Saturday, February 27, 2016

No final tudo dá certo?

No final tudo dá certo. Porque no final de tudo há, muitas vezes, o descanso definitivo, a morte. O grande problema é que o final, às vezes, é a morte de quem a gente ama. E isso é só o começo.

A racionalidade e a guerra

A racionalidade, ou a verdade, terão muito pouco efeito em quem já abraçou uma causa com unhas e dentes, separando tudo em pessoas imaculadas e demônios. Entregar-se à verdade, nesse caso, é uma espécie de suicídio para o qual se precisa de uma certa força de caráter e apoio social, e isso é coisa um pouco rara, pois a maioria das pessoas prefere se cercar de seus semelhantes.

Quem entrou em uma guerra pretende destruir seu inimigo. Nesse contexto a verdade não vale nada. E é por isso que às vezes a verdade dói, dói muito. Aceitar e ficar do lado da verdade pode implicar em solidão ou muito desconforto com quem nos ama, com quem nos sustenta, com quem (e o que) vem dando sentido à nossa vida durante muitos anos.

O exercício da racionalidade exige fidelidade à verdade, não a pessoas. A fidelidade à verdade é muitas vezes sentida, e ressentida, como traição, como traição ao amor que muitas pessoas nos devotaram por anos e anos a fio.

O exercício da racionalidade muitas vezes entra em conflito com toda uma vida de trabalho e dedicação a algumas causas e pessoas. A verdade tem um poder enorme para destruir amizades, amores e lares. Ela não combina nem um pouquinho com o figurino de militantes e políticos. Quem está disposto a dar a vida por uma causa geralmente não tem condições de ser fiel à verdade.

Saturday, February 20, 2016

RESPOSTA A DOIS ARGUMENTOS CONTRA A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO

Abaixo enuncio dois argumentos contrários à legalização do aborto os quais, na minha concepção, estão entre os mais convincentes.

Posteriormente apresento meus argumentos com o intuito de refutá-los.

1. O feto é um ser externo à mãe e com o material genético diferente da mãe. Não é propriedade da mãe.

2. O feto é um ser humano em potencial. Possui uma estruturação genética própria, a qual lhe confere as condições fundamentais para se transformar em um ser humano completo e com suas próprias características individuais.

Concordo todas as afirmações acima. Contudo penso que são insuficientes para se fundamentar uma posição contrária à legalização do aborto.

Certamente a mãe não é dona desse feto. Os pais não são donos de seus filhos. Os filhos somente estão sob a responsabilidade dos pais. Porém, mesmo se fossem donos dos filhos, isso não qualificaria esses pais a fazerem o que quisessem com seus filhos.

Mesmo sendo dono de seu cachorro, por exemplo, você não tem o direito de torturá-lo. Se seu cachorro estiver em estado terminal você, como dono dele, tem o direito de autorizar que ele seja eutanasiado (sacrificado).

Portanto temos o direito de matar nossos animais, os animais que são de nossa propriedade, se julgarmos que mortos eles estariam melhor do que vivos, se julgarmos que assim estaríamos poupando-os de sofrimentos insuportáveis e irremediáveis.

Então, tanto no caso dos animais quanto no caso dos fetos, podemos perceber que o fundamental, para se pensar sobre o direito à vida, se refere aos possíveis sofrimentos que a ausência desse direito pode gerar nesses sujeitos ou em quem os ama.

A ausência do direito à vida tende a gerar muito sofrimento em sujeitos sencientes (que sofrem), autônomos (ou que já foram autônomos; portanto donos de sua própria vida e de seu próprio corpo) e com capacidade intelectual para saberem que estão vivos e que são mortais (sujeitos dotados de consciência reflexiva, consciência de si mesmos), pois:

- Para os seres humanos, por exemplo, é importante saber que têm o direito à vida, que outras pessoas não podem simplesmente atentar contra a sua vida (ou contra a vida das pessoas que estimam) sem que isso tenha consequências sérias. Saber que o estado ou outras pessoas poderiam dar cabo de nossas vidas (ou da vida das pessoas que amamos), arbitrariamente, pode causar muita angústia e sofrimento em todas as pessoas, com sérios riscos de ruptura do tecido social. Isso é a barbárie, a guerra de todos contra todos.

