Saturday, February 20, 2016

Determinismo e Análise do Comportamento

O que diferencia a visão determinista, da visão não determinista de causalidade? Em qual condição se situa a posição Behaviorista Radical?

Segundo André Comte-Sponville (2003), o determinismo é um posicionamento eminentemente científico, pois parte do princípio filosófico da causa suficiente. O que enuncia este princípio, cuja formalização é geralmente atribuída a Leibniz? Enuncia, basicamente, que tudo tem causas, ou antecedentes determinantes. Ou seja, nada é sem causa. Há a sempre a possibilidade de explicações ou da atribuição de causas, de determinantes. Embora isto não queira dizer que sejamos capazes, algum dia, de tudo explicar. O princípio da causa suficiente não implica em uma onipotência explicativa ou epistemológica.
E se existe uma visão não determinista de causalidade, no que ela se basearia? Simplesmente não consigo concebê-la ou compreender como uma concepção destas pode ser defensável. A posição Behaviorista Radical, obviamente, se alinha com uma concepção determinista. A minha impressão é que a concepção não determinista não passa de uma sofística, cujos objetivos primários e inconfessos estão mais a serviço de jogos de poder próprios ao obscurantismo do qualquer outra coisa.
Contudo, por outro lado, há confusões conceituais no debate em questão, entre deterministas e não deterministas. Os primeiros, muito geralmente, conceituam o determinismo de modo diverso dos segundos. A posição determinista, no Behaviorismo Radical, não se estende para o sentido de predeterminação. E é muitas vezes que as querelas se instalam. Humanistas, por exemplo, geralmente conceituam o determinismo como a marca implacável do ambiente, a qual retiraria do sujeito toda e qualquer responsabilidade sobre seus atos e, amiúde, acabam desembocando no que seria, na verdade, o conceito de predeterminação.
Para o Behaviorismo Radical não há predeterminação. Este conceito, aliás, possui implicações, algumas vezes, bem pouco científicas. Se ser determinado é atuar como variável dependente de fatores antecedentes ou disposicionais, ser predeterminado é invariavelmente se comportar de um modo específico, sendo deixada a interação entre sujeito e ambiente em segundo plano ou completamente obliterada.
Mas os problemas conceituais não terminam . Vejamos o caso, por exemplo, de uma criança que nasça sem cérebro. Não está ela predeterminada a não conseguir realizar funções básicas de percepção, locomoção, pensamento e interação ambiental? Há uma estrutura, ou uma ausência de funções básicas, que predeterminam ou predizem categoricamente como será seu comportamento.
Não esqueçamos, contudo, o alerta de Moreira & Medeiros (2007), de que predizer não implica necessariamente em certeza. Aumentar nossa capacidade de predição é também conseguir estabelecer faixas de probabilidades ou tendências. O reforço, por exemplo, aumenta a probabilidade de resposta. Não implica necessariamente na resposta desejada. É uma direção. Predizer, em ciência, é, em grande medida, trabalhar com probabilidades e tendências. No caso da Análise do Comportamento, podemos falar em tendências de resposta.

2 – A visão determinista de causalidade do comportamento humano poderia incluir o livre arbítrio? Por quê?

...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que nãoninguém que explique
e ninguém que não entenda..."
Cecília Meireles

