Wednesday, December 08, 2004

HORÁRIO NOBRE

- Publicado na Poetas de Gaveta (Revista de Arte da USP, em 1995)

PRIMEIRO CAPÍTULO

- Fábio, eu te amo.
- Elisa, eu te amo. Eu sempre te amei, desde a primeira vez em que te vi, sabia? É, eu acabava de sair do escritório, seu olhar não negava.
- Mas Fábio, eu preciso te falar uma coisa...
- O quê?
- Eu não posso mais ficar com você.
“Pooooooooooooommmmmmmmmmm!!!!”
E desaba um acorde de perplexidade no meio da cena, no meio dos dois, tal como um raio. Fábio desfigura-se aos poucos, desviando o olhar já pesado por todo o corpo, adiantando os movimentos de um bêbado, com a ajuda da guaraná do copo disfarçada de Balantines.
- Mas isso não é possível. Me diz que não é verdade, Elisa. Pelo amor de Deus, me diz que não é verdade, Elisa, me diz...- desvanecendo-se em choro, pedaço por pedaço. E a cada pedaço que desmoronava, Elisa, fria como um sapo, se afastava em direção à porta de saída.
- Não, Elisa, não. Não, não, nããããããão... Elis...
“Chora, Walter, chora, menino, agora... O Walter esqueceu-se do colírio ou do Fábio?”
Preocupava-se alguém na direção. Elisa (Jacira Dolores) fecha a porta com tudo. Escorrem as lágrimas, é Walter Silva, chorão desde pequeno, desenhando o pobre personagem Fábio.
- Corta!

SEGUNDO E ÚLTIMO CAPÍTULO

Cena externa. A limusine, filmada de baixo, em perspectiva, pára solene.
- Obrigado, James - aprecia os arranha-céus. O seu é o maior, todinho de vidro espelhado, todinho dele, o escritório na cobertura com vista para o mar.
- Bom dia, Dr. Fábio.
- Bom dia, Dr. Fábio.
- Bom dia, Dr. Fábio.
- Bom dia, Dr. Fábio.
- Bom dia, Dr. Fábio.
- Senhorita Shirley, a qualquer telefonema ou cliente, hoje eu não estou para ninguém. Não gostaria de ser importunado. Diga que tiver de sair às pressas para uma reunião em Nova York.
Já sem o paletó, afrouxando a gravata em pressa de sufocado.
- E a reunião marcada com o Grupo Avelar Empreendimentos, Dr. Fábio?
- Desmarque.
- Mas Dr. Fábio...
- Senhorita Shirley, isso é uma ordem.
Revólver 45 brilhando o cromado no vidro infinito da mesa. O Scotch (guaraná, só para lembrar) no gargalho e uma carta exasperada se arrastando tremida na embriaguez: “Último Adeus”.
- Corta!

“A SEGUIR, AS CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO”

Último Adeus

Seja agora a partida, as útimas linhas de meu contorno em espiral rumo ao vazio da eterna questão. Havendo o adeus pronto, esperando o momento do fim da curva das palavras e o jogo das imagens. Façam do corpo o que de divino se exigir. Voltar para o mundo sem rosto, o reino das coisas, começo de nós. Ou jamais enterrado, cada mínima parte seja um utensílio. A vertebra um belo quadro algo primitivo alçado em alguma parede, assim seria lembrado pelos que não me quisessem enterrar. Ou seja meu coração em outro o relógio correto do que em mim ainda insiste em sambar ou assustar por aí. Os olhos pedindo outro mundo, sendo a dádiva do que tão longe em mim não pude vi-ver. Ninguém no fundo de seu último osso deseja de todo morrer. Haveria outro lugar onde as coisas sabem viver? Então, mato a questão.

1 comment:

Anonymous said...

bom comeco