Friday, July 31, 2015

Da poesia desisti

da poesia desisti. agora é ruína: restos e rastros que arrasto, voz morta na gaveta, boi sem pasto. hoje sou pele e osso de tudo o que já escrevi...

Sunday, July 26, 2015

Diretivo ou não-diretivo?

Desde o final de minha pesquisa de doutorado me incomodo com essa pretensa dualidade entre diretividade e não-diretividade em psicoterapia. Quem mais se dedica a tratar desse ponto, na minha compreensão, são os humanistas. Mas a minha impressão é a de que os humanistas mais esclarecidos sabem muito bem que não existe não-diretividade absoluta, a qual de alguma forma poderia ser equalizada a uma espécie de neutralidade.

Contudo, um texto que me incomodou nesse aspecto foi de um psicanalista, Renato Mezan, ao sugerir que a Psicanálise não faz uso da sugestão, em pretensa (e na minha concepção, falsa) oposição a todas as outras abordagens em psicoterapia. Ao procurar demonstrar a especificidade da Psicanálise, esse autor distingue três modalidades de ação da palavra em psicoterapias verbais: sugestão, catarse e interpretação. Mezan insinua que o psicanalista, ao cumprir a abstinência, não trabalha com a sugestão:

“Abstinência da sugestão: o psicanalista se limita a interpretar os dizeres do paciente, sem pretender impor, direta ou indiretamente, modelos e normas de ação ou pensamento, em vista do que chega ao extremo de preservar o segredo sobre suas próprias opiniões ou reações. (...) Em última instância, portanto, a abstinência é abstinência de referir-se à ou de intervir na realidade externa,
concentrando-se a atenção do psicanalista na interpretação do “mundo interno” tal como se expressa no elemento da transferência” (Mezan, 1988, p.30).

A Filosofia Analítica, mais propriamente a Análise da Linguagem Ordinária, me ajudaram a perceber que a forma dos enunciados é menos relevante do que o contexto em que são proferidos. Um terapeuta pode se valer de diversos enunciados que possuem forma descritiva (ou se valer somente de perguntas), se iludindo de que está somente descrevendo, não sendo diretivo ou que está somente “interpretando”, mas sugestões veladas, indiretas, podem ter um papel muito maior de diretividade, comando, do que sugestões diretas. É o que os analistas do comportamento, por exemplo, classificam como mando (comando verbal) disfarçado.

Não tenho dúvidas de que é fundamental estimular a auto-observação, e que o paciente desenvolva cada vez mais a sua capacidade para se sensibilizar às condições que controlam seu comportamento. É desejável que o comportamento, tanto do paciente quanto do terapeuta, seja predominantemente governado por contingências e não por regras.

Mas existem regras que foram sedimentados pela pesquisa científica: essa última frase (no parágrafo acima) é um exemplo claríssimo disso. Nossas concepções técnicas são permeadas por juízos, regras estabelecidas por pesquisas científicas, ou mesmo pelo acúmulo de evidências empíricas não necessariamente científicas, mas evidências da própria prática. Se afirmamos que uma determinada diretriz é mais desejável do que outra, que alguns procedimentos devem ser tomados e não outros, estamos partindo de regras.

Portanto, me desculpem, mas não vejo muito sentido no orgulho com o qual alguns terapeutas enchem a boca, com ares de superioridade, a dizerem que trabalham de modo não-diretivo. Estamos sempre influenciando as pessoas:

“Não se pode dizer que: “sem linguagem não poderíamos entender-nos uns com os outros”, mas sim: “sem linguagem não podemos influenciar outros homens desta ou daquela maneira, não podemos construir estradas e máquinas” etc. E também que: “sem o uso da fala e da escrita os homens não se podem entender uns com os outros” (Wittgenstein, 1996, § 491, p. 136).

Se essa influência sempre existe, por que ela deixaria de existir onde ela na verdade se torna potencializada: no consultório de Psicologia? Desculpe-me, colega, mas você influencia sim, e sua crença de que é não é diretivo pode ser muito mais nefasta do que uma diretividade esclarecida.

Portanto, desde o final de minha pesquisa de doutorado, tenho preferido me classificar como um diretivista esclarecido do que como um não-diretivista ou alguém que tenha a capacidade sobrenatural da neutralidade.