- Não há garantia de uma organização social mínima sem que o direito à vida seja resguardado. Não teríamos nesse caso uma sociedade mas sim grupos, clãs, isolados e em constante tensão.

- Portanto, o direito à vida serve para proteger a vida dos indivíduos e da sociedade como um todo. Mesmo os mais niilistas e desapegados em relação à sua própria vida, tem de certo modo a obrigação moral de lutarem, na medida do possível, para se manterem vivos e bem, já que a vida de um ser humano costuma geralmente ser muito preciosa a outros seres humanos. Quando uma pessoa morre, geralmente outras ficam vivas e sofrendo muito em virtude dessa que se foi. Algumas pessoas, quando morrem, podem deixar danos irreparáveis nos que ficam.

Em relação às afirmações do item 2, não há como negar, são um fato: o feto, ou até mesmo o embrião, se configuram como um ser humano em potencial. São potencialmente um ser humano, em sentido pleno. Até as 12 semanas de gestação, o feto ainda não é capaz de sentir e sofrer, porém, dadas as devidas condições, um dia se transformará em um ser humano em sentido pleno, capaz de sofrer e de perceber sua própria existência no mundo enquanto passado presente e futuro, enquanto desejos e projetos de vida.

Contudo é também muito problemático tratar um ser somente em função do que ele poderá ser, em função do que ele tenderá a ser. Todos nós somos potencialmente mortos. Todos nós morreremos. Todos tendemos à morte. E isso não nos autoriza a tratar toda e qualquer pessoa como se ela já estivesse morta. Devemos tratar os seres vivos em respeito ao que eles são, no presente, sempre nos atentando para um imperativo ético fundamental: agir para diminuir e tentar não produzir sofrimentos que são evitáveis.

Um problema para que as pessoas compreendam a argumentação à favor da legalização do aborto é que historicamente estamos mais habituados com concepções éticas que valorizam a vida humana acima de tudo. Essas concepções prescrevem que a vida humana deve ser preservada e vivida sob toda e qualquer condição.

Desse modo, portanto, a compaixão ocupa um plano secundário. Não importa se o sujeito já está condenado ou padecendo de sofrimentos insuportáveis e irremediáveis, implorando para morrer. A vida humana é sagrada (o que não vale para a vida dos animais, muito menos para o seu sofrimento) e o sofrimento, não importando a sua magnitude, é fortalecedor, principalmente da alma, na qual a maioria dos adeptos dessas concepções acreditam.

Finalizando: o cenário atual é composto por muitos direitos a menos e muitas obrigações a mais, somente contribuindo para que a quantidade absurda de sofrimentos evitáveis, nesse mundo, continue exatamente do jeito que está.

Determinismo e Análise do Comportamento

O que diferencia a visão determinista, da visão não determinista de causalidade? Em qual condição se situa a posição Behaviorista Radical?

Segundo André Comte-Sponville (2003), o determinismo é um posicionamento eminentemente científico, pois parte do princípio filosófico da causa suficiente. O que enuncia este princípio, cuja formalização é geralmente atribuída a Leibniz? Enuncia, basicamente, que tudo tem causas, ou antecedentes determinantes. Ou seja, nada é sem causa. Há a sempre a possibilidade de explicações ou da atribuição de causas, de determinantes. Embora isto não queira dizer que sejamos capazes, algum dia, de tudo explicar. O princípio da causa suficiente não implica em uma onipotência explicativa ou epistemológica.
E se existe uma visão não determinista de causalidade, no que ela se basearia? Simplesmente não consigo concebê-la ou compreender como uma concepção destas pode ser defensável. A posição Behaviorista Radical, obviamente, se alinha com uma concepção determinista. A minha impressão é que a concepção não determinista não passa de uma sofística, cujos objetivos primários e inconfessos estão mais a serviço de jogos de poder próprios ao obscurantismo do qualquer outra coisa.
Contudo, por outro lado, há confusões conceituais no debate em questão, entre deterministas e não deterministas. Os primeiros, muito geralmente, conceituam o determinismo de modo diverso dos segundos. A posição determinista, no Behaviorismo Radical, não se estende para o sentido de predeterminação. E é muitas vezes que as querelas se instalam. Humanistas, por exemplo, geralmente conceituam o determinismo como a marca implacável do ambiente, a qual retiraria do sujeito toda e qualquer responsabilidade sobre seus atos e, amiúde, acabam desembocando no que seria, na verdade, o conceito de predeterminação.
Para o Behaviorismo Radical não há predeterminação. Este conceito, aliás, possui implicações, algumas vezes, bem pouco científicas. Se ser determinado é atuar como variável dependente de fatores antecedentes ou disposicionais, ser predeterminado é invariavelmente se comportar de um modo específico, sendo deixada a interação entre sujeito e ambiente em segundo plano ou completamente obliterada.
Mas os problemas conceituais não terminam . Vejamos o caso, por exemplo, de uma criança que nasça sem cérebro. Não está ela predeterminada a não conseguir realizar funções básicas de percepção, locomoção, pensamento e interação ambiental? Há uma estrutura, ou uma ausência de funções básicas, que predeterminam ou predizem categoricamente como será seu comportamento.
Não esqueçamos, contudo, o alerta de Moreira & Medeiros (2007), de que predizer não implica necessariamente em certeza. Aumentar nossa capacidade de predição é também conseguir estabelecer faixas de probabilidades ou tendências. O reforço, por exemplo, aumenta a probabilidade de resposta. Não implica necessariamente na resposta desejada. É uma direção. Predizer, em ciência, é, em grande medida, trabalhar com probabilidades e tendências. No caso da Análise do Comportamento, podemos falar em tendências de resposta.

