem que sabe se fazer "torrível", conjugando insana e harmoniosamente universos tão distantes. Jabor é um conciliador. Jabor é antiacadêmico. Por mais que queira parir lógicas retilíneas e categóricas, o samba sem enredo do carnaval eterno dessa sua fatalidade estilística, fermentada por muitos carnavais, não se esquece do caos que lhe pariu. Não há porque mandar Jabor para o caos que lhe pariu. Esse poeta já toma e bebe no caos há muitas vidas. Jabor atravessa vidas que não viveu, sabe falar do que não viveu e do que não viu. É um Tirésias perdido no coração das engrenagens da mídia brasileira. Sabe como esse mundo, a mass media, funciona. Ofereceu-se como um kamikase para mergulhar no epicentro dos ocasos políticos e culturais desse final de século, para confirmar a carótida podre ou, sei lá, por um acaso, encontrar a "utopia possível" - oxímoro oxiúrico do cú do Tudo, onde Jabor sabe que se encontra a impossível chave pra sempre perdida que faz o devir. Repito, Jabor brinca no olho do furacão da mídia brasileira: "Já que a morte tarda, mas não falha... que seja no centro do furacão, vendo o olho de Deus. Já que nosso destino humano é irremediavelmente um certo martírio. Já que somos todos meio que invariavelmente prendas de um sacrifício arquitetado por um indecifrável elemento X (jaborianamente dizendo: o "DNA"? o "mercado"? quem?). Já que um fim é certo, então, que seja no cú do Tudo..." Assim cantava nosso filósofo falante em seus reversos filosofantes. Isso, reversos filosofantes, pois Jabor não somente lê as coisas, ele sabe e adora ler e desler, reverter, perverter, verter baldes de agonia na cabeça dos patrulheiros da burrice nacional, do escroto e impiedoso mundo das tirânicas lógicas áridas e retilíneas forjadas pelos "chapas negras" da razão e do conhecimento. Do fundo do seu ateísmo da "turma do Marx mal lido", Jabor conversa com Deus quando escreve, ou melhor, quando canta... Jabor, você consegue fazer do sim-bólico algo dia-bólica e dionisíacamente penetrante. O problema, como diria Freud, é que esse negócio de penetrante, quanto maior o falo maior a chance da história continuar lhe parindo, passando seu nome (o "DNA"?) pra frente. No entanto, também quanto maior o falo, você sabe, maior a dor da sua letra, da sua investida. Jabor, esse seu gozo literário já é um borrão na cara da mídia brasileira. Para terminar...O mais fascinante é que a Globo, a qual você chifra tão bem, nem se apercebe das suas traições e deixa lânguida e apaixonadamente se sodomizar pelas dionisíacas sacanagens ideológicas que você apronta.

ADEUS. AH, DEUS. Ó, MEU DEUS!

- Adeus, Luísa, Telma, Júlia, Heloísa... Seu nome, eu já ia me esquecendo...
- Rafaela, muito prazer - estendendo a mão cínica ou ingenuamente?
- Adeus, menina.
- Triste você partir. Mas volte algum dia.
- Volto quando você resolver essa questão.
- Qual questão?
- Essa que acabou por fazer neste exato momento.
- Raimundo, você não pode partir assim...!
- Assim como?
- Me deixando sozinha com essa questão.
- É uma questão sua, não minha.
- Mas eu fiz pra você.
- É, tem razão. Então eu volto, algum dia.
- Em "algum dia" eu morro.