Referências:

Mezan, R. (1988) A vingança da esfinge: ensaios de Psicanálise. São Paulo: Brasiliense.
Wittgenstein, L. (1996) Investigações Filosóficas. São Paulo: Nova Cultural.

Thursday, July 16, 2015

Existem limites para a liberdade de expressão?

Existem limites para a liberdade de expressão, seja ela escrita ou em obras artísticas?

Sim, existem. Você não pode, por exemplo, sair por aí ameaçando as pessoas de morte. Não pode divulgar as fotos íntimas de outras pessoas (mesmo que isso lhe pareça lindo e maravilhoso, uma obra de arte...) se elas não tenham lhe dado autorização para tal. Não pode divulgar que uma determinada pessoa cometeu um crime sem ter provas. Porque tudo isso é muito perigoso, pode despertar ódio. Pessoas podem morrer em função de afirmações mentirosas ou boatos que façam menção a crimes ou atos imorais que não ocorreram.

E tudo isso fica muito mais complicado quando as agressões verbais, ou o que chamam de "liberdade de expressão", começam a se dirigir para grupos de pessoas menos favorecidos ou minoritários, os quais são mais vulneráveis e desprotegidos em um determinado contexto social.

Talvez seja importante pensar um pouco nisso antes de vociferar em favor da irrestrita liberdade de expressão ou de querer transformar em crime toda e qualquer representação que você julga como ofensiva em relação à uma ideia, símbolo ou imagem que você ama.

Plano de suicídio

A maioria aqui sabe que sou um militante da legalização da eutanásia e do suicídio assistido.

Sei que posso, diante de uma situação real, mudar completamente de ideia. Mas, por enquanto, penso do seguinte modo: se eu recebesse hoje o diagnóstico de uma doença degenerativa e incurável como, por exemplo, a esclerose lateral amiotrófica, meu pensamento hoje é o de que eu não hesitaria em optar pelo suicídio assistido. Eu entraria imediatamente em contato com a clínica Dignitas, na Suíça, para me inscrever e entrar na fila do suicídio assistido.

Eu não ia esperar para que o destino fizesse o que ele quisesse comigo, porque a minha experiência de observar o que o destino fez com as pessoas nesse tipo de situação é da ordem do horror. Qualquer um de nós deseja uma morte boa. Não existe quem deseje morrer afogado, queimado, ou muito lentamente, encarcerado em seu próprio corpo, e padecendo de sofrimentos muito intensos, sem inclusive a capacidade de poder comunicar o que está ocorrendo, e sem a menor perspectiva de poder exercer seu direito de terminar rapidamente com a própria vida, já que não lhe resta outra alternativa, que sua vida não vale mais a pena, sendo somente um fardo sem fim.

Sim: eu tenho um plano de suicídio assistido para esse tipo de situação extrema (uma espécie de seguro de morte), mas respeito e admiro muito quem tem a coragem ou a ilusão de acreditar que certamente terá uma morte tranquila, enfim, de acreditar na sorte.

Discurso se trata com mais discurso

A presidente Dilma deu uma entrevista, publicada em 07/07/2015 na Folha de São Paulo. Disse que não vai cair, que não está com medo, que não está aterrorizada, e que esse período turbulento pra ela é moleza em comparação com o que já sofreu durante a ditadura militar, quando foi torturada. Há boatos de que ela teria tentado o suicídio. Ela nega:

“Outro dia postaram que eu tinha tentado suicídio, que estava traumatizadíssima. Não aposta nisso, gente. Foi cem mil vezes pior ser presa e torturada. Vivemos numa democracia. Não dá para achar que isso aqui seja uma tortura. Não é”, disse. “Eu não quis me suicidar na hora em que eles estavam querendo me matar [na prisão, durante a ditadura militar]! A troco de quê vou querer me suicidar agora? É absolutamente desproporcional.”

Nos primeiros 30 minutos da entrevista com Jô Soares deixou claro que a melhor forma de se lidar com os discursos que estão circulando hoje, até mesmo alguns mais autoritários, é a via democrática, é deixar que as pessoas falem.

Obviamente não existe liberdade absoluta de expressão. Ameaças de morte, calúnia e incitação ao ódio são os casos mais exemplares de crimes referentes ao discurso. Podem causar muitos danos, e em muitas situações até mesmo difamação e injúria também podem levar a efeitos similares.