A epígrafe de Cecília Meireles serve somente como inspiração inicial para a reflexão, não como visão modelar do que pretendo tecer.
Se por livre-arbítrio nos reportarmos ao sentido de arbitrário, ou seja, aleatório, desprovido de qualquer lei, de qualquer possibilidade de entendimento ou razoabilidade mínima, não há, de início, qualquer possibilidade de conciliação com uma visão determinista de causalidade do comportamento humano.
A leitura obrigatória, neste caso, é o clássico de Skinner “Beyond freedom and dignity”. Na ausência de tempo disponível para tal, remeti-me à leitura de William Baum (1999) e boa parte dos tópicos, em seu livro, em que tratava da questão do livre-arbítrio. Segundo este autor, a visão determinista de causalidade do comportamento postula “que o comportamento é determinado unicamente pela hereditariedade e pelo ambiente”. “O livre-arbítrio supõe um terceiro elemento além da hereditariedade e do ambiente, supõe algo dentro do indivíduo”.  Ou seja, “o livre-arbítrio afirma que a escolha não é uma ilusão, que são as próprias pessoas que causam o comportamento.”(p. 29). Pois, “na prática, tem-se a impressão de que a negação do livre-arbítrio poderia solapar toda a estrutura moral de nossa sociedade” (p. 30). Pois muitos poderiam argumentar: se o livre-arbítrio não existe, por que lutar por ele? Estariam assim justificadas todas as espécies de autoritarismo.
Contudo, ainda segundo Baum:
Embora seja verdadeiro que a democracia se baseia na escolha, é falso que a escolha se torna sem sentido ou impossível se não houver livre-arbítrio. A idéia de que a escolha desapareceria provém de uma noção excessivamente simplista da alternativa ao livre-arbítrio. Se, numa eleição, uma pessoa puder votar de duas formas, o voto que de fato ocorrer dependerá não apenas de sua história a longo prazo (proveniência, educação, familiar, valores), mas também de eventos imediatamente anteriores à eleição. As campanhas eleitorais existem precisamente por esta razão. Posso mudar de lado em função de um bom discurso, sem o qual eu votaria em outro candidato. Para que uma eleição tenha sentido, as pessoas não precisam ser livres; basta apenas que seu comportamento esteja aberto à influência e persuasão (determinantes ambientais de curto prazo)”. (p.31)
Baum também ressalta que nos sentimos mais ou menos livres em função das contingências a que estamos submetidos. Poisquando o comportamento é modelado e mantido por reforço positivo, as pessoas não se sentem coagidas, sentem-se livres” (...) “O indivíduo que coopera devido a uma ameaça de punição pode, em princípio, ser livre para enfrentar a ameaça, mas não se sente livre para fazê-lo.” (p. 178).
A idéia de que existem escolhas absolutamente livres é de fato ilusória, ingênua:
“Os homens imaginam ser livres porque têm consciência das suas volições e dos seus desejos, e não pensam, nem em sonho, nas causas pelas quais se dispuseram a desejar e a querer, por não terem o menor conhecimento delas” (Spinoza, citado por Comte-Sponville, 2002, p. 67).
E o mais interessante é a ressonância que uma consideração como esta, de Spinoza, tem com a concepção da Análise do Comportamento. Existem causas para o desejar e o querer, e isto limita a liberdade, transformando-a em mais um evento sujeito às contingências. Dizer que o sujeito age assim ou assado porque quer, porque é livre, explica tão pouco quanto dizer que bebe água porque tem sede. São pseudo-explicações de caráter circular, tautologias. Ou seja: bebe água porque tem sede, e tem sede porque bebe água.
Como Skinner deixa muito claro no terceiro capítulo de “Ciência e comportamento humano” (1953/1981), a causas sempre tem de ser buscadas em seu plano mais factível (ambiental, externo) e da ação. O apelo à causalidade interna, além de não explicar nada, também não aponta para qualquer alternativa de uma solução plausível para o problema. Se o sujeito bebe água porque tem sede, para resolver a situação basta que beba água. Ou seja: uma tautologia, uma “explicaçãotipobeco sem saída”.  Contudo, se nos voltarmos para fatores externos, tudo fica bem mais real e prático. O comportamento de beber água pode estar ocorrendo em função de diversos fatores, tais como: calor excessivo, dieta com muito sal, privação, etc. E estes sim são fatores manipuláveis, específicos, factíveis e passíveis de controle.
Talvez caiba, também, citar aqui uma passagem de minha tese de doutorado:
“Somos mais livres do que os animais porque temos um eu, uma consciência que se reconhece como tal. Isto nos torna mais livres, mas não absolutamente livres. Adotar a idéia de que estamos condenados inelutavelmente à liberdade, parece-me uma fascinação provocada pela ilusão que a própria condição de possuir um eu pode despertar, a ilusão de Narciso, que se entusiasma com a própria imagem e em seus labirintos se perde” (Facioli, 2003, p. 140).
Nossas escolhas são sempre condicionadas a nossos contextos e limitações. A liberdade absoluta é uma ilusão de nosso próprio narcisismo.
Voltando a Baum (1999):
“Na verdade, pode-se argumentar que o livre-arbítrio é simplesmente um nome para a ignorância dos determinantes do comportamento. Quanto mais sabemos das razões que estão por trás dos atos de uma pessoa, tanto menos nos inclinamos a atribuir esses atos ao livre-arbítrio” (p. 32).
E finalizando com Comte-Sponville (2002):
Ninguém nasce livre, torna-se livre. Pelo menos é o que penso, e que, por isso, a liberdade nunca é absoluta, nem infinita, nem definitiva: que somos mais ou menos livres e que se trata, é claro, de o sermos o mais possível.” (p. 74)


3 – Que argumentos poderiam ser apresentados em defesa do determinismo e da busca por regularidades no comportamento humano, a partir das seguintes críticas (fonte: Chiesa, 1994, cap. 5).
            a. argumento da individualidade humana.
            b. argumento da complexidade do comportamento humano.
            c. argumento do comportamento intencional.

a. A busca por leis causais não nega a unicidade dos fenômenos. Individualidade ou unicidade também se aplicam a todos os outros fenômenos naturais.
b. O fato de ser complexo não prova indeterminação. Complexidade não implica necessariamente em perplexidade ou desordem. A ciência progride da complexidade para a ordem. Segundo Chiesa, o argumento da complexidade poderia ser aplicado a qualquer ramo científico em seus estágios iniciais de desenvolvimento: “durante muito tempo, antes do desenvolvimento científico da química, a redução de milhares de compostos químicos a um pequeno e finito número de elementos parecia meramente fantasiosa.” (p. 103)
c. Como bem diz Chiesa: “Um evento futuro, uma vez que ainda não aconteceu e talvez nunca ocorra, não pode causar um comportamento.” (p. 104)


4 – Por que algumas causas populares do comportamento, tais como as citadas por Skinner (1953), se mantêm em nossa cultura?

