Tuesday, March 31, 2015

Algumas pérolas do Velho Testamento

No site da Sociedade Bíblica do Brasil é possível acessar três traduções da Bíblia, dentre elas a “Nova Tradução na Linguagem de Hoje”. Fiz uma busca de algumas pérolas do Velho Testamento e me surpreendi com a honestidade em que foram traduzidas. Apesar de um pouco chocante, é uma tradução fiel, corajosa. Confiram:

Levítico 20:13
Se um homem tiver relações com outro homem, os dois deverão ser mortos por causa desse ato nojento; eles serão responsáveis pela sua própria morte.

Oséias 13:16
O povo de Samaria será castigado porque se revoltou contra o seu Deus. Os homens morrerão na guerra, as crianças serão despedaçadas, e as barrigas das mulheres grávidas serão rasgadas.

Levítico 20:27
Qualquer homem ou mulher que invocar os espíritos dos mortos ou praticar feitiçarias deverá ser morto a pedradas. Essa pessoa será responsável pela sua própria morte.

Deuteronômio 21:18-21
Pode ser que um homem tenha um filho teimoso e rebelde, que não obedece aos pais, nem mesmo depois de ser castigado.
Então os pais devem levá-lo aos líderes da cidade e no lugar de julgamento na praça pública eles dirão: “O nosso filho é teimoso e rebelde; ele não nos obedece, gasta dinheiro à toa e é beberrão.”
Aí todos os homens daquela cidade o matarão a pedradas, e assim vocês tirarão o mal do meio do povo. Todos saberão do que aconteceu e ficarão com medo.

Deuteronômio 13:6-10
Talvez chegue perto de você o seu irmão, ou o seu filho, ou a sua filha, ou a sua querida esposa, ou o seu melhor amigo, procurando em segredo levá-lo a adorar outros deuses que nem você nem os seus antepassados adoravam.
Essa pessoa pode procurar levá-lo a adorar os deuses de povos vizinhos ou de povos que vivem longe, em lugares distantes.
Não deixe que essa pessoa o convença, nem escute o que ela disser. Não tenha dó nem piedade dela e não procure protegê-la.
Mate essa pessoa a pedradas; atire a primeira pedra, e, depois, que todos os outros atirem pedras também.
Assim vocês matarão essa pessoa, pois procurou fazer vocês abandonarem o SENHOR, nosso Deus, que os livrou do Egito, onde eram escravos.

Levítico 24:15-16
E diga ao povo: “Quem amaldiçoar o seu Deus pagará por esse pecado e será morto a pedradas por todo o povo. Não importa que seja israelita ou um estrangeiro que mora no meio de vocês; quem blasfemar contra o nome do SENHOR Deus será morto.

Êxodo 12:29-30
À meia-noite, o SENHOR Deus matou os filhos mais velhos de todas as famílias do Egito, desde o filho do rei, que era o herdeiro do trono, até o filho do prisioneiro que estava na cadeia; e matou também a primeira cria dos animais.
Naquela noite o rei, os seus funcionários e todos os outros egípcios saíram da cama. É que em todo o Egito havia gente chorando e gritando, pois em todas as casas havia um filho morto.

Números 33:4
Os egípcios estavam sepultando os seus primeiros filhos que o SENHOR havia matado. Assim, o SENHOR mostrou que era mais poderoso do que os deuses do Egito.

Deuteronômio 7:9-10
Lembrem que o SENHOR, nosso Deus, é o único Deus. Ele é fiel e mantém a sua aliança. Ele continua a amar, por mil gerações, aqueles que o amam e obedecem aos seus mandamentos, porém castiga de uma vez os que o rejeitam. Ele não demora em castigá-los e destruí-los.

Deuteronômio 13:12-16
Quando vocês estiverem morando nas cidades da terra que o SENHOR, nosso Deus, vai lhes dar, talvez vocês ouçam dizer que em certa cidade alguns homens perversos levaram os moradores a adorar deuses que vocês nunca adoraram.
Aí vocês deverão examinar o caso com todo o cuidado. Se ficar provado que, de fato, foi cometido um pecado tão grave no meio do povo de Israel, então vocês deverão matar à espada todos os moradores daquela cidade. Matem também os animais e arrasem a cidade.
Depois peguem todos os objetos de valor que encontrarem, amontoem na praça e queimem tudo e também a cidade, como oferta ao SENHOR, nosso Deus. Vai ficar só um montão de ruínas, e nunca mais será construída uma cidade naquele lugar.

