Thursday, June 11, 2015

Pelo que é sagrado, tudo é permitido

Uma vez postei no Facebook algumas pérolas do Velho Testamento. Dentre elas há essa aqui:

"O povo de Samaria será castigado porque se revoltou contra Deus. Os homens morrerão na guerra, as crianças serão despedaçadas, e as barrigas das mulheres grávidas serão rasgadas." (Oséias 13:16)

Aí uma pessoa, conhecida minha, a qual eu prezo, justificou que teria sido necessário Deus fazer tudo isso, pois se tratavam de tempos difíceis, de guerras e que não haveria outro modo. Confesso: fiquei perplexo, chocado. Porque essa pessoa tem capacidade intelectual. Como é que ela me diz que um ser onipotente e absolutamente bom não tinha outra alternativa a não ser despedaçar crianças e rasgar as barrigas de mulheres grávidas?

Isso só me faz pensar o seguinte: adoração e sacralização, de qualquer entidade ou pessoa, são coisas absolutamente nefastas, pois deixam as pessoas completamente cegas, inclusive as que têm capacidade intelectual.
Nada nem ninguém é sagrado, intocável, indiscutível, inquestionável, e nem deve ser. Porque tudo será permitido para se defender algo sagrado e adorado.

Um dos irmãos Karamazov dizia que se Deus não existe, tudo é permitido. Michel Onfray defende o contrário: se Deus existe (e é sagrado e deve ser adorado), tudo é permitido, até mesmo despedaçar crianças e rasgar as barrigas de mulheres grávidas.

Não vejo problema algum em se acreditar em Deus. O problema é a perda do bom-senso, da sensatez, do contato com a realidade e das noções mínimas de ética.

Uma coisa que me alivia um pouco é imaginar que essa pessoa, a qual eu prezo, muito provavelmente pensa, eu espero, que esse é um passado que já foi, já era, e que não voltará mais.

Mas, infelizmente, o que ela pensa é bem menos sensato, bem menos razoável do que dizer que o Deus do Velho Testamento é um outro deus, que não é o mesmo Deus do Novo Testamento, por exemplo.

Por outro lado, eu compreendo que, devido aos círculos familiares e de amizade aos quais as pessoas de certo modo estão presas, é muito difícil para alguém de fato assumir um determinado posicionamento com o risco da reprovação de seus pares, e até mesmo o risco da perda de amor dessas mesmas pessoas que lhes são as mais importantes em sua vida.


Conclusão triste e freudiana: nosso espaço de autonomia e de reflexão ou posicionamento independentes é quase nulo. Vivemos quase que invariavelmente abafados, asfixiados, pelo peso dos valores que compõem o tecido social do qual fazemos parte.

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