Clínico clitoris: 45 minutos

(Crônica em construção)
Fora buscar o sentido da palavra clitoris. Estava numa biblioteca enorme, onde cabia todo o mundo de livros que os homens ficaram aí, inventando de escrever.
Estava lá: “Clitoris”, do grego “klitoridea”, “klito” alguma coisa, sei lá. O negócio é que o nome do negócio é bem velho, apesar do assunto ser bem atual.
O dia estava bem propício para se procurar um clitoris, mas não exatamente numa enciclopédia. Queria encontrar um atlas anatômico do corpo, coisa do tipo. Mas foi é na enciclopédia ilustrada. Queria ver o clitoris, mas só encontrava definições. Um clitoris pode dar mais trabalho do que se imagina. Ele simplesmente não aparecia em desenho, foto ou pele. Encontrou o nome de um dicionário médico, mas não sabia a estante. O autor era, pasmem, P.A. Pinto. Procurou no arquivo: Pinto, P.A.. Era um dicionário do século passado, mil oitocentos e não sei quanto. Pior, o Pinto era metido a entender de tudo, metia o nariz em tudo, sabichão da hora, rei da patota. Seus livros abordavam temas diversos: “Estudo sobre a língua: alguns pontos de vulgarização”, “Botânica descritiva”, “Etimologia crítica” e “Entomolgia comparada”, “Colonização das mamas bovinas no pós-guerra”... Era todo o tipo de assunto, não se assuste. Correu os olhos e não era possível, ou o Dr. Pinto - assim devia gostar de ser chamado - era um gênio, “dead german”, ou um puta de um sem-vergonha salafrário, ou eram vários com o mesmo nome: Pelvio Armando Pinto, o bola preta da época, o fala-bunito, o cospe com classe, o Dr. Pinto total.
Estava lá : Clítoris, Gr. klitori... . Cadê o desenho? a foto? Bem, aquele dicionário não era ilustrado, vejamos neste: “Dicionário H. Fortes de termos médicos”. Forte procura em fortes e nada de foto, isso é foda. Melhor este: Stedman’s Ilustrated, logo veio à cabeça, esmegma (ingl. smegma) ilustrado? O que seria um Smegman’s Ilustrado? Esmegma, para quem não sabe, é um secreção patológica do pinto. Será que a gente encontra o clitoris no meio do Smegman’s? Que nojo... Só queria o clitoris, mais nada.
Êta clitoris difícil, o Stedman’s Ilustrated também não tinha a ilustração - Porrrraaaa!! Esmeeeegmaaaa!!! Quase gritou, no meio do infinito silêncio das pessoas que liam, dormiam ou estudavam: CLITTOOORRRIIIISSS!!!!, com se chamasse alguém que estivesse bem longe, como se disesse que a ama demais, no meio da chuva, choro e água, abraço eterno. Como se continuasse procurando o amor louco da sua vida. Como se continuasse louco e sabendo que aquilo era o amor: “CLITTTOOOOOOOOORISSSS!!!! Apareça!!! Cresça e apareça!!! Eu te aaammmooo!!!!”. Tenho certeza, o mundo todo iria parar para ouvi-lo, mas esta podia não ser a melhor maneira de encontrar o clitoris.
Foram 45 minutos de pesquisa. Todos os dicionários diziam a mesma coisa, e com as mesmas palavras. Um chupou do outro. É B. Fortes que chupou o Pinto, o qual chupou o Smegman’s, ou melhor, Stedman’s? Sei lá, só sei que todos diziam que o clitoris era uma espécie de pinto chupado, atrofiado, o qual se ramificava nos pequenos lábios. Também pensou que era a essência do pinto e que ninguém queria dizer isto. Também pensou, não sabe por quê, que um pinto frustrado não aparece e rende muita conversa fiada, como a de que existe o Pinto Total. Pinto Total é uma lenda que já morreu há um século. Um pinto é sempre parcial. A civilização nasceu de uma hipertrofia material mas que mutilou para sempre a totalidade que guarda e esconde muito bem um clitoris. O clitoris guarda toda a verdade mas a ela não podemos ascender.

Tuesday, November 02, 2004

SESSÃO DIÁLOGOS INDIGENTES (PÓS-INDÍGENAS)

BOBEIRA

- O bobo repete, repete, repete...e... pára?
- Não, ele repete.
- Quem repete?
- O bobo.
- Quem é ele?
- Aquele que repete.
- Por que é bobo?
- Porque repete.
- Repetir é bobo? Me responda, repetir é bobo? Me responda, repetir é bobo? Repetir é bobo?
- Pode ser, pode ser, pode ser.
- Que idiota.
- Não.
- Você não acha idiota?
- Não.
- Por que não?
- Porque é bobo, idiota.
- Sua mãe!
- Onde?
- Idiota é a sua mãe.
- E bobo é você.
- Sou, repito, sou um bobo.
- Repita, se for mesmo.
- Eu sou um bobo, aliás, o bobo: beó-beó-bó-bó. Bobo!
- Você assume a sua bobeira?
- Assumo, é minha. É minha e de todo mundo.
- Quanto bobeira...
- E você quer mais?
- Não. Torrou a paciência. Ninguém mais suporta ou admite uma coisa dessas. Coloquemos um ponto final nesse assunto realmente de uma vez por todas!
- Tá bom. Mas que tal umas reticências... assim...bonitas...
- Não combina com a história, é muito cor-de-rosa, muito drama sem fim, muita manha. O melhor mesmo é o IDEM-IBIDEM!
- Remédio forte, mas bom. Legal!
- IDEM!