Êxodo 4:24-26
Durante a viagem para o Egito, num lugar onde Moisés e a sua família estavam passando a noite, o SENHOR se encontrou com Moisés e procurou matá-lo.
Aí Zípora, a sua mulher, pegou uma pedra afiada, cortou o prepúcio do seu filho e com ele tocou o pé de Moisés. E disse: — Você é um marido de sangue para mim.
Ela disse isso por causa da circuncisão. E assim o SENHOR deixou Moisés viver.

Saturday, March 14, 2015

Contornar a ferida...

Não posso contornar sua ferida, depois de ter minha frágil sanidade partida o meio. Em seu céu, também de dor, você procura pelo que não sou, pelo que não posso lhe dar.

Aqui, montanha de equívocos, olho para o breu de não me conhecer, afogado em
uma paixão que costura sua conversa fiada a fogo, a vender ilusões e vidas plenas.

Você encontrou um vazio a habitar sua curiosidade e seu terror. Encontrei sua porta aberta, pude perceber sua alegria em me hospedar na sua intimidade.

Cansei de ouvir as vozes sádicas no turbilhão escrito nas paredes de minha solidão e servidão ao universo de ordens a me soletrar alarmes do tempo perdido, da vida roubada a cada minuto e eu pouco fazendo para que tudo fosse outra coisa muito mais bela.

Enterro-me no canto escondido da minha fraqueza, sei voltar e dizer adeus como quem não chora, e não consigo entender tudo o que os olhos e os ouvidos me mostram. Queria então saber conversar com o seu cheiro, no medo de que ele ainda me mate quando não puder senti-lo.

E tudo isso vai lhe escapar pelas mãos, pois já não trago no sorriso uma boa paisagem. Sou agora o tempo de uma impotência escura e impalpável. Em meu casulo ofegante de preguiças opiadas e cabeça trovoada, ainda pude pintar meu melhor retrato para que eu pudesse dormir tranquilo.

Estou esquartejado, à venda para o acaso e a sorte de não saber nada além do que puderia ter dito ou feito, no momento em que não queria fazer nada.

Rodeado por chuvas, há muito rumino um silêncio de pedra de não poder aliviar as dores que urravam do outro lado da minha agonia de acreditar no impossível, na ávida imagem de uma criança correndo, esbanjando sabedoria e simplicidade de não ter visto a dor do tempo que se esvai tão rápido, de sentir na pele tudo o que acontece e vê. Sou esse todo de ossos amontoados a pedir perdão por ter nascido e não saber viver para o que promete a paz e a utopia.

Brasília, 1998

PIADAS SOBRE O CÂNCER DE DILMA

Há poucos dias, um colega de Facebook, Alexey Dodsworth Magnavita, de certo modo expressou sua condenação moral em relação a postagens de médicos “torcendo” ou fazendo piada com o câncer de Dilma ou de Lula. Para quem quiser ler o que ele escreveu sobre isso, eis o link, abaixo:


Acho que suas considerações são instigantes para se refletir sobre ética e moral. Fez com que eu pensasse uma série de coisas. Tento, abaixo, transcrever um pouco do que pensei sobre tudo isso.

Sou servidor do SUS, e tenho portanto muitos colegas médicos, assim como enfermeiros e outros especialistas da área de saúde. A minha percepção, pelo menos nos setores onde atuo, é a de que os médicos estão, em sua grande maioria, ou em boa parte, unidos contra o governo Dilma, contra o PT. Também tenho a impressão de que boa parte deles faz esse tipo de piada ou não se incomoda com isso.

Porém, o mais interessante é que um desses meus colegas (o qual considero um dos mais éticos, senão o médico mais ético com o qual convivo profissionalmente) não se cansa de fazer esse tipo de piada em relação ao câncer de Lula ou de Dilma.

Eis então a contradição: uma ética deontolológica talvez o condenasse, contudo uma ética consequencialista pondera os benefícios e malefícios de suas ações.

E, sinceramente, eu prefiro ele fazendo piada de mau gosto e tratando de modo humanizado os pacientes e seus familiares, do que o contrário. No caso dele acho que não ocorre nem mesmo incitação ao ódio, pois ele não tem poder de comunicação de massa pra isso.

Acho que talvez resida aí algo parecido com um dilema moral que li em Comte-Sponville. O sujeito está se afogando e o outro, com um remo de madeira, tenta acertar-lhe a cabeça para matá-lo. Contudo, erra e o remo serve como uma bóia salva-vidas. Assim, o sujeito que estava se afogando acaba salvo. A outra situação ocorre quando uma pessoa arremessa um remo de madeira para salvar essa pessoa que está se afogando. Porém, por uma infelicidade, esse remo acerta a cabeça do sujeito e ele acaba morrendo.

