Sunday, June 28, 2015

Cristofobia, circuncisão e a novela da Record



Isso me fez lembrar da novela sobre a vida de Moisés na Rede Record. Há poucos dias eu assisti a um ou outro capítulo. Aí fiquei curioso e fui pesquisar na Bíblia para fazer comparações com o que eu estava observando na telenovela.

O mais interessante é que de fato estão transformando a história bíblica de Moisés em uma novela, em uma trama muito mais longa, demorada e com uma série de detalhes que não estão na Bíblia.

Aí eu me deparo com a seguinte e curiosa passagem de Êxodo:

" 4.24 Durante a viagem para o Egito, num lugar onde Moisés e a sua família estavam passando a noite, o SENHOR se encontrou com Moisés e procurou matá-lo.

4.25 Aí Zípora, a sua mulher, pegou uma pedra afiada, cortou o prepúcio do seu filho e com ele tocou o pé de Moisés. E disse: — Você é um marido de sangue para mim.

4.26 Ela disse isso por causa da circuncisão. E assim o SENHOR deixou Moisés viver."

Deixa eu ver se entendi, Deus estava prestes a matar Moisés porque um de seus 
filhos não havia sido circuncidado, e ele por pouco não foi salvo. Se não fosse a perícia e agilidade de sua esposa para pegar uma pedra afiada e cortar o prepúcio da criança (ela foi Mcgiver) Deus teria talvez arrebentando a cabeça de Moisés com um raio.

E confesso, fiquei bastante curioso em saber se a telenovela irá tratar dessa passagem e como faria isso. Os roteiristas terão de ser Mcgivers...

Vitamina D

Certa vez lancei uma questão no Facebook em relação às possibilidades de suplementação de vitamina D. Então John Scott, um colega britânico pelo qual tenho muito apreço, além de tê-lo em alta conta para questões de saúde e alimentação, me passou o link desta organização (The Vitamin D Council).

Achei as recomendações interessantes e detalhadas, além de me parecerem sensatas e razoavelmente consistentes. Fez com que eu pensasse sobre alguns possíveis mitos em relação aos benefícios e males da exposição à luz solar, assim como da possível suplementação com vitamina D. Abaixo enuncio as principais considerações percebidas por mim no texto desta organização:

1. Cuidado, não serve qualquer tipo de vitamina D. Não pode ser a vitamina D2 (ergocalciferol), a qual por vezes é utilizada Tem que ser a vitamina D3 (colecalciferol).

2. Não adianta muito tomar sol antes das 10 da manhã e depois das 16 horas. Se a sua sombra estiver maior do que a sua própria altura, o ângulo de entrada dos raios solares na atmosfera tende a produzir o bloqueio dos raios UVB, os quais são os necessários para a produção de vitamina D. Quanto maior for a sua sombra e quanto mais distante do meio-dia, menos UVB.

3. Há vários fatores que facilitam a produção de vitamina D pela exposição aos raios solares: quanto mais próximo do Equador e quanto mais clara a cor da pele, melhor. A exposição deve ocorrer sem filtro solar e durante a metade do tempo de exposição necessário para que a pele comece a queimar. Então todos esses fatores devem ser colocados na balança. O resultado, para países tropicais, é uma exposição média de 15 minutos ao sol do meio-dia. Isso, para muitas pessoas, tende a ocorrer de modo bem natural (enquanto caminham para o trabalho, para a parada de ônibus, e em outros atividades durante o dia).

4. Não adianta tomar sol por detrás de um vidro, por detrás de uma janela. O vidro bloqueia tanto UVA quanto UVB, e desse modo não há produção de vitamina D.

5. Melhor do que protetor solar, é sombra e roupa para se proteger dos raios solares, pois os protetores solares não protegem contra todos os tipos de câncer de pele. Se você prefere usar protetor solar todos os dias, procure fazer o exame para saber o quanto de vitamina D você tem no sangue, para saber se é necessário fazer a suplementação.

6. Há muitas preocupações em relação ao excesso, mas talvez muito mais ocorrências patológicas em relação à carência de vitamina D. Procure o acompanhamento de um médico. Mas saiba que, após uma exposição média de 15 minutos ao sol do meio-dia, o organismo produz de 10 a 25 mil e IUs de vitamina D. A toxicidade da vitamina D geralmente ocorre se você começa a produzir 40 mil IUs por dia, durante 2 meses seguidos ou mais.

