Sunday, May 28, 2006

Mais uma de Hans

Havia uma vizinha que o perturbava, muito tempo. Era uma coroa. Hans não tinha nada contra coroas, pelo contrário. Ele mesmo era um. Claro, muito diferente da maioria dos coroas que existem. Porém, também era um deles. E a natureza parece de fato sempre ser aquilo que seleciona vida ou dita o que é estar vivo.
E estar vivo, mesmo sendo um coroa, diz respeito a também gostar de coroas. A vida amadurece e o desejo também. As velhas de hoje, serão as paixões de amanhã, pensava. “Quando eu estiver com meus 60, 70 e poucos anos, apreciarei, com tranquilidade, mulheres na mesma faixa etária. Pois assim é a natureza. E bom que seja assim. Pois senão como ficariam, no campo do amor e da reprodução, o feio, o sujo e o malvado? Melhor dizendo, tudo o que está fora de padrões socialmente estabelecidos.” O prazer bate todos os dias à nossa porta. E ele nunca deixava de estar atento a isto. Cada gole de cerveja, cada esticada de corpo no frescor de uma manhã sem pressa nem compromisso com nada, era uma oportunidade de gozar o que esta vida tem de bom.
Esta vizinha, moradora de um prédio em frente ao seu, simplesmente não tinha o menor pudor para trocar de roupas ou transitar nua e de janelas completamente abertas: esta fora a primeira impressão de Hans. Contudo, como bom voyeur que era, resolveu começar a observá-la mais detidamente. E pode perceber, depois de uma série de indícios, que a mulher gostava mesmo é de se exibir. Bastava o marido chegar que o show terminava. Ela ia correndo se vestir e não mais aparecia. Quando muito, muito rapidamente e bem distintamente vestida.
Certo dia, depois de saborear, paravariar”, uma bela canabis, Hans se assusta: está novamente a vizinha, em pele, zanzando, pra e pra . Inventando o tempo todo um banho sem fim. Punha e tirava toalha. Nua, seminua, de toalha, com calcinha, sem calcinha. Bastava perceber que ele observava para logo começar um strip-tease. completamente inebriado pela fumaça que povoava seu tórax e sua cabeça, tomou a decisão mais simples possível: também ficar completamente nu e sem a menor vergonha na cara. “Se ela pode, também posso.”
Porém, quando se deu conta estava passando dos limites. Teve a infeliz idéia de fechar as cortinas e somente deixar o pênis, ereto, para fora. Aquilo produzia uma visão completamente inusitada e chocante, obscena. Uma janela, aberta, com as cortinas fechadas e um pênis enorme e duro que se projetava para fora. Como se o pênis fosse um personagem de teatro de marionetes. Um pênis perdido no espaço, sem nome, sem corpo e sem dono. Fez tal exibição de forma precisa, para que somente a vizinha exibicionista pudesse ver. E, de fato, viu, e parece não ter gostado. Fechou agressivamente suas cortinas e janelas.
Dias se passaram, semanas se passaram. E praticamente todos os dias, quase na mesma hora, era sempre a mesma estória. Ela de um lado, se escancarando, e ele do outro. Ele, porém, sempre exagerava, comprometendo toda a suavidade da troca. Esta exibição do pênis para fora da cortina era a perversão mais tosca e repudiante. Mas como um bom pervertido, Hans nem se dava conta: pensava estar arrasando. E, pelo que se sabe, exibicionista algum, por mais belo ou bem dotado que seja, faz qualquer sucesso junto às mulheres. Fica estigmatizado como um atentado ao pudor ambulante, à margem de qualquer de consideração ou aceitação social. Toca na ferida de um tabu sagrado: o voyeurismo das mulheres. E elas irão sempre relutar quanto a isso. Irão sempre afirmar que homem nu não as excita. Então, tudo o que há de animalesco é, nesse momento, afastado com horror.