Comte-Sponville não hesita em deixar claro que a ação mais moral é a do segundo caso, apesar das consequências serem muito mais trágicas.

No entanto, o lugar comum a enunciar que “de boas intenções o inferno está cheio” talvez possa também servir para esse caso. Tenho a impressão de que a geração de benefícios para o outro (para todos, para o maior número possível de seres sencientes), “o caminho do bem” ou uma existência mais virtuosa, também devem se alertar para o autoconhecimento, “o julgar bem para fazer bem”, a importância da técnica no fazer ético. Sem perícia ou prudência, mesmo que sem dolo, a ética também tende a perder. Um altruísmo desesperado pode, em muitas situações, ser mais nefasto do que a consciência e um certo exercício sublimado de nossas pulsões destrutivas, já nos lembrava Freud.

Sinto que as piadas desse meu colega médico não produzem malefício algum. Na obra "Os chistes e sua relação com o inconsciente", Freud defende que os chistes (as piadas) atuam conciliando exigências do Isso (Id) com exigências do Supereu (Superego). Os chistes satisfazem, portanto, tanto nosso lado impulsivo, selvagem, quanto as exigências morais do Supereu.

Fazer piadas, em muitos casos, pode ser até mesmo mais saudável do que não reconhecer em nós mesmos muitos desejos ou propensões censuráveis pelos agrupamentos sociais dos quais fazemos parte. Invés de uma ética apriorística ou purista, atenção para as consequências, para os resultados práticos, concretos, de nossas ações no mundo.

A minha questão é: existe alguém que nunca desejou o mal de outras pessoas? Quem nunca sentiu ódio ou inveja? Quando Alexey fala em sacerdócio no exercício da medicina, penso em alguns conceitos próximos, talvez mais simples, sem que precisemos apelar para um exercício demasiadamente idealizado de uma determinada atividade profissional. Pode se falar, por exemplo, no conceito de vocação, de gostar realmente da profissão que escolheu, de exercê-la com gosto, com amor, e não simplesmente pelos ganhos financeiros ou pelo status que ela pode proporcionar, ou o exercício que deve se lançar em um altar sagrado de sacrifícios e abnegações duvidosas.

Outro dado de realidade é que no contexto brasileiro a medicina adquiriu uma aura muito glamourizada. É uma profissão almejada por quem deseja muito poder, prestígio, sucesso. Esses jovens, em sua maioria, provêm de famílias mais abastadas. É uma profissão que promete muito a esse jovem.

A glamourização produz promessas que se descolam da realidade. O resultado, sabemos, é uma frustração atrás de outra. E há também uma disparidade muito grande (tanto em relação aos ganhos financeiros quanto ao prestígio social) entre a medicina e as demais áreas da saúde, ou mesmo em relação à carreira acadêmica, por exemplo. A minha impressão, portanto, é que essa glamourização, e essas disparidades, mais têm feito mal do que bem para o exercício ético dessa profissão.

Conheço professores universitários e pesquisadores que estudaram muito mais, que se dedicaram muito mais à sua profissão do que a maioria dos médicos, e ganham muito menos, tendo inclusive um prestígio social muito menor, isso sem precisar se falar em sacerdócio e abrir as pernas para as alegações bizarras de um Cid Gomes da vida: “Quem quer dar aula faz isso por gosto, e não pelo salário”. Isso abre portas para o outro extremo: a exploração descarada, a qual, convenhamos, cientificamente não rima muito com motivação e bom desempenho em qualquer atividade que seja.

O egoísta querendo ajudar...

"Devemos fazer para os outros o que gostaríamos que fizessem para nós mesmos", dizia generosa e "sabiamente" o masoquista...

A vida vale a pena?

Minha vida vale a pena porque amo muito algumas pessoas e sou amado por elas. Viver e bem, no meu caso, é um imperativo moral. Devo me manter vivo e saudável para dar e receber o amor dessas pessoas. Essa pra mim é a grande diferença entre estar vivo ou morto. Minha morte geraria muito sofrimento para essas pessoas, as quais posso contar nos dedos de uma mão. Para o restante das pessoas desse mundo sou tranquilamente substituível.

Vou ser ainda mais claro.

Se alguém chegasse agora pra mim e me dissesse: “você vai morrer, vamos apagar você, instantaneamente, sem dor”.

Nesse caso