7. Dá para tomar sol juntamente com a suplementação de vitamina D? Sim, mas de preferência alternadamente. Nos dias em que você não puder se expor ao sol, faça o uso da suplementação, porém sempre com acompanhamento médico e dos níveis de vitamina D em seu sangue.

Para maiores informações, leia todo o texto abaixo, informe-se, debata e pesquise em várias fontes diferentes e qualificadas, não se restringindo somente ao que está sendo dito acima.

Fonte:

Redução da maioridade penal

Um monte de gente aí, de classe média alta, achando que não vai diretamente ter qualquer tipo de problema com a redução da maioridade penal. Mas pode não ser bem assim. Cuidado com seu filho entre 16 e 17 anos, com quem ele namora. Se for com alguém menor de 14 anos, será estupro presumido. E você já viu o que acontece com estupradores nos presídios? Então é melhor parar de cuspir um pouco pro alto e também ficar esperto.

Por que a sexualidade é um tabu? (um esboço)

Há vários fatores importantes que convergem para ou a partir da sexualidade: experiências intensas de prazer, excitação, expressão emocional e afetiva. Filhos são gerados a partir de atos sexuais. Alianças são formadas.

A sexualidade é um ponto de início, uma porta de entrada para a formação de novos grupos sociais, e de certo modo até mesmo de novas sociedades. Novas alianças, novos grupos sociais significam a formação de uma nova vida e de novas esferas interações nos arranjos e rearranjos das relações de poder, de dominação.

Uma amiga minha dizia que havia três fatores que poderiam facilmente enlouquecer as pessoas: sexualidade, religião e dinheiro. Agora imagine esses fatores conjugados, ao mesmo tempo, um em combinação com o outro!

A organização da sexualidade estipula quem vai ficar com quem e como. Essa organização de certo modo define como será estruturada uma determinada sociedade. Com quem as pessoas poderão ter filhos, quem cuidará de seus filhos. Define quais atores sociais terão posição dominante, podendo usufruir da sexualidade até de um modo mais livre, com maior número de parceiros, em detrimento de outros que assim não poderão atuar. De certo modo, o que se observa na história é que atos sexuais geram formações sociais e relações de poder.

A sexualidade, portanto, sempre teve um valor social muito grande e é tabu para qualquer agrupamento humano. Isso nos permite afirmar que sexo é poder, é dinheiro, assim como o que nos é mais claro: é amor, tem o poder de engendrar alianças e relações amorosas.



Liberdade, responsabilidade e psicoterapia

Quando o assunto é liberdade ou a responsabilização pelos próprios atos, há algumas coisas que para mim não fazem o menor sentido de serem ditas a pacientes. Jamais digo que qualquer coisa que esteja acontecendo é uma opção, ou que para haver mudança o sujeito precisa querer, por exemplo. As formas verbais desse tipo de fala seriam mais ou menos as seguintes:

“Mas isso é uma opção sua...”, “Mas quando a gente quer, a gente muda”, “Para mudar, precisa querer...”.

Ressalto que não estou falando aqui de pessoas refratárias à psicoterapia, as quais estão muito bem adaptadas aos seus estilos de vida - embora alguns familiares, ou pessoas ligadas a elas, queiram que ela se submeta a um processo psicoterápico para mudarem em alguma coisa que elas mesmas não desejam mudar.

Estou falando somente daquelas pessoas que procuraram por um psicólogo porque estão sofrendo, não estão encontrando alternativas, e talvez a pior coisa que possa ocorrer com elas é ouvirem (de quem teria de ajudá-las) que isso é somente uma opção, ou que (bem ao estilo Paulo Coelho) basta querer, que elas mudam.

Para ser sincero, eu até acho esse tipo de fala meio covarde e pouco dotado de empatia. É covarde justamente porque é pouco empático. Quem diz isso, me parece, se esmerou muito pouco em tentar compreender o outro a partir de suas próprias condições, a partir de seu próprio referencial. Ouviu pouco, acompanhou muito pouco. E, na minha concepção, se ouviu bastante e acompanhou o suficiente, perdeu a oportunidade de compreender que existem caminhos mais eficazes para a mudança.

Se a pessoa está sem motivação eu, como terapeuta, tenho de ajudá-la a encontrar o caminho para ter mais motivação. Tenho de ajudá-la também a querer, a desejar mais. Temos juntos, eu e paciente, de descobrir o que pode facilitar a mudança e, na minha compreensão, não basta somente incutir culpa, ou dizer que as mazelas vividas pela pessoa são simplesmente resultado de uma opção ou de suas opções.

