O que diferencia a visão determinista, da visão não
determinista de causalidade? Em qual condição se situa a posição
Behaviorista Radical?
E se existe uma visão
não determinista
de causalidade, no que ela se basearia? Simplesmente
não consigo
concebê-la ou compreender
como uma concepção
destas pode ser defensável. A posição
Behaviorista Radical ,
obviamente, se alinha com uma concepção determinista .
A minha impressão
é que a concepção
não determinista
não passa
de uma sofística, cujos objetivos primários
e inconfessos estão mais a serviço de jogos
de poder próprios
ao obscurantismo do qualquer
outra coisa .
2 – A visão determinista de causalidade do comportamento
humano poderia
incluir o livre
arbítrio ? Por
quê ?
...Liberdade ,
essa palavra
que o sonho
humano alimenta
que não
há ninguém que
explique
eninguém
que não
entenda..."
e
Cecília Meireles
A epígrafe
de Cecília Meireles serve somente como inspiração inicial para a reflexão , não como visão modelar do que
pretendo tecer .
Se por
livre-arbítrio nos
reportarmos ao sentido de arbitrário ,
ou seja, aleatório ,
desprovido de qualquer
lei , de qualquer
possibilidade de entendimento ou razoabilidade mínima ,
não há, já
de início , qualquer
possibilidade de conciliação com uma visão determinista de causalidade do comportamento
humano .
A leitura
obrigatória , neste caso ,
é o clássico de Skinner “Beyond freedom
and dignity”. Na ausência de tempo disponível
para tal ,
remeti-me à leitura de William Baum
(1999) e boa parte dos tópicos , em seu livro , em que tratava
da questão do livre-arbítrio .
Segundo este
autor , a visão
determinista de causalidade do comportamento postula “que
o comportamento é determinado
unicamente pela hereditariedade
e pelo ambiente ”.
“O livre-arbítrio supõe um
terceiro elemento
além da hereditariedade
e do ambiente , supõe algo dentro do indivíduo ”. Ou seja, “o livre-arbítrio
afirma que a escolha
não é uma ilusão ,
que são
as próprias pessoas que
causam o comportamento .”(p. 29). Pois , “na prática , tem-se a impressão de que
a negação do livre-arbítrio
poderia solapar
toda a estrutura
moral de nossa
sociedade ” (p. 30). Pois muitos poderiam argumentar :
se o livre-arbítrio não
existe, por que
lutar por ele ? Estariam assim
justificadas todas as espécies de autoritarismo .
“Embora
seja verdadeiro que
a democracia se baseia na escolha , é falso
que a escolha
se torna sem
sentido ou
impossível se não
houver livre-arbítrio . A idéia
de que a escolha
desapareceria provém de uma noção excessivamente simplista da alternativa
ao livre-arbítrio . Se, numa eleição ,
uma pessoa puder votar de
duas formas , o voto
que de fato
ocorrer dependerá não
apenas de sua
história a longo
prazo (proveniência ,
educação , familiar ,
valores ), mas
também de eventos
imediatamente anteriores
à eleição . As campanhas
eleitorais existem precisamente
por esta razão .
Posso mudar de lado
em função
de um bom
discurso , sem
o qual eu
votaria em outro
candidato . Para
que uma eleição
tenha sentido , as pessoas
não precisam ser
livres ; basta
apenas que
seu comportamento
esteja aberto à influência
e persuasão (determinantes
ambientais de curto prazo )”.
(p.31)
Baum também
ressalta que nos
sentimos mais ou
menos livres
em função
das contingências a que
estamos submetidos. Pois “quando
o comportamento é modelado e mantido por reforço positivo , as pessoas
não se sentem coagidas, sentem-se livres ” (...) “O indivíduo
que coopera devido
a uma ameaça de punição
pode, em princípio ,
ser livre para enfrentar a ameaça ,
mas não
se sente livre para
fazê-lo.” (p. 178).
A idéia
de que existem escolhas
absolutamente livres
é de fato ilusória ,
ingênua :
“Os
homens imaginam ser
livres porque
têm consciência das suas
volições e dos seus
desejos , e não
pensam, nem em
sonho , nas causas
pelas quais se dispuseram a desejar e a querer , por não terem o
menor conhecimento
delas” (Spinoza, citado por
Comte-Sponville, 2002, p. 67).