2 – A visão determinista de causalidade do comportamento humano poderia incluir o livre arbítrio? Por quê?

...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que nãoninguém que explique
e ninguém que não entenda..."
Cecília Meireles

A epígrafe de Cecília Meireles serve somente como inspiração inicial para a reflexão, não como visão modelar do que pretendo tecer.
Se por livre-arbítrio nos reportarmos ao sentido de arbitrário, ou seja, aleatório, desprovido de qualquer lei, de qualquer possibilidade de entendimento ou razoabilidade mínima, não há, de início, qualquer possibilidade de conciliação com uma visão determinista de causalidade do comportamento humano.
A leitura obrigatória, neste caso, é o clássico de Skinner “Beyond freedom and dignity”. Na ausência de tempo disponível para tal, remeti-me à leitura de William Baum (1999) e boa parte dos tópicos, em seu livro, em que tratava da questão do livre-arbítrio. Segundo este autor, a visão determinista de causalidade do comportamento postula “que o comportamento é determinado unicamente pela hereditariedade e pelo ambiente”. “O livre-arbítrio supõe um terceiro elemento além da hereditariedade e do ambiente, supõe algo dentro do indivíduo”.  Ou seja, “o livre-arbítrio afirma que a escolha não é uma ilusão, que são as próprias pessoas que causam o comportamento.”(p. 29). Pois, “na prática, tem-se a impressão de que a negação do livre-arbítrio poderia solapar toda a estrutura moral de nossa sociedade” (p. 30). Pois muitos poderiam argumentar: se o livre-arbítrio não existe, por que lutar por ele? Estariam assim justificadas todas as espécies de autoritarismo.
Contudo, ainda segundo Baum:
Embora seja verdadeiro que a democracia se baseia na escolha, é falso que a escolha se torna sem sentido ou impossível se não houver livre-arbítrio. A idéia de que a escolha desapareceria provém de uma noção excessivamente simplista da alternativa ao livre-arbítrio. Se, numa eleição, uma pessoa puder votar de duas formas, o voto que de fato ocorrer dependerá não apenas de sua história a longo prazo (proveniência, educação, familiar, valores), mas também de eventos imediatamente anteriores à eleição. As campanhas eleitorais existem precisamente por esta razão. Posso mudar de lado em função de um bom discurso, sem o qual eu votaria em outro candidato. Para que uma eleição tenha sentido, as pessoas não precisam ser livres; basta apenas que seu comportamento esteja aberto à influência e persuasão (determinantes ambientais de curto prazo)”. (p.31)
Baum também ressalta que nos sentimos mais ou menos livres em função das contingências a que estamos submetidos. Poisquando o comportamento é modelado e mantido por reforço positivo, as pessoas não se sentem coagidas, sentem-se livres” (...) “O indivíduo que coopera devido a uma ameaça de punição pode, em princípio, ser livre para enfrentar a ameaça, mas não se sente livre para fazê-lo.” (p. 178).
A idéia de que existem escolhas absolutamente livres é de fato ilusória, ingênua:
“Os homens imaginam ser livres porque têm consciência das suas volições e dos seus desejos, e não pensam, nem em sonho, nas causas pelas quais se dispuseram a desejar e a querer, por não terem o menor conhecimento delas” (Spinoza, citado por Comte-Sponville, 2002, p. 67).
E o mais interessante é a ressonância que uma consideração como esta, de Spinoza, tem com a concepção da Análise do Comportamento. Existem causas para o desejar e o querer, e isto limita a liberdade, transformando-a em mais um evento sujeito às contingências. Dizer que o sujeito age assim ou assado porque quer, porque é livre, explica tão pouco quanto dizer que bebe água porque tem sede. São pseudo-explicações de caráter circular, tautologias. Ou seja: bebe água porque tem sede, e tem sede porque bebe água.