Esse texto ainda poderia render muito. Há muito ainda o que ser dito por aqui. Contudo, prefiro deixar para a discussão, para o debate...

Saturday, June 13, 2015

Mantra reacionário

Comprei a ilusão de um mundo colorido de prazer e liberdade na esquina de minha miopia, a me esconder sob o escudo de predadores da existência de milhões de pessoas inofensivas e sem defesa que um dia caminharam na estrada de dor aberta na clareira da história da humanidade, com a defesa de que tudo isso é simplesmente natural ou assim projetado por Deus.

Thursday, June 11, 2015

Pelo que é sagrado, tudo é permitido

Uma vez postei no Facebook algumas pérolas do Velho Testamento. Dentre elas há essa aqui:

"O povo de Samaria será castigado porque se revoltou contra Deus. Os homens morrerão na guerra, as crianças serão despedaçadas, e as barrigas das mulheres grávidas serão rasgadas." (Oséias 13:16)

Aí uma pessoa, conhecida minha, a qual eu prezo, justificou que teria sido necessário Deus fazer tudo isso, pois se tratavam de tempos difíceis, de guerras e que não haveria outro modo. Confesso: fiquei perplexo, chocado. Porque essa pessoa tem capacidade intelectual. Como é que ela me diz que um ser onipotente e absolutamente bom não tinha outra alternativa a não ser despedaçar crianças e rasgar as barrigas de mulheres grávidas?

Isso só me faz pensar o seguinte: adoração e sacralização, de qualquer entidade ou pessoa, são coisas absolutamente nefastas, pois deixam as pessoas completamente cegas, inclusive as que têm capacidade intelectual.
Nada nem ninguém é sagrado, intocável, indiscutível, inquestionável, e nem deve ser. Porque tudo será permitido para se defender algo sagrado e adorado.

Um dos irmãos Karamazov dizia que se Deus não existe, tudo é permitido. Michel Onfray defende o contrário: se Deus existe (e é sagrado e deve ser adorado), tudo é permitido, até mesmo despedaçar crianças e rasgar as barrigas de mulheres grávidas.

Não vejo problema algum em se acreditar em Deus. O problema é a perda do bom-senso, da sensatez, do contato com a realidade e das noções mínimas de ética.

Uma coisa que me alivia um pouco é imaginar que essa pessoa, a qual eu prezo, muito provavelmente pensa, eu espero, que esse é um passado que já foi, já era, e que não voltará mais.

Mas, infelizmente, o que ela pensa é bem menos sensato, bem menos razoável do que dizer que o Deus do Velho Testamento é um outro deus, que não é o mesmo Deus do Novo Testamento, por exemplo.

Por outro lado, eu compreendo que, devido aos círculos familiares e de amizade aos quais as pessoas de certo modo estão presas, é muito difícil para alguém de fato assumir um determinado posicionamento com o risco da reprovação de seus pares, e até mesmo o risco da perda de amor dessas mesmas pessoas que lhes são as mais importantes em sua vida.


Conclusão triste e freudiana: nosso espaço de autonomia e de reflexão ou posicionamento independentes é quase nulo. Vivemos quase que invariavelmente abafados, asfixiados, pelo peso dos valores que compõem o tecido social do qual fazemos parte.

“Não é suicídio. É outra coisa...”

O suicídio é um ato muito solitário e horrivelmente triste. É um horror angustiante no seio de qualquer família que o experimenta. Falar abertamente sobre ele, tentando diminuir o tabu e sua proibição absoluta, é o que hoje faço como parte de minhas estratégias de prevenção.

O suicida precisa de vínculo, apoio, cumplicidade, carinho, amor, companhia, e muita conversa franca e transparente sobre seus desejos e planos para morrer. Sem desafios nem chantagens e sabendo sempre que ele é o dono e responsável por sua própria vida.

Contudo, a vida de algumas pessoas adentra um vórtice de sofrimentos extremos e incontornáveis. E aí muitas pessoas dizem assim:

- Ah, mas isso aí tem cura. Isso aí tem solução.

Tem cura, tem solução, veja bem, teoricamente. Porque, em muitos casos, no contexto em que a pessoa está vivendo, isso não foi possível e ninguém está conseguindo aliviar seu sofrimento extremo. E pior: essa pessoa não tem a menor condição nem mesmo de dar cabo de sua própria vida, pois em muitas situações ela está completamente paralisada, dos pés à cabeça, presa a uma cama, em seu próprio corpo agonizante.