E
o mais interessante é a ressonância que
uma consideração como
esta, de Spinoza, tem com a concepção da Análise
do Comportamento . Existem causas para o desejar e o querer , e isto limita a liberdade ,
transformando-a em mais
um evento
sujeito às contingências .
Dizer que o sujeito age assim ou assado porque quer , porque é livre ,
explica tão pouco
quanto dizer que bebe água porque tem sede .
São pseudo-explicações de caráter circular , tautologias . Ou
seja: bebe água porque
tem sede , e tem sede
porque bebe água .
“Somos
mais livres
do que os animais
porque temos um
eu , uma consciência
que se reconhece como
tal . Isto
nos torna
mais livres ,
mas não
absolutamente livres .
Adotar a idéia
de que estamos condenados
inelutavelmente à liberdade , parece-me
uma fascinação provocada pela ilusão que a própria condição de possuir um eu pode despertar , a ilusão
de Narciso , que
se entusiasma com
a própria imagem
e em seus
labirintos se perde” (Facioli, 2003, p.
140).
Nossas
escolhas são
sempre condicionadas a nossos contextos
e limitações . A liberdade
absoluta é uma ilusão
de nosso próprio
narcisismo .
Voltando
a Baum (1999):
“Na
verdade , pode-se argumentar
que o livre-arbítrio
é simplesmente um
nome para a ignorância dos determinantes
do comportamento . Quanto
mais sabemos das razões
que estão por
trás dos atos
de uma pessoa , tanto
menos nos
inclinamos a atribuir esses
atos ao livre-arbítrio ”
(p. 32).
E
finalizando com Comte-Sponville (2002):
“Ninguém
nasce livre , torna-se livre . Pelo menos é o que penso , e que , por isso , a liberdade nunca
é absoluta , nem
infinita , nem
definitiva : que
somos mais ou menos livres e que se
trata , é claro ,
de o sermos o mais possível .”
(p. 74)
3 – Que argumentos poderiam ser apresentados em defesa
do determinismo e da busca por regularidades no comportamento humano, a partir
das seguintes críticas (fonte: Chiesa, 1994, cap. 5).
a.
argumento da individualidade humana.
b.
argumento da complexidade do comportamento humano.
c. argumento do comportamento
intencional .
a. A busca por leis causais não nega a unicidade dos fenômenos . Individualidade
ou unicidade também
se aplicam a todos os outros fenômenos
naturais .
b. O fato de ser complexo não prova indeterminação .
Complexidade não implica necessariamente
em perplexidade ou
desordem . A ciência
progride da complexidade para a ordem .
Segundo Chiesa, o argumento
da complexidade poderia ser
aplicado a qualquer ramo
científico em
seus estágios
iniciais de desenvolvimento :
“durante muito
tempo , antes
do desenvolvimento científico
da química , a redução de milhares de compostos
químicos a um
pequeno e finito
número de elementos
parecia meramente fantasiosa .”
(p. 103)
c. Como bem diz Chiesa: “Um evento futuro , uma vez
que ainda
não aconteceu e talvez
nunca ocorra, não
pode causar um
comportamento .” (p. 104)
Em relação
às previsões místicas
diz que elas
são tão
vagas que
não há como
confirmá-las nem desmenti-las. Ou seja, impera o obscurantismo
e o desespero em
se encontrar logo
uma significação. E o desespero em se encontrar um sentido pode
ser concebido como
superstição .
Em relação
a correlações entre
comportamento e estrutura
corporal , o que
Skinner escreve é digno de nota :
Isso nos
impõe sempre lembrar
que correlação
não é causa .
Outro expediente ,
segundo Skinner, também
muito utilizado pelo
leigo para “explicar ” o comportamento
é o apelo à herança
genética , ao “nasce assim ”,
o qual teria pouco
a ver com fatos demonstrados, pois “mesmo quando
pode ser demonstrado que
certo aspecto
do comportamento é devido
à estação do nascimento, ao tipo físico de um modo geral , ou à constituição genética ,
o possível uso
desse conhecimento é muito limitado” (p. 27).
Efeito : variável
dependente , a qual
ocorre em função
de determinadas causas , as chamadas variáveis
independentes . Assim
o Behaviorismo prefere adotar
a concepção de relações
funcionais , invés
de simplesmente causais .
Pois estas últimas muitas vezes
possuem implicações de cunho mecanicista.
4 – Por que algumas causas
populares do comportamento ,
tais como
as citadas por Skinner (1953), se mantêm
em nossa
cultura ?