Como Skinner deixa muito claro no terceiro capítulo de “Ciência e comportamento humano” (1953/1981), a causas sempre tem de ser buscadas em seu plano mais factível (ambiental, externo) e da ação. O apelo à causalidade interna, além de não explicar nada, também não aponta para qualquer alternativa de uma solução plausível para o problema. Se o sujeito bebe água porque tem sede, para resolver a situação basta que beba água. Ou seja: uma tautologia, uma “explicaçãotipobeco sem saída”.  Contudo, se nos voltarmos para fatores externos, tudo fica bem mais real e prático. O comportamento de beber água pode estar ocorrendo em função de diversos fatores, tais como: calor excessivo, dieta com muito sal, privação, etc. E estes sim são fatores manipuláveis, específicos, factíveis e passíveis de controle.
Talvez caiba, também, citar aqui uma passagem de minha tese de doutorado:
“Somos mais livres do que os animais porque temos um eu, uma consciência que se reconhece como tal. Isto nos torna mais livres, mas não absolutamente livres. Adotar a idéia de que estamos condenados inelutavelmente à liberdade, parece-me uma fascinação provocada pela ilusão que a própria condição de possuir um eu pode despertar, a ilusão de Narciso, que se entusiasma com a própria imagem e em seus labirintos se perde” (Facioli, 2003, p. 140).
Nossas escolhas são sempre condicionadas a nossos contextos e limitações. A liberdade absoluta é uma ilusão de nosso próprio narcisismo.
Voltando a Baum (1999):
“Na verdade, pode-se argumentar que o livre-arbítrio é simplesmente um nome para a ignorância dos determinantes do comportamento. Quanto mais sabemos das razões que estão por trás dos atos de uma pessoa, tanto menos nos inclinamos a atribuir esses atos ao livre-arbítrio” (p. 32).
E finalizando com Comte-Sponville (2002):
Ninguém nasce livre, torna-se livre. Pelo menos é o que penso, e que, por isso, a liberdade nunca é absoluta, nem infinita, nem definitiva: que somos mais ou menos livres e que se trata, é claro, de o sermos o mais possível.” (p. 74)


3 – Que argumentos poderiam ser apresentados em defesa do determinismo e da busca por regularidades no comportamento humano, a partir das seguintes críticas (fonte: Chiesa, 1994, cap. 5).
            a. argumento da individualidade humana.
            b. argumento da complexidade do comportamento humano.
            c. argumento do comportamento intencional.

a. A busca por leis causais não nega a unicidade dos fenômenos. Individualidade ou unicidade também se aplicam a todos os outros fenômenos naturais.
b. O fato de ser complexo não prova indeterminação. Complexidade não implica necessariamente em perplexidade ou desordem. A ciência progride da complexidade para a ordem. Segundo Chiesa, o argumento da complexidade poderia ser aplicado a qualquer ramo científico em seus estágios iniciais de desenvolvimento: “durante muito tempo, antes do desenvolvimento científico da química, a redução de milhares de compostos químicos a um pequeno e finito número de elementos parecia meramente fantasiosa.” (p. 103)
c. Como bem diz Chiesa: “Um evento futuro, uma vez que ainda não aconteceu e talvez nunca ocorra, não pode causar um comportamento.” (p. 104)


4 – Por que algumas causas populares do comportamento, tais como as citadas por Skinner (1953), se mantêm em nossa cultura?

