Saturday, September 05, 2015

A homofobia é uma forma de misoginia

A homofobia é uma forma de misoginia. Mas essa consideração costuma ser inútil diante da ignorância e alienação de mulheres homofóbicas. Sua paciência e empatia para tentar compreender esses mecanismos teriam de ser maiores do que seu ódio.

Contudo, seus pares, os grupos sociais aos quais pertencem, geralmente gratificam mais seu ódio do que a sua empatia para escutar o outro, o diferente, e tentar compreender o que de fato ocorre.

A mulher homofóbica é uma escrava "feliz"...

Vida comunitária

Atualmente tenho pensado muito sobre a vida comunitária e o quanto que por meio dela muitas pessoas podem retomar boa parte de seu bem-estar psicológico, outrora perdido.

Uma usuária (paciente) do CAPS, com histórico de ansiedade e alguns sintomas depressivos, hoje nos trouxe uma excelente notícia. Ela está participando de um acampamento do MTST, aqui em minha cidade, e está muito feliz.

Obviamente ainda é muito cedo para fazer qualquer tipo de avaliação mais consistente. Ela porém disse que no acampamento não tem sentido ansiedade nem tristeza. Deixou o conforto de sua casa para dormir todos os dias em uma barraca de lona preta e tomar banho de canequinha com a água de um balde.

Sempre que vou para o CAPS passo na frente desse enorme acampamento. É bastante impressionante ver como as pessoas estão ali, resistindo, com suas barracas e lonas pretas, enfrentando o calor, o sol e a poeira, há vários dias. Às vezes passo ali na hora do almoço e está um sol de rachar e não é pouca poeira. Mas as pessoas estão lá, cuidando de seus filhos, se cuidando, cuidando uma das outras e fazendo tudo isso, pelo que percebi, com muita união, com espírito comunitário.

Apesar de toda a dureza, de toda a falta de conforto, ela está adorando e extremamente envolvida com essa nova vida em comunidade, em constante contato com os vizinhos, em constante compartilhamento de atividades, de alimento e afeto. Segundo ela, um cuida do filho do outro, todos preparam os alimentos e comem juntos.

Todos nós sabemos em maior ou menor medida como é esse sentimento de fazer parte de uma comunidade ou de uma grande família. Fico muito feliz que ela tenha encontrado uma alternativa que fortalece os laços comunitários e talvez a possibilidade de uma vida social, de uma sociedade mais sólida, com laços de solidariedade mais bem estabelecidos e fortes. É muito bonito ver pessoas, com tão poucos recursos, se organizando, se unindo, para lutar por uma vida melhor, com alegria e tolerância no coração para poder estar sempre juntas umas das outras nessa batalha dura, muito dura, que é a vida.

E também, para a minha surpresa, fiquei sabendo hoje, por meio dela e de um outro usuário: o Clube Naturista do Planalto Central (PLANAT) tem sua sede bem próxima aqui de nossa cidade satélite. Ela está querendo ir lá, com sua família, fazer uma visita. Os cancervadores piram...
Bebês e crianças pequenas são a coisa mais linda e mais previsível do mundo. É sempre a mesma coisa: estão sempre nos surpreendendo!

A loucura nossa de cada dia

Tenho e já tive sintomas de vários transtornos mentais. Tenho pensamentos horríveis. Penso, com muita frequência, coisas absurdamente horríveis, trágicas e violentas. Quando eu era criança esses pensamentos me assombravam. Em uma determinada época se transformaram em obsessões e, de certo modo, sofri, muito, de algo muito similar a um transtorno obsessivo compulsivo (TOC). E isso me acometeu misturado com angústia e tristeza. Com 13 anos de idade, em 1985, vivi o pior ano de minha vida, e tive de procurar auxílio. Fiz psicoterapia e tomei um antidepressivo e um ansiolítico.