Skinner (1953) diz: “Qualquer evento conspícuo que coincida com a emissão de um comportamento humano pode bem ser tomado como uma causa” (p. 25). Ele continua o texto com o exemplo da astrologia e numerologia. E termina por enunciar duas razões básicas para que se mantenham como causas populares do comportamento em nossa cultura: o sentido de coincidência ou correlação que produzem e suas previsões vagas.
O fato de existirem correlações ou coincidências não prova o que produziu o que, o que é causa e o que é efeito. Além também do fato de algumas coincidências serem supervalorizadas. São valorizados os acertos e desprezados os erros: “as falhas são encobertas enquanto um acerto ocasional é bastante dramático para manter o comportamento crédulo suficientemente forte”.
Em relação às previsões místicas diz que elas são tão vagas que nãocomo confirmá-las nem desmenti-las. Ou seja, impera o obscurantismo e o desespero em se encontrar logo uma significação. E o desespero em se encontrar um sentido pode ser concebido como superstição.
Em relação a correlações entre comportamento e estrutura corporal, o que Skinner escreve é digno de nota:
Mesmo quando se demonstra uma correlação entre comportamento e estrutura corporal, nem sempre se distingue qual é a causa e qual é a conseqüência. Mesmo que métodos estatísticos possam demonstrar que os homens gordos são especialmente propensos à alegria, ainda não se conclui que o físico determina o temperamento.” (p. 27).
Isso nos impõe sempre lembrar que correlação não é causa.
Outro expediente, segundo Skinner, também muito utilizado pelo leigo paraexplicar” o comportamento é o apelo à herança genética, ao “nasce assim”, o qual teria pouco a ver com fatos demonstrados, poismesmo quando pode ser demonstrado que certo aspecto do comportamento é devido à estação do nascimento, ao tipo físico de um modo geral, ou à constituição genética, o possível uso desse conhecimento é muito limitado” (p. 27).

5 – Quais as críticas de Skinner (1953) às seguintes causas internas do comportamento:
            a. causas neurais
            b. causas internas psíquicas
            c. causas interiores conceituais.


Nãonada de errado em uma explicação interior, como tal, mas os eventos que se localizam no interior de um sistema tendem a ser difíceis de se observar. Por essa razão é fácil conferir-lhes propriedades sem justificação. Pior ainda, é possível inventar-se causa desta espécie sem medo de contradição” (Skinner, 1953, p. 28)
“As causas a serem buscadas no sistema nervoso são, destarte, de utilidade restrita na previsão e controle de um comportamento específico” (p. 30).
De modo geral, as chamadas causas neurais parecem não passar de correlatos das chamadas causas internas. Exemplo: o sujeito se encontra ansioso e logo uma região específica de seu cérebro demonstra atividade fisiológica correlata e significativa, ou neurotransmissores correlatos possuem sua taxa significativamente alterada. Estas alterações neurais, contudo, podem ser produzidas por alterações externas e estas é que irão interessar à análise do comportamento. Correlatos neurais, assim como os internos, implicam em redundância, em explicações tautológicas. Uma análise destas “explicaçõesprova que não passam de “meras descrições redundantes”, como muito bem enuncia Skinner.

6 – O que vem a ser uma “causa” e umefeito” na concepção Behaviorista Radical?

Efeito: variável dependente, a qual ocorre em função de determinadas causas, as chamadas variáveis independentes. Assim o Behaviorismo prefere adotar a concepção de relações funcionais, invés de simplesmente causais. Pois estas últimas muitas vezes possuem implicações de cunho mecanicista.

O que me possibilita entender um pouco mais dessas explicações reporta-se ao princípio leibniziano da causa suficiente. Se adotarmos uma visão linear e restrita de causa, a de que tudo tem uma causa, uma causa acaba levando a outra e isso até o infinito: “o que causa x? y. e o que causou y? z....”. E assim encadeamos uma série infinita. Por outro lado, a idéia de relações funcionais remete a noção de teias, redes causais e muitas situações de múltipla e mútua determinação. Mas este é ainda um tópico em que guardo inúmeras questões a serem melhor pensadas.  O que, de fato, Ernest Mach propunha com o princípio das relações funcionais? E o argumento de Hume então, o qual nunca compreendi plenamente? Por falta de tempo, não tive como escrever e ler mais sobre esta questão, apesar de ter lido tudo em Chiesa a respeito

Referências:
Baum, W.M. (1999). Compreender o Behaviorismo. Porto Alegre: Artmed.
Chiesa, M. (1994). Behaviorismo radical : a filosofia e a ciência. Brasília: IBAC.
Comte-Sponville, A. (2002). Apresentação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes.
Comte-Sponville, A. (2003). Dicionário filosófico. São Paulo: Martins Fontes.
Facioli, A. M. (2003). “Narcisismo e liberdade”. Em: O espírito da ironia na clínica psicológica. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, Brasília.
Moreira, M.B. & Medeiros, C.A. (2007). Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre:
Artmed.
Skinner, B. F. (1953/1981). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.

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