E aí a minha questão é a seguinte: se ela comunica por meses, ou até anos a fio, que o sofrimento dela é absolutamente insuportável e nós, que estamos cuidando dela, não damos conta de aliviar esse sofrimento, ela precisa então de ajuda para morrer; pois seria exatamente isso o que ela faria se tivesse condições para tal, se pudesse se locomover se movimentar e dar cabo de sua própria vida.

E há também o caso de algumas pessoas que talvez tivessem condições de dar cabo de sua própria vida com suas próprias mãos, as quais contudo preferem não fazê-lo dessa forma. Preferem mostrar ao mundo e à sua família que não estão simplesmente cometendo suicídio. Que estão simplesmente lutando para deixar de sofrer de modo tão intenso e irremediável. Que precisam do consentimento da família para tal. Que precisam de um ritual de despedida.

Lembro claramente do que dizia um australiano que tinha uma doença incurável, a qual lhe causava sofrimentos intensos, ininterruptos e irremediáveis. Ele tentava demonstrar que o suicídio assistido não era como um suicídio comum. Ele e todos os que o amavam já tinham aceitado que não havia mais outra alternativa a não ser morrer, pois todos já haviam feito tudo o que podiam, e o que não podiam, para acabar com a tortura que estava massacrando com todo e qualquer possível sentido para a vida moribunda, absurda e inaceitável que ele levava. Todos, apesar de toda a dor que isso implica, aceitavam a decisão dele de não mais continuar vivendo.

Em um outro caso, também em uma entrevista, um rapaz, o qual já tinha tido o seu pedido para o suicídio assistido aceito para ser realizado na Suíça, foi perguntado assim pelo entrevistador:

- Mas você tem opióides de sobra em sua casa. Por que não utilizá-los?

E ele respondeu mais ou menos assim:

- Acho horrível e abominável a perspectiva de um suicídio comum, a perspectiva de minha mãe chegar em casa e encontrar repentinamente meu corpo morto. Desejo o consentimento e o ritual de despedida de minha família. A minha decisão vem sendo debatida com todos os membros da família há muito tempo. Tivemos conversas intermináveis. Fizemos absolutamente tudo o que podíamos ter feito, envolvendo sacrifícios de várias pessoas de nossa família, sem contar o maior deles, que é o meu próprio sacrifício nessa história toda.

Ou seja, não se trata de um suicídio comum. Muitos até diriam que isso não é suícidio. É uma outra coisa.

Ele deixava claro o fato de que o pedido dele para ter direito ao suicídio assistido tinha sido aprovado segundo critérios específicos, rigorosos e muito claros, organizados segundo uma fundamentação consistente da legislação de seu país. Ou seja, o direito de morrer não se estende para toda e qualquer pessoa. Em lugares como Suíça, Bélgica, Holanda e alguns estados americanos, existe sim o direito de morrer. Mas não são todas as pessoas que têm esse direito. São pouquíssimas as pessoas que podem fazer uso desse direito. E quem tem esse direito? Ele se aplica, de modo geral, para o caso de pessoas que se encontram em estado terminal ou padecendo de sofrimentos intensos e incontornáveis.

Para finalizar acho importante reiterar a consideração de Paul-Henri Thiry, o Barão d'Holbach, em um livro escrito juntamente com Denis Diderot, em 1770:

“Se a aliança que une o homem à sociedade for considerada, será óbvio que cada contrato é condicional, deve ser recíproco, isto é, supõe vantagens mútuas entre as partes contratantes. O cidadão não pode ser ligado ao seu país, aos seus associados, mas pelos laços de felicidade. Se estes laços são cortados em pedaços, a este homem deve ser restabelecida a liberdade.

A sociedade, ou aqueles que representá-lo, ao usá-lo com severidade, ao tratá-lo com injustiça, não tornam assim a sua existência dolorosa? A melancolia e o desespero lhe roubam o espetáculo do universo? Em suma, por qualquer razão que seja, se ele não é capaz de suportar seus males, deixe-o sair de um mundo que para ele é somente um deserto terrível.” (D'Holbach, 1770/1970, 136-137)

Referência:

D'Holbach, Baron. The System of Nature, or Laws of the Moral and Physical World, Volume 1, Robinson (trans.), New York: Burt Franklin, 1970.

Sunday, June 07, 2015

Supervalorização da atividade sexual

Uma vez um amigo me perguntou assim:

"Como psicólogo, pra você qual é uma das maiores causas de infelicidade no mundo atual?"