Depois fui me habituando com todos os pensamentos horríveis que eu pude ter nessa vida. A fábrica não para. Tenho uma imaginação muito fértil, e eles sempre se renovam. Sempre adquiro novos pensamentos absurdamente tristes e horríveis, que exploram e viajam nas mais variadas e absurdas possibilidades de ocorrências extremamente trágicas que podem ocorrer na vida de qualquer um de nós. Porém, como já disse, há muitos e muitos anos que esses pensamentos não me assustam mais. Simplesmente deixo que aconteçam e vou me acostumando com eles. ´

Mas também tenho alguns sintomas psicóticos para os quais não dou muita atenção. Não fico alimentando-os. A melhor forma de lidar com pensamentos que tem uma característica mais delirante ou alucinatória é simplesmente não se isolar em seu próprio mundinho e conversar com as pessoas, ouvindo opiniões diversificadas. Às vezes até devaneio um pouco e me regozijo com alguns pensamentos que classifico como fascinantes e divertidos, ótimo material para o exercício imaginativo e narrativo próprio ao universo das ficções.

Às vezes penso que o mundo é uma ilusão parecida com a de filmes como “Matrix” ou “The Truman Show”. Fico pensando que estou num grande cenário, em um grande esquema ou programa de computador, e que estão jogando comigo, colocando e tirando as pessoas da minha vida, me observando e o tempo todo fazendo testes comigo.

Às vezes, por exemplo, quando não sinto um clima muito bom em algum ambiente que frequento, penso que algumas pessoas estão muito incomodadas comigo, mas ao mesmo tempo não se rebelam, não chegam em mim e dizem o que está acontecendo, porque estão em um outro plano do jogo, em um plano adversário ao meu, e que elas de alguma forma têm medo de mim porque estou associado a algumas figuras poderosas desse plano superior e oculto. Depois observo outras pessoas que são muito benevolentes e fico imaginando que são alguma espécie de enviados, ou coisa similar, que estão aparecendo em minha vida para de fato lutarem por esse lado da força no qual me encontro.

Depois penso que as várias dificuldades que já passei na vida estão na verdade funcionando como uma espécie de treino para que eu possa enfrentar algo muito importante ainda daqui a algum tempo. E esse futuro estrondoso nunca chega. Quanta espera, quanta demora!

Acho que muitas pessoas chegam a cogitar essas possibilidades ou pensar coisas muito parecidas e de fato uma pequena minoria é que embarca de cabeça em suas teorias individuais e acabam surtando. Como não alimento muito e dou pouca atenção, isso acaba se transformando na verdade numa grande diversão, a qual torna meu mundo e minha própria narrativa pessoal um pouco mais lúdicos.

Hoje mesmo tive a impressão de que duas pessoas completamente desconhecidas, às quais não têm a menor ideia de como me chamo, me chamaram pelo nome, como se quisessem me transmitir, de modo cifrado, alguma mensagem que seria muito importante para o nosso lado da força.

Estou inclusive comunicando aqui essas sensações e impressões porque acho especialmente divertido comunicá-las. Fico imaginando o quanto o isolamento social é enlouquecedor. Uma pessoa isolada, que não se comunica de modo significativo com as outras e vivencia uma fratura na relação com os outros, está muito mais suscetível ao enlouquecimento. Imagino que muitos aqui se identificaram com esse meu texto. Ou eu estou ficando louco rs?

Um pouco de brainstorming sobre transtornos mentais...

O que são transtornos mentais? Transtorno é sinônimo de doença? Transtornos mentais são doenças? Não? Sim? Em termos? Para a classe médica esses conceitos são biológicos. Para muitos autores e pesquisadores de outras áreas são conceitos eminentemente sócio-políticos.

O que estou lendo na introdução de alguns artigos: a sociedade escolhe quem será considerado doente ou não de acordo com seus interesses e conveniências. Se prisão é mais eficaz: não é doente, é criminoso. Se igreja funciona melhor: não é doente, é pecador. 

E se o medicamento funcionar melhor ou tiver um lobby forte, já viu né...

http://bjp.rcpsych.org/content/180/2/110.full
http://data.psych.udel.edu/…/3%20Psyc…/Wakefield,%201992.pdf

E o pedófilo funcional abstinente, virgem na pedofilia? É transtorno de quê? O cara trampa, produz e não estupra ninguém, nem difunde pedofilia pela web. Cadê o transtorno? Cadê a disfunção? Fora o fato que a transexualidade é considerada transtorno pelo CID e DSM (sendo que a homossexualidade foi considerada transtorno por mais de 20 anos). É aquela historia: é doença porque é indesejável socialmente. Eis o juízo de valor.