Por outro lado, para Hans, tal exposição não era realmente prejudicial. O que podia lhe ocorrer de pior? Ficar conhecido na vizinhança como o tarado que desfila nu pela casa e que se masturba de janelas abertas e luz acesa? Não, para ele isto nunca fora um problema. Cometera em sua vida, ações que muitos diriam ser completamente catastróficas para a imagem pessoal. Apesar de tais atitudes, nunca sofrera severa reprovação ou antipatia social. Era capaz de cometer seus pecados sempre de forma sutil. Não era de afrontar nada nem ninguém e isto lhe garantia um bom volume de paz. Fazia o que dava na cabeça e geralmente ninguém se sentia ofendido com isso. Porque sabia fazer em silêncio, sem alarde, dando a tudo um ar pueril, de alegria, de festa.
Nestas ocasiões em que procedia a implosão de alguns tabus, procurava sempre proceder da forma mais pacífica possível. Assim tudo fluía, soando natural. É impressionante, participara, ainda muito jovem, de algumas peças de teatro marginal em que o nível de exposição pessoal era bem elevado. havia transado e se masturbado em cena. Nada disso lhe era novidade. Somente nunca permitiu-se ao registro. Recusara diversas propostas para a realização de filmes pornográficos. As produções teatrais das quais participara tinham pelo menos objetivos artísticos, cênicos. Assim como o cinema de arte que quebra as barreiras do que é pornográfico, sem deixar, por isso, de ser também arte. Mexer com estes limites sempre fora uma constante em tudo o que fazia na vida. E sabia muito bem mexer sem ser hostilizado por isso.
E assim foi, no caso da perversão do pênis marionete em sua janela. Ridículo, obsceno e praticamente livre de qualquer hostilização. Hans caminhava pelo mundo como aquele que sabe viver e vive a própria vida com muita autenticidade e paz. Saboreava o que era extremo sem ofender a quem quer que seja.
Ela, contudo, sempre aproveitava, de modo dissimulado ou não, para se exibir. Estava , sempre a transitar de um cômodo para outro, completamente nua. E ele percebe que o prazer dela era somente o de se exibir. Não queria ver nada, nem ninguém, somente continuar se mostrando.
Certo dia, fazendo compras, quem está, do seu lado, a escolher alguns tomates? Nossa querida vizinha. Para seu completo terror e confirmação de sua miopia, ela tinha um rosto feio, muito feio. Era dentuça e muito mais velha do que suponha. Porém o corpo ainda estava bem preservado do tempo. Isto era, para ele, suficiente para ainda preservar também uma certa excitação. Padrões existiam para ser quebrados e o prazer muitas vezes se encontra onde menos se suspeita. Até ali, o prazer maior, por sinal, era este jogo de uma pessoa que se expõe e outra que , quebrando regras e tabus, extrapolando limites.
Foram se conhecendo, por email. Ele estava solteiro e ela casada. Ficou combinado de que ela lhe telefonaria quando a barra estivesse limpa, assim que o maridão definitivamente estivesse longe de casa. Enquanto isso, ela lhe telefonava algumas vezes na semana e ficavam proseando. Dona Neide era uma senhora simples, de muito pouca instrução. O que tornava tudo ainda mais interessante. Seria uma experiência sexual, íntima, entre duas pessoas radicalmente diferentes. Hans, europeu, falante de várias línguas, viajado, doido, intelectual, drogado e Dona Neide: doida, mãe de família, dona de casa, viciada em telenovelas e crochê e louca pra dar para o primeiro peão que aparecesse, para que assim sua vida tivesse um pouco mais de aventuras.
Quase cinqüenta anos de idade, mas um corpo com uma aparência uns dez anos mais jovem. Para ele isto era mais do que suficiente para qualquer experiência sexual. Mas, resumindo, a verdade ele sabia muito bem, bastava ter tesão e ponto final. Ação e aventura em primeiro lugar, vaidade e imagem social em último. Seria como na sexualidade da Antigüidade: valorização mínima do objeto sexual e a máxima possível do ato. O mais importante é transar, provocar, conhecer e experimentar. Para o objeto Hans preferia fechar os olhos. Aliás, os olhos: quanta ilusão os acomete. Ele sabia muito bem: a verdade do desejo e do prazer sexual está na palma das mãos, no cheiro e no paladar. A imagem visual era uma barreira sempre a ser superada.