Na hora ele me fez lembrar também da consideração de uma grande amiga minha, a qual mencionava três grandes fatores que podem enlouquecer uma pessoa: religião, sexo e dinheiro.

São três elementos muito inflamáveis, os quais têm um peso muitas vezes excessivo e até mesmo patológico na configuração de diversas interações humanas. Quando combinados, seu efeito pode ser ainda mais devastador. Possuem um potencial enorme para a inflação do ego. O narcisismo pode se valer de qualquer uma dessas três fontes em seu descolamento para com a realidade.

Nesse texto quero me ater somente à questão da sexualidade, pois talvez seja ela o que atualmente melhor representa a nossa desatenção. Com o advento da liberação dos costumes, conseguimos reduzir de modo saudável uma série de tabus em relação à sexualidade. Contudo, surgiram outros, os quais ainda não estão muito bem identificados e assim podem produzir muita infelicidade.

A pressão pela contenção, abafamento e diminuição da atividade sexual (prevalente até poucas décadas atrás) somente foi substituída por algo parecido com o seu oposto. Já há algum tempo uma série de autores vinculados ao pensamento psicanalítico vêm alertando para uma espécie de inversão do mal-estar na cultura. A pressão atual é para a fruição (desfrute) máxima, irrestrita e constante. Vou tentar colocar da forma que me parece ser a mais clara e simples possível: existe atualmente uma supervalorização da atividade sexual, a qual tem produzido, para muitas pessoas, mais infelicidade do que felicidade.

Há uma idealização de que a atividade sexual deve se realizar segundo padrões de intensidade, desempenho, frequência e variedade de parceiros, os quais são inatingíveis para a maioria das pessoas.

São muitas pessoas lutando para serem felizes com base em alguma coisa repleta de imperfeições, furos, idealizações baratas, e ainda com o acréscimo de que a sua realização repousa no nevoeiro caótico do desejo de quem desejamos sexualmente.

Poesia no CAPS (2)

Um usuário do CAPS estava tentando melhorar sua redação. Sentei com ele e, além de todo o atendimento e produção escrita individual dele, escrevemos juntos a frase poética abaixo:

“Estou estudando o mundo da minha raiva, pela agonia que brota nas pedras que engasgam meu coração rasgado de medo e saudade.”

Poesia no CAPS

Uma vez um usuário (paciente) do CAPS me disse assim:

- Gosto de ler estórias. Poesia eu não gosto. É boiolagem!

- Talvez seja porque você nunca leu uma poesia de qualidade.

- E por acaso você conhece alguma?

Na hora eu somente lembrei, do meu jeito, de um trecho de uma poesia de Nicolas Behr:
Quando eu morrer “enterrem meu coração na areia do parquinho da 415 sul, e deixem meu corpo boiando no Paranoá”.

Ficou por um tempo me olhando, meio assustado.

- É assustador, não? - indaguei.

- É um pouco pesado.

- Que tal essa frase poética aqui? : “O pensamento humano é um avião sem fim que voa dentro de um coração ridículo”.

A gravidade do semblante se desfez e ele emendou:

- Ah, dessa eu gostei! A outra é meio pesada.

E ficou me olhando de um modo indagador, por um bom tempo, por várias vezes naqueles minutos em que estivemos juntos...

Prosseguimos com nossa interação, da qual não posso dar detalhes aqui, mas assevero que foi muito inspiradora, para nós dois. Saímos ambos renovados, de um encontro de poucos minutos. Sei que o paciente levou sua inspiração no coração, pra casa e para seus familiares. E eu tive de escrever alguma coisa, uma poesia. Aí ralei minutos atentos à profecia das palavras de um olhar siderado para desaguar esse texto aqui:

Meu coração está reinando hoje na paz de um menino tranquilo com sabor de estrela cadente, à beira do fogo de minhas lembranças boas da infância. 

Tudo veio do mergulho no mundo que brotou do absurdo contato com a falta de sentido, mas com direção certa para o rumo do coração; na conversa que tive com o olho da loucura a me sequestrar para fora da vida burra das criaturas obedientes. 

Construí meu caminho por cima do abismo que arrotava entre nós. Fui ao infinito da sua compreensão para morrer na praia da sua expectativa de continuar morando na sombra de suas regras. 

E agora estou aqui, rindo do universo, ejaculando mais um pouco de escuridão na sua miopia ou no seu sorriso, o qual também se embriaga, sem perceber, em minha loucura.