Skinner (1953) diz: “Qualquer evento conspícuo que coincida com a emissão de um comportamento humano pode bem ser tomado como uma causa” (p. 25). Ele continua o texto com o exemplo da astrologia e numerologia. E termina por enunciar duas razões básicas para que se mantenham como causas populares do comportamento em nossa cultura: o sentido de coincidência ou correlação que produzem e suas previsões vagas.
O fato de existirem correlações ou coincidências não prova o que produziu o que, o que é causa e o que é efeito. Além também do fato de algumas coincidências serem supervalorizadas. São valorizados os acertos e desprezados os erros: “as falhas são encobertas enquanto um acerto ocasional é bastante dramático para manter o comportamento crédulo suficientemente forte”.
Em relação às previsões místicas diz que elas são tão vagas que nãocomo confirmá-las nem desmenti-las. Ou seja, impera o obscurantismo e o desespero em se encontrar logo uma significação. E o desespero em se encontrar um sentido pode ser concebido como superstição.
Em relação a correlações entre comportamento e estrutura corporal, o que Skinner escreve é digno de nota:
Mesmo quando se demonstra uma correlação entre comportamento e estrutura corporal, nem sempre se distingue qual é a causa e qual é a conseqüência. Mesmo que métodos estatísticos possam demonstrar que os homens gordos são especialmente propensos à alegria, ainda não se conclui que o físico determina o temperamento.” (p. 27).
Isso nos impõe sempre lembrar que correlação não é causa.
Outro expediente, segundo Skinner, também muito utilizado pelo leigo paraexplicar” o comportamento é o apelo à herança genética, ao “nasce assim”, o qual teria pouco a ver com fatos demonstrados, poismesmo quando pode ser demonstrado que certo aspecto do comportamento é devido à estação do nascimento, ao tipo físico de um modo geral, ou à constituição genética, o possível uso desse conhecimento é muito limitado” (p. 27).

5 – Quais as críticas de Skinner (1953) às seguintes causas internas do comportamento:
            a. causas neurais
            b. causas internas psíquicas
            c. causas interiores conceituais.


Nãonada de errado em uma explicação interior, como tal, mas os eventos que se localizam no interior de um sistema tendem a ser difíceis de se observar. Por essa razão é fácil conferir-lhes propriedades sem justificação. Pior ainda, é possível inventar-se causa desta espécie sem medo de contradição” (Skinner, 1953, p. 28)
“As causas a serem buscadas no sistema nervoso são, destarte, de utilidade restrita na previsão e controle de um comportamento específico” (p. 30).
De modo geral, as chamadas causas neurais parecem não passar de correlatos das chamadas causas internas. Exemplo: o sujeito se encontra ansioso e logo uma região específica de seu cérebro demonstra atividade fisiológica correlata e significativa, ou neurotransmissores correlatos possuem sua taxa significativamente alterada. Estas alterações neurais, contudo, podem ser produzidas por alterações externas e estas é que irão interessar à análise do comportamento. Correlatos neurais, assim como os internos, implicam em redundância, em explicações tautológicas. Uma análise destas “explicaçõesprova que não passam de “meras descrições redundantes”, como muito bem enuncia Skinner.

6 – O que vem a ser uma “causa” e umefeito” na concepção Behaviorista Radical?

Efeito: variável dependente, a qual ocorre em função de determinadas causas, as chamadas variáveis independentes. Assim o Behaviorismo prefere adotar a concepção de relações funcionais, invés de simplesmente causais. Pois estas últimas muitas vezes possuem implicações de cunho mecanicista.

O que me possibilita entender um pouco mais dessas explicações reporta-se ao princípio leibniziano da causa suficiente. Se adotarmos uma visão linear e restrita de causa, a de que tudo tem uma causa, uma causa acaba levando a outra e isso até o infinito: “o que causa x? y. e o que causou y? z....”. E assim encadeamos uma série infinita. Por outro lado, a idéia de relações funcionais remete a noção de teias, redes causais e muitas situações de múltipla e mútua determinação. Mas este é ainda um tópico em que guardo inúmeras questões a serem melhor pensadas.  O que, de fato, Ernest Mach propunha com o princípio das relações funcionais? E o argumento de Hume então, o qual nunca compreendi plenamente? Por falta de tempo, não tive como escrever e ler mais sobre esta questão, apesar de ter lido tudo em Chiesa a respeito

Referências:
Baum, W.M. (1999). Compreender o Behaviorismo. Porto Alegre: Artmed.
Chiesa, M. (1994). Behaviorismo radical : a filosofia e a ciência. Brasília: IBAC.
Comte-Sponville, A. (2002). Apresentação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes.
Comte-Sponville, A. (2003). Dicionário filosófico. São Paulo: Martins Fontes.
Facioli, A. M. (2003). “Narcisismo e liberdade”. Em: O espírito da ironia na clínica psicológica. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, Brasília.
Moreira, M.B. & Medeiros, C.A. (2007). Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre:
Artmed.
Skinner, B. F. (1953/1981). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.