Oi, que tal hoje à noite? O Luís estará de plantão e ficarei completamente sozinha.”
“Ok, que horas?”
Depois da novela das sete.”
Mas acho mais prudente na minha casa.”
Também acho. Devo então aparecer bem mais cedo por . Pode ser? Digo que vou ao shopping. Que tal?”
“Ok. A partir das cinco estarei por aqui, te esperando.”
Telefonou às seis e pouquinho: “To indo”. Bateu à porta e ele abriu. Mais uma vez um susto enorme: feia, muito feia. Um rosto horrendo e muito envelhecido. E com aquela borroqueira toda da maquiagem ficava ainda pior. Estava vestida como uma prostituta de baixo meretrício, o que, ao invés de produzir repúdio, o deixou com um pouco de pena. Era uma coitada de uma senhora, uma dona de casa carente e que um dia fora uma mulher talvez com um rosto bem pouco aprazível, mas com um corpo muito atraente. Fora, possivelmente, a perfeita raimunda: feia de cara e boa de bunda. E as raimundas são sempre, por mais gostosas que sejam, umas coitadas. Os homens pensam em comer e jogar fora. Elas sabem, e uma desilusão profunda geralmente toma conta de sua existência no momento em que se dão conta disso.
A coisa a que uma raimunda é mais sensível é isso: o fato de poder estar sendo usada, de ser facilmente transformada em coisa. Hans estava atento e resolveu tomar muito cuidado para não tocar nesta ferida. Por outro lado, também queria evitar o outro extremo: que ela se apaixonasse. Sendo assim, não forçou nada, nem mesmo um beijo. Aliás, pelo contrário. Beijo, se pudesse, ele evitaria até a morte.
Deixou-a bem à vontade. Conversaram bastante. Foi como sempre fora na vida. Divertido, leve e autêntico. Sabia deixar uma pessoa à vontade, relaxada e alegre. E não precisou muito para que ela mesma começasse onde tudo começou: em seu exibicionismo. “Ta calor, né... Posso tomar um banho?”. Sem mistérios, na sua frente, tirou a roupa e foi correndo para o chuveiro. Também despiu-se e entrou junto. Tomaram um banho cheio de risadas e delicadeza.
no quarto:
Escuta, vi você nua diversas vezes. Mas quero mais ainda da sua nudez. Quero ir mais fundo. Quero continuar te olhando, exatamente como você gosta. Mas quero que você avance e me mostre o que ainda não mostrou, que radicalize o seu show. Compreendeu?”
Era o convite que ela estava esperando. Começou a rebolar cada vez mais, dançando ridiculamente sem música alguma. Não sabia dançar, não sabia rebolar e ainda por cima não havia qualquer música. Patético, constrangedor, o que aumentava sua compaixão por ela.
Foi até sua bolsa e de tirou uns brinquedinhos: um vibrador e algumas bolinhas de pompoarismo. Para seu alívio, parou com a dança desajeitada e deitou-se na cama. Abriu as pernas e começou a mostrar cada camada de seu sexo. De fato, ela ainda tinha boa parte de seu corpo bem preservada. A coloração de sua vulva e lábios vaginais era a mais perfeita possível. Tinham aparência muita saudável e tenra. Beijaria pouco sua boca, mas em compensação o sexo oral seria por conta da casa. Se deu ainda mais conta do quanto uma raimunda é mais facilmente feliz na cama e triste no amor.
Fizeram de tudo, e da forma mais tranqüila possível, como duas pessoas maduras e vividas - não importa a cultura ou o grau de instrução - podem fazer. Ela era linda. Linda em tudo o que foi capaz de construir das ruínas de um mundo que pouco lhe ofereceu de em termos de amor dos homens. E soube também não confundir as coisas. Por nenhum momento teve a ilusão de destruir seu próprio casamento pelo amor a um sujeito que não queria saber de nada como Hans. Neide era muito sensível e inteligente. Logo percebeu que ele estava muito longe de apaixonar-se por ela.
Assim passaram-se alguns meses. De vez em quando se viam. E sempre inventavam algo diferente. Ou então somente conversavam, sem qualquer propósito específico. Neide tinha uma sabedoria muito madura e simples. Também não foi-lhe difícil compreender o sumiço de Hans assim que ele se mudou daquela cidade.

