Sunday, July 26, 2015

Diretivo ou não-diretivo?

Desde o final de minha pesquisa de doutorado me incomodo com essa pretensa dualidade entre diretividade e não-diretividade em psicoterapia. Quem mais se dedica a tratar desse ponto, na minha compreensão, são os humanistas. Mas a minha impressão é a de que os humanistas mais esclarecidos sabem muito bem que não existe não-diretividade absoluta, a qual de alguma forma poderia ser equalizada a uma espécie de neutralidade.

Contudo, um texto que me incomodou nesse aspecto foi de um psicanalista, Renato Mezan, ao sugerir que a Psicanálise não faz uso da sugestão, em pretensa (e na minha concepção, falsa) oposição a todas as outras abordagens em psicoterapia. Ao procurar demonstrar a especificidade da Psicanálise, esse autor distingue três modalidades de ação da palavra em psicoterapias verbais: sugestão, catarse e interpretação. Mezan insinua que o psicanalista, ao cumprir a abstinência, não trabalha com a sugestão:

“Abstinência da sugestão: o psicanalista se limita a interpretar os dizeres do paciente, sem pretender impor, direta ou indiretamente, modelos e normas de ação ou pensamento, em vista do que chega ao extremo de preservar o segredo sobre suas próprias opiniões ou reações. (...) Em última instância, portanto, a abstinência é abstinência de referir-se à ou de intervir na realidade externa,
concentrando-se a atenção do psicanalista na interpretação do “mundo interno” tal como se expressa no elemento da transferência” (Mezan, 1988, p.30).

A Filosofia Analítica, mais propriamente a Análise da Linguagem Ordinária, me ajudaram a perceber que a forma dos enunciados é menos relevante do que o contexto em que são proferidos. Um terapeuta pode se valer de diversos enunciados que possuem forma descritiva (ou se valer somente de perguntas), se iludindo de que está somente descrevendo, não sendo diretivo ou que está somente “interpretando”, mas sugestões veladas, indiretas, podem ter um papel muito maior de diretividade, comando, do que sugestões diretas. É o que os analistas do comportamento, por exemplo, classificam como mando (comando verbal) disfarçado.

Não tenho dúvidas de que é fundamental estimular a auto-observação, e que o paciente desenvolva cada vez mais a sua capacidade para se sensibilizar às condições que controlam seu comportamento. É desejável que o comportamento, tanto do paciente quanto do terapeuta, seja predominantemente governado por contingências e não por regras.

Mas existem regras que foram sedimentados pela pesquisa científica: essa última frase (no parágrafo acima) é um exemplo claríssimo disso. Nossas concepções técnicas são permeadas por juízos, regras estabelecidas por pesquisas científicas, ou mesmo pelo acúmulo de evidências empíricas não necessariamente científicas, mas evidências da própria prática. Se afirmamos que uma determinada diretriz é mais desejável do que outra, que alguns procedimentos devem ser tomados e não outros, estamos partindo de regras.

Portanto, me desculpem, mas não vejo muito sentido no orgulho com o qual alguns terapeutas enchem a boca, com ares de superioridade, a dizerem que trabalham de modo não-diretivo. Estamos sempre influenciando as pessoas:

“Não se pode dizer que: “sem linguagem não poderíamos entender-nos uns com os outros”, mas sim: “sem linguagem não podemos influenciar outros homens desta ou daquela maneira, não podemos construir estradas e máquinas” etc. E também que: “sem o uso da fala e da escrita os homens não se podem entender uns com os outros” (Wittgenstein, 1996, § 491, p. 136).

Se essa influência sempre existe, por que ela deixaria de existir onde ela na verdade se torna potencializada: no consultório de Psicologia? Desculpe-me, colega, mas você influencia sim, e sua crença de que é não é diretivo pode ser muito mais nefasta do que uma diretividade esclarecida.

Portanto, desde o final de minha pesquisa de doutorado, tenho preferido me classificar como um diretivista esclarecido do que como um não-diretivista ou alguém que tenha a capacidade sobrenatural da neutralidade.

Referências:

Mezan, R. (1988) A vingança da esfinge: ensaios de Psicanálise. São Paulo: Brasiliense.
Wittgenstein, L. (1996) Investigações Filosóficas. São Paulo: Nova Cultural.

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