Wednesday, February 17, 2016

Prevenção ao suicídio: você pode ajudar a salvar vidas!

Uma vez me fizeram a seguinte questão:
Como interferir no desejo de alguém que não quer mais viver? Temos esse direito, ou estamos sendo egoístas?
Acho que temos o direito de intervir sim. Aliás, não temos somente o direito: temos o dever de intervir. É nossa obrigação lutarmos para ajudar a reorganizar as interações do suicida com o mundo e com as outras pessoas, para que a sua vida tenha mais prazer, para que essa pessoa volte a ter o desejo de viver.
O suicídio é danoso para a família e para a sociedade porque:
1. Geralmente inspira outros suicídios. Essa consequência inclusive tem um nome: é o chamado Werther Effect. Nome inspirado no livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (1774), de Goethe, cujo protagonista, Werther, comete suicídio no final da história. Nos anos em que esse livro fez sucesso aconteceram muitos suicídios que foram inspirados nele.
2. Aumenta o risco de suicídio dos filhos em 5 vezes. Pessoas que tiveram um dos pais que cometeu suicídio são cinco vezes mais suscetíveis a também cometerem. Um pai que comete suicídio, portanto, gera um grande dano para os filhos. Esse dano não se limita a simplesmente perderem um pai ou uma mãe (o que por si só já causa um dano geralmente muito grande). O dano portanto pode ser muito maior, pois no futuro esses filhos estarão muito mais propensos a também cometerem suicídio.
3. O ato suicida geralmente ocorre em momentos de impulsividade, de desespero, os quais poderiam ser prevenidos, de modo consistente e duradouro, com intervenções biopsicossociais adequadas.
Então se essa pessoa não é um paciente terminal e não está padecendo de uma condição irremediável, devemos fazer de tudo para remediar, para resolver a situação. Para quem não é paciente terminal, não sofre irremediavelmente e tem uma família ou amigos que tem muita estima por essa pessoa (ou então tem filhos, o que é ainda um fator mais relevante), eu diria que viver, e tentar viver bem, é praticamente um dever, um dever para com a família, um dever para com toda a sociedade, pois o suicídio de uma pessoa causa muitos danos para os que ficam.
Contudo trata-se de uma questão ética de difícil percepção pra quem está desesperado ou sofrendo muito. Portanto, como eu já disse, é dever da família, dos amigos e da sociedade como um todo, lutar para que a vida dessa pessoa melhore, para que ela retome o desejo de viver. E não bastam jargões e mandamentos de autoajuda a buzinar na orelha do suicida que ele "precisa querer, porque se ele quiser ele muda".
Nós, profissionais da área de saúde mental, precisamos ajudar essa pessoa a querer. Nós precisamos trabalhar no sentido de tentar reorganizar as interações dessa pessoa (ou até mesmo o seu equilíbrio fisiológico) para que ela comece a desejar e querer mais.

Saturday, February 06, 2016

ZIKA VÍRUS E ABORTO

Primeiramente, um recado pra quem é contra a legalização do aborto:

Você vai ajudar a criar e educar essa criança que não está sendo desejada? Coloque-se no lugar da mulher que não está desejando ter um filho, que não se sente em condições de ter essa criança, sendo obrigada a gestar por 9 meses e a parir.

É um processo muito longo e delicado para alguém que não está se sentindo em condições de mergulhar nessa jornada. É um ser da espécie humana que está para chegar e ele precisa ser muito bem recebido. Tudo isso precisa ser preparado com muito amor e dedicação. É por caso você quem vai passar por todas as dificuldades de uma gravidez? Você vai estar lá na hora do parto dessa mulher? Vai ser você quem vai sofrer todas as dores e percalços envolvidos numa gravidez e num parto, e com todas as obrigações de se criar um filho, para o resto da vida?