Skinner (1953) diz: “Qualquer evento
conspícuo que
coincida com a emissão
de um comportamento
humano pode bem
ser tomado como
uma causa ” (p. 25). Ele
continua o texto com
o exemplo da astrologia
e numerologia . E termina por enunciar duas razões básicas para que se mantenham como
causas populares
do comportamento em
nossa cultura :
o sentido de coincidência
ou correlação
que produzem e suas
previsões vagas .
O fato
de existirem correlações ou coincidências
não prova o que produziu o que ,
o que é causa
e o que é efeito .
Além também
do fato de algumas coincidências
serem supervalorizadas. São valorizados
os acertos e desprezados os erros : “as falhas
são encobertas enquanto
um acerto
ocasional é bastante
dramático para
manter o comportamento
crédulo suficientemente
forte ”.
“Mesmo
quando se demonstra uma correlação entre
comportamento e estrutura
corporal , nem
sempre se distingue qual
é a causa e qual
é a conseqüência . Mesmo
que métodos
estatísticos possam demonstrar
que os homens
gordos são
especialmente propensos
à alegria , ainda
não se conclui que
o físico determina o temperamento .” (p. 27).
5 – Quais as críticas de Skinner (1953) às seguintes
causas internas do comportamento :
a.
causas neurais
b.
causas internas psíquicas
c.
causas interiores conceituais.
“Não
há nada de errado em
uma explicação interior ,
como tal ,
mas os eventos
que se localizam no interior
de um sistema
tendem a ser difíceis de se observar .
Por essa razão
é fácil conferir-lhes propriedades sem
justificação . Pior
ainda , é possível
inventar-se causa desta espécie
sem medo de contradição ” (Skinner, 1953, p. 28)
“As causas
a serem buscadas no sistema nervoso são , destarte , de utilidade
restrita na previsão e controle de um comportamento específico ”
(p. 30).
De modo
geral , as chamadas
causas neurais
parecem não passar
de correlatos das chamadas causas internas. Exemplo :
o sujeito se encontra
ansioso e logo
uma região específica
de seu cérebro
demonstra atividade fisiológica
correlata e significativa , ou neurotransmissores
correlatos possuem sua taxa
significativamente alterada. Estas
alterações neurais , contudo ,
podem ser produzidas por
alterações externas e estas é que irão interessar à análise do comportamento .
Correlatos neurais , assim
como os internos ,
implicam em redundância ,
em explicações
tautológicas. Uma análise destas “explicações ” prova que não passam
de “meras descrições redundantes ”, como
muito bem
enuncia Skinner.
6 – O que vem a ser uma “causa ” e um “efeito ” na concepção Behaviorista
Radical ?
O que me possibilita entender um pouco mais dessas explicações
reporta-se ao princípio leibniziano da causa suficiente . Se
adotarmos uma visão linear
e restrita de causa , a de que
tudo tem uma causa ,
uma causa acaba levando a outra
e isso até
o infinito : “o que
causa x? y. e o que
causou y? z....”. E assim encadeamos uma
série infinita .
Por outro
lado , a idéia
de relações funcionais
remete a noção de teias ,
redes causais
e muitas situações de múltipla e mútua
determinação . Mas
este é ainda
um tópico
em que
guardo inúmeras questões a serem melhor pensadas.
O que , de fato ,
Ernest Mach propunha com o princípio das relações
funcionais ? E o argumento
de Hume então , o qual
nunca compreendi plenamente ?
Por falta
de tempo , não
tive como escrever
e ler mais sobre esta questão , apesar de ter lido tudo em Chiesa
a respeito .
Baum, W.M. (1999). Compreender o Behaviorismo .
Porto Alegre : Artmed.
Chiesa, M. (1994). Behaviorismo
radical : a filosofia
e a ciência . Brasília: IBAC.
Comte-Sponville, A. (2002). Apresentação da filosofia . São Paulo:
Martins Fontes .
Comte-Sponville, A. (2003). Dicionário
filosófico. São Paulo: Martins Fontes .
Facioli,
A. M. (2003). “Narcisismo e liberdade ”. Em :
O espírito da ironia
na clínica psicológica .
Tese de Doutorado ,
Universidade de Brasília, Brasília.
Moreira, M.B. &
Medeiros, C.A. (2007). Princípios
Básicos de Análise
do Comportamento . Porto
Alegre :
Artmed.
Skinner,
B. F. (1953/1981). Ciência e comportamento humano .
São Paulo: Martins Fontes .
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