Pelo que estou acompanhando, acredito que ela esteja de fato menos abalada do que muitos estão imaginando. Muitos criticam, dizendo que o governo não está reagindo a uma possível ascensão do fascismo no país, que o governo está meio autista. Alguns chegam a ser afirmar que os ovos já quebraram, em analogia ao "ovo da serpente", a metáfora que simbolizava o nascimento do fascismo na Alemanha, na década de 20. 

Os mais exaltados com esse tipo de possibilidade que me perdoem, mas não consigo acreditar nesse tipo de afirmação. Se assim fosse, os americanos já teriam sido engolidos pelo fascismo há muito tempo ou por diversas vezes, pois a história de sua democracia está recheada de ameaças similares ou até mesmo de maior magnitude do que as observadas em nosso país. Essa fratura social da qual estamos padecendo hoje é a própria realidade deles, desde sempre. E em um determinado aspecto eles são exemplares: o respeito pela liberdade de expressão. Discurso se trata com mais discurso. O remédio para discursos inflamados é o debate e não a tentativa de silenciamento. 

Percebo nas falas de Dilma que para ela isso é muito claro. Espero que isso esteja claro também para seus apoiadores. Não faz o menor sentido tentar silenciar quem está protestando, expressando o que pensa, mesmo que isso se dê com humor de mau gosto ou com pedidos para o retorno da ditadura. Não se previne fascismos de direita, se antecipando a estes com atos fascistas de esquerda. Isso é contrassenso.

"É só um detalhe..."

Por Davi Simões
Um dia, em uma reunião no Facebook, alguém dá uma ideia de alterar o visual. "Pô Zuck, tava reparando que o ícone de solicitação de amizades tem um bonequinho de homem e um de mulher, com o do homem na frente. A gente podia colocar os dois no mesmo plano, com o da mulher na frente, pra dar destaque pra mulher. Afinal, por que manter o do homem na frente?" Zuckerberg curte a ideia e resolvem anunciar sua implementação.
No dia seguinte, um milhão de pessoas reclamam que feminista vê machismo em tudo, falando que é só um desenho e que problematizar isso é procurar pelo em ovo.
Mas você não acabou de dizer que é só um desenho? Qual o problema em mudá-lo, então? Eu também detesto ativistas radicais (quase um pleonasmo), mas o pessoal tá num estado de alerta tão grande que já encrenca com qualquer iniciativa de representatividade.
(Aliás, se mudar o ícone incomoda tanta gente, talvez não seja "só um ícone" como os reclamões tão dizendo, né...)

"E é a mesmíssima coisa com o "Deus seja louvado" nas cédulas. "Ah que falta do que fazer, é só uma frase no dinheiro!", ah é? Então tira uai! Já que não tem importância nenhuma" (Guilherme Tomishiyo).

As contradições do nosso sistema

Por Rogério Jorge Da Silva Figueiredo

As contradições do nosso sistema são evidentes. Talvez por isso a repulsa que sinto por elas seja tão grande. É que se são notórias, mas persistem mesmo assim, então a conclusão mais imediata é que somos hipócritas e isso talvez seja o pior dos vícios.

Vejamos o caso do nosso subsistema penal, a criminalização do furto de pequenas coisas e a resistência (inclusive - e principalmente - institucional) ao princípio da insignificância.

Os mesmos que insistem em dizer que toda e qualquer transgressão deve ser punida com o rigor da lei, são também aqueles que, no aconchego dos seus lares fazem download de softwares piratas.

Há os que dizem que não é a mesma coisa. Que o último caso é socialmente menos prejudicial que o primeiro. Será? Quando se furta algo de uma empresa ou pirateia aquilo que é sua atividade fim, não estamos nós violando o seu patrimônio? Que diferença há, portanto, naqueles que furtam pequenos bens em supermercados daqueles que recorrem a sites piratas para violar propriedade intelectual?

Aliás, dado o elevado preço de tais softwares, se fôssemos fazer uma varredura na casa de cada um de nós a fim de somar o valor estimado em programas pirateados, estaríamos muito além do limite estabelecido pelo STJ como sendo "insignificante" (um salário mínimo). Quantos aqui não baixam coletâneas inteiras pelo PirateBay? E o que dizer dos GBs de filmes?

Nossa hipocrisia não para por aí. Ela cria raízes institucionais. O nosso Código estabelece uma pena de no máximo um ano para o crime de violação de direito autoral (art. 184), isso equivale a pena MÍNIMA de furto simples (art. 155). 