Agora multiplique essas dificuldades. Transforme-as em algo muito maior. Imagine se há uma possibilidade significativa de que essa criança tenha microcefalia ou se no ventre materno ela já tenha o diagnóstico de microcefalia. Se uma mãe não está se sentindo em condições de ter essa criança por que você acha que ela obrigatoriamente deve tê-la? Você acha que vai ser bom para o futuro dessa criança e dessa família o fato de que ela simplesmente não está sendo desejada?

E também, por favor, tome cuidado antes de ir logo rotulando esse tipo de reivindicação em relação aos direitos humanos como eugenia, como se um rótulo como esse fosse simplesmente suficiente para se encerrar a discussão. Eugenia diz respeito à eliminação de pessoas com algum tipo de deficiência, com o objetivo de melhoria genética da espécie. Tem, portanto, objetivos relacionados a um plano coletivo, os quais geralmente são colocados em prática por meio de coerção, de imposição. A moral eugenista ordena que os deficientes ou os mais fracos sejam eliminados, mesmo contra a vontade das mães dessas pessoas.

Quem é a favor da legalização do aborto está somente reivindicando um direito individual. Não está dizendo que obrigatoriamente os fetos com microcefalia devem ser abortados para o bem da humanidade. Isso seria eugenia, do modo como as pessoas logo entendem e se horrorizam. E não é isso o que está sendo reivindicado. Rotular de eugenista, acreditando que isso basta para refutar os argumentos de quem é a favor da legalização do aborto, é falacioso.

Mas você pode responder que uma das soluções seria facilitar a adoção nesses casos. Mas quem disse que essa mulher quer passar por tudo isso e depois entregar seu filho para terceiros que ela nem conhece? Você passaria por tudo isso para depois entregar seu filho para terceiros que você nem conhece?

Encerro com um texto de Heloisa Salgado, psicóloga, pesquisadora em saúde materno-infantil e direitos sexuais e reprodutivos, colega de 20 anos atrás, da época em que fiz em psicologia na USP:

“Sinto muitíssimo se alguém vai ficar chocado ou indisposto - é que eu sou completamente a favor de uma mulher que, ao descobrir que está gestando um bebê com microcefalia, independente de sua idade gestacional, tenha o direito de interromper esta gravidez.

Nenhuma mulher deveria ter negado o seu direito de decidir privar um filho de sofrimento.

Nenhuma mulher deveria ter negado seu direito de decidir privar a si e a todos em seu entorno do sofrimento por ter um bebê/criança/adulto portador de microcefalia.

Nenhuma mulher deveria ser obrigada a ter um bebê com uma má-formação tão grave e que, me desculpe, tem muitas explicações e nenhuma delas passa por questões religiosas ou espirituais. Pelo contrário. A saúde pública está aí para explicar.

Escolher interromper uma gestação de um bebê acometido por síndrome tão severa não é crime, ainda que a arcaica legislação brasileira insista em colocar nesses termos. E também não é egoísmo. É simplesmente empatia e respeito para com os limites e possibilidades individuais de cada um de nós.

Caso ainda tenha dúvidas de que a microcefalia leva a sofrimento, favor pesquisar os danos que a microcefalia causada pelo Zika vírus causa no cérebro e, consequentemente, no desenvolvimento global de uma pessoa.

Agora, se você tem relatos de casos de sucesso e de “não-sofrimento” de famílias e crianças acometidas pela microcefalia, por favor, comemore! Que bom que esse bebê/criança/adulto que possui a síndrome tenha nascido e ido para os braços dessa família que conseguiu acolhê-lo e dar todo o amor e o suporte necessários para conviver com suas dificuldades e limitações. No entanto, lembre-se de que somos todos diferentes e que não dá para usar a mesma régua para medir o sentimento, as possibilidades e os recursos (físicos e emocionais) de pessoas diferentes.

Ressalto que a única coisa que nunca, jamais, em hipótese alguma deveria acontecer é que pessoas que tenham decidido interromper a gestação de um bebê acometido por microcefalia - após ter sido devidamente informadas da situação e das consequências de sua decisão - sejam julgadas.

Lembrem-se: alguém que fez escolhas a partir de sua própria realidade, de sua história de vida e de seus limites e possibilidades, considerando uma tragédia tão grande como essa que estamos vivendo, merece nosso carinho, nosso respeito, nossa solidariedade e nossa compreensão."