Jogo duplo? CID e DSM classificam psicopatas como doentes, mas o sistema bota na prisão e pronto. É importante dizer que é doente para manter a onisciência?: “Sabemos o que são essas pessoas e um dia ainda faremos uma droga pra elas. Enquanto isso, deixa preso aí...”.

Meu entendimento, por ora, é que os transtornos mentais (em sua grande maioria) não são entidades objetivas, naturais. São convenções.

Talvez um ponto fundamental nesse debate é que a fronteira entre o saudável e o patológico é pura convenção. Assim sendo, é valor. Não é fato. Não é factivel. É valorativo.

Wakefield, um dos autores mais relevantes nesse debate, afirma que há dois componentes na distinção entre o patológico e o saudável: um componente valorativo e um componente factível. 

O valorativo se refere ao que é desejável ou indesejável e varia conforme os contextos sociais. O componente factível diz respeito à funcionalidade. Se há disfunção e ao mesmo tempo essa disfunção é indesejável, logo há doença. 

Contudo é muito complicado mesmo se falar em comportamentos disfuncionais, porque na maior parte das vezes um comportamento é disfuncional em um determinado contexto social e não em outros. É o que nos mostram claramente áreas como a antropologia, a sociologia e a história: o comportamento não funciona para um contexto social específico, para um determinado tipo de sociedade somente. Logo é valorativo.

E não estou de modo algum afirmando que transtornos mentais não existem. parafraseando um pouco o artigo de Fullford, eu diria que o ponto central é que os transtornos mentais possuem possivelmente uma natureza diferente do que costumamos classificar como doença. O termo transtorno possui uma conotação, um peso mais valorativo do que o termo doença. Os valores expressos em relação à sintomatologia psicopatológica são mais divergentes do que os valores expressos em relação à sintomatologia do que costumam chamar de doenças somáticas. Os valores humanos em relação a emoções, crenças, desejos, volições e sexualidade são mais diversos quando em comparação com os valores relativos a "sintomas físicos".

A história mostrou isso com bastante clareza em relação à classificação da homossexualidade como doença até poucos anos atrás. Wakefield dá o exemplo da visão. Diz que evolutivamente um olho foi projetado para o reconhecimento de estimulação externa e que uma alucinação seria uma disfunção. Mas também isso depende do contexto, pois uma alucinação é muito bem-vinda em um terreiro ou em um centro espírita, por exemplo. Os sintomas de uma depressão, por exemplo, seriam disfuncionais. Mas se eles existem é porque foram selecionados evolutivamente. Foram adaptativos para nossa espécie num determinado momento, em um determinado contexto. Então tiveram sua funcionalidade e talvez ainda tenham. Há evidências de que muitos sintomas presentes na depressão ainda tem essa funcionalidade. A tristeza é um sentimento importante e útil, por exemplo. 


Enfim, a questão complicada é a questão conceitual. É muito parecido com o que ocorre em relação à hipnose...

Thus, if "disorder", notwithstanding the standard account, is a value term, it will share with all other value terms the features pointed out by Hare. "Mental disorder", then, if "disorder" is a value term, will be more value-laden than "bodily disorder", not, as the standard account implies, for reasons of scientific deficiency, but because the values expressed by the value term "disorder" are (relatively) divergent in the areas of diagnosis with which psychiatryis concerned and (relatively) shared in the areas of diagnosis with which bodily medicine is concerned. This is consistent with the fact that in psychiatry diagnosis is concerned with areas of human experience and behaviour, such as emotion, belief, desire, volition and sexuality, in which human values are highly diverse (what is good for one is bad for another), whereas in bodily medicine diagnosis is concerned with areas of human experience and behaviour, such as severe bodily pain, threat of death and paralysis, over which human values are relatively shared (what is bad for one is bad for most of us).

The clinician's question: With future scientific advances, in particular discoveries of the brain-based causes of mental disorder, won't values become less important diagnostically?


Reply: In a word, "no". It seems obvious that learning more about the causes of mental disorder will make values less important in psychiatric diagnosis because so much of the diagnostic process in bodily medicine is taken up with identifying the causes of bodily disorders. But remember that the relatively value-laden nature of mental disorder arises not from scientific deficiency (lack of knowledge of causes) but from greater value complexity. In the future we will indeed know much more about the causes (biological, psychological and social) of human experience and behaviour. But this will do nothing to resolve questions about exactly which kinds of experiences and behaviours are negatively evaluated, and, hence,pathological.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1414736/

Traduzi também algumas citações notórias de Thomas Szasz nas quais ele critica o DSM. Questões abertas ao debate, ok?