Pior! Se você pular um muro e furtar os bens produzidos pelo pirata (aquele que falsifica e comercializa o software), receberá uma pena maior (máxima de 8 anos) do que a dele por falsificar (máxima de quatro anos).

É por isso que nosso sistema é foda. Ele não é foda porque não se pune. Já punimos demais, eis que punimos por tão pouca coisa. Ele é foda porque enquanto os defensores do tolerância zero usam impunemente seus Windows 8 pirata para despejar a fúria no facebook, o STF julga se o furto de duas galinhas é crime, tudo isso porque o Ministério Público achou por bem recorrer tantas vezes quanto fosse necessário para garantir a "justiça".

Sigamos em frente, somos todos hipócritas. Estamos todos na lama.

Relembrar é viver

"Você não está sendo oprimido quando outro grupo ganha os direitos que você sempre teve"

“Os que comem bem, dormem bem e têm boas casas acham que se gasta demais em política social” (José Mujica)

Orientação sexual não é opção

Orientação sexual não é opção, e não faz diferença se isso será justificado com determinantes biológicos ou sociais.

Para dizer que algo é opção, a pessoa que está escolhendo deve ser suscetível às opções em jogo. Pra você, que é heterossexual, farei a seguinte pergunta, a qual espero que possa fazer com que você se conscientize um pouco do que está falando: sentir atração por pessoas do mesmo sexo é opção pra você? É obvio que isso não é nem nunca foi opção pra você. E se você me disser que optou pela heterossexualidade, a pergunta é: quando ocorreu isso? Quando foi que você fez essa escolha consciente? Quando foi que você ponderou sobre todas os aspectos favoráveis e desfavoráveis relacionados à sua futura orientação e pensou: "Agora optarei por isso, serei isso e não aquilo"? E me responda, por favor, quem é que opta por ser discriminado e hostilizado? Quem é que opta pela solidão, pela vulnerabilidade social, pelo ostracismo?

E como já afirmei antes: para ocorrer uma escolha consciente é necessário existirem opções para as quais haja a suscetibilidade de quem escolhe. Ou seja, isso somente faz sentido se ela for, por exemplo, bissexual. Se você é heterossexual, e disser que em algum momento escolheu, é porque você tinha uma pré-disposição para as duas opções. Ou seja: você era bissexual.

Outro ponto a ser ressaltado diz respeito a uma possível, e majoritária, determinação social da orientação sexual. Qual é o problema desse tipo de tese reforçar a possibilidade de um dia conseguirmos cientificamente implementar alguma intervenção eficaz para se produzir reorientações sexuais? Em uma sociedade democrática, que respeita direitos individuais, o sujeito também teria que ter direito de se submeter a qualquer tipo de intervenção, para tentar mudar seu corpo ou sua personalidade, para a direção que ele bem entender, na medida em que isso não provoque danos diretos a ninguém.

Portanto, não há problema algum que um dia exista uma intervenção capaz de produzir reorientações sexuais, por exemplo. O problema é que isso ainda não existe e não adianta ficar forçando a barra, tentando empurrar qualquer feitiçaria pra cima das pessoas, com argumentos pseudocientíficos.

Faça isso na sua igreja, na sua religião, mas não queira abrir espaço para que a Psicologia comece a oferecer um remédio ou técnica que não existe, a qual tem se demonstrado, durante a história da área, como mais prejudicial do que benéfica. A fé não remove montanhas? Então pra que ficar correndo atrás da Psicologia pra isso? Uma clínica de Psicologia não é um local para se operar milagres.

Então que fique bem claro: de modo geral, mesmo que as determinações sejam majoritariamente sociais, as pessoas não optam por gostarem disso ou daquilo ou por sentirem atração por isso ou por aquilo. E qualquer psicólogo que se preze, sabe que é muito mais prático almejarmos aquilo para o qual nós tendemos, aquilo que gostamos, do que tentar fazer o sujeito gostar do que não gosta, ou sentir atração pelo que não sente. É muito mais simples, mais prático e menos arriscado (com menor tendência a produzir danos e distúrbios) que as pessoas sejam felizes do jeito que podem e não do jeito que os outros querem que elas sejam. E uma sociedade irracional e socioculturalmente pobre vai desejar que as pessoas sejam sempre de um mesmo e único jeito.