Sunday, May 14, 2006

Pequenas digressões Psicopatológicas (O fetiche por pés)

O fetichista:

“Se posso ver os pés fico satisfeito em meu voyeurismo. Basta ver os pés. Não preciso me matar para ver a mulher nua. Posso vê-las nuas diariamente. Assim a vida fica indecente com muito mais facilidade. E uma indecência que posso guardar somente comigo, em qualquer lugar: no ônibus, no trabalho ou em uma reunião repleta de formalidades e comedimentos. O sonho de uma visão de raios X, para poder ver a nudez de quem quer que seja, não é para mim pungente. Olho para uma mulher, vejo seus pés, e sinto a sua nudez em plenitude. Principalmente se seus pés me agradam. é uma coisa obscena, senão eu nem tinha tesão por . Mas é mais obsceno quando o está esticado, seja em um sapato de salto, ou mesmo quando a mulher estica o , alongando a perna. Como se os dedinhos quisessem alcançar algo que está além. E além fica o meu desejo a partir daí.”

Freud, em seusTrês ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), diz, em nota acrescentada em 1915, que “o substitui o pênis da mulher, cuja ausência é profundamente sentida”. Isto ele quer dizer para justificar o tara do fetichista por pés. Mas isto faria a maioria dos fetichistas ou qualquer apreciador moderado assustar e repudiar tal afirmação. Para o sujeito que gosta de pés femininos não deve ser fácil ouvir esta consideração freudiana. Mas Freud está se referindo às teorias sexuais infantis, à concepção que ele postula como sendo universal na cabeça de qualquer menininho na faixa entre 3 e 5 anos de idade, durante o complexo de castração: todo mundo seria dotado de pênis. “Se tenho, todo mundo tem. E quem não tem, perdeu”. E na menininha: “Não tenho, mas o meu vai crescer”.

E o valor dado à pênis, nesta fase, seria tão grande, que ao se dar conta de que as mulheres não têm, esta ausência seria, em um primeiro momento, desmentida. Ou seja: “Todo mundo tem. Quem não tem é porque perdeu.”

Porém, constatar, de fato, que as mulheres não têm nem nunca tiveram, para alguns, seria meio que inaceitável. Assim, o pequeno fetichista vai e bota um no lugar no objeto máximo de desejo, o pênis. Portanto, ver um , manipulá-lo, seria como alcançar e tocar os genitais da mulher desejada, adentrando seus recantos mais íntimos e assim poder conquistar o segredo de seu prazer.

E Freud tenta enfatizar ainda mais a coisa, ao sugerir que as pernas e os pés são uma projeção imediata da pélvis, assim como o próprio pênis. Da pélvis masculina brotaria então um tripé sexual: duas pernas e um pênis. Sendo o pênis o reizinho dessa estória. Bingo: piruzinho! O coringuinha do tripé, o zap (ou “zápete”, do jogo de truco). Enquanto da pélvis feminina brotaria somente as duas pernas, um negócio meio manco na cabecinha de um garotinho. Mas que para o fetichista, talvez tenha ficado em bom tamanho, pois ele pode sempre contemplar a indecência, onde quer que esteja, onde quer que haja uma mulher a expor ingenuamente seus lindos pezinhos.

Também não custa deduzir que os pés esticados são mais excitantes pois representam, inconscientemente, o pênis ereto.

Muitas das teorias freudianas podem até não ser científicas ou válidas, mas com certeza dão o que falar.