"A principal função e objetivo do DSM é emprestar credibilidade à alegação de que certos comportamentos, ou mais corretamente, desvios da norma, são transtornos mentais e que tais distúrbios são, portanto, doenças médicas. Assim, o jogo patológico goza do mesmo status de um infarto do miocárdio (coágulo de sangue na artéria do coração). Com efeito, a APA sustenta que apostas são algo que o paciente não pode controlar; e que, em geral, todos os sintomas dos transtornos psiquiátricos estariam fora do controle do paciente. Rejeito essa reivindicação como patentemente falsa".

"A validade ostentada pelo DSM é reforçada pela afirmação da Psiquiatria que as doenças mentais são doenças do cérebro, uma reivindicação supostamente baseada em descobertas recentes da neurociência, tornada possível por técnicas de imagem para diagnóstico e agentes farmacológicos para o seu tratamento. Isso não é verdade. Não existem testes diagnósticos objetivos para confirmar ou não o diagnóstico de depressão; o diagnóstico é feito exclusivamente com base na aparência do paciente, de seu comportamento e nos relatos de outras pessoas sobre o seu comportamento. "

"O problema com diagnósticos psiquiátricos não é que eles não fazem sentido, mas que eles podem ser, e frequentemente são, feitos como jogos semânticos : destroem com a dignidade e a respeitabilidade do sujeito tão eficazmente como rachar um crânio. A diferença é que o homem que veste um rótulo diagnóstico desses é reconhecido por todos como um bandido, mas quem faz um diagnóstico psiquiátrico não é. "
As doenças são um "mau funcionamento do corpo humano, do coração, o fígado, o rim, o cérebro", enquanto "nenhum comportamento ou mau comportamento é uma doença ou pode ser uma doença. Não é isso que as doenças são".

Artigos publicados em periódicos científicos internacionais:

http://plato.stanford.edu/entries/mental-illness/

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1414736/

http://bjp.rcpsych.org/content/180/2/110.full#ref-11

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2174594/

Documentário da BBC:
How Mad Are You? (BBC Horizon)
http://www.youtube.com/watch?v=375-TcKxJpk
http://www.youtube.com/watch?v=SSvVlrt6sL0

David Rosenhan: Being Sane in Insane Places:
http://www.youtube.com/watch?v=j6bmZ8cVB4o

Thomas Szasz e a psiquiatria (legendado):
https://www.youtube.com/watch?v=uE0mysIHvvg

Thomas Szasz y la fabricación de la locura
https://www.youtube.com/watch?v=SvITgs6e9lU

Fiz alguns vídeos sobre esse tema e alguns de seus correlatos:

"Doenças mentais" (1) 
https://www.youtube.com/watch?v=dMpumL2xSHA

"Doenças mentais" (2) 
https://www.youtube.com/watch?v=m472FQvQTQo

Ser diferente
https://www.youtube.com/watch?v=wSBsKripp2s
https://www.youtube.com/watch?v=nNdSxqoWw0g

Doenças psicossomáticas 
https://www.youtube.com/watch?v=VuGinJLbzyI

A felicidade 
https://www.youtube.com/watch?v=4iMHdGSZvWc

As causas da depressão 
https://www.youtube.com/watch?v=cYV-nVXkZ-8

Depressão na atualidade (Hangout) 
https://www.youtube.com/watch?v=Sphr8VKPGDA

Depressão ("FAQ") - com a psiquiatra Camila Jordão 
https://www.youtube.com/watch?v=Aas5Tu4SqBI

Caso Elliot Rodger (breves considerações) 
https://www.youtube.com/watch?v=Mt7M2IDcSjU

Sadismo e duplo-vínculo 
https://www.youtube.com/watch?v=nHouO-uPsYI

Dexter e Hitler: psicopatas? 
https://www.youtube.com/watch?v=kmB_3HRs6Xo

E esse aqui, no qual faço algumas complementações ao que está escrito acima:
https://www.youtube.com/watch?v=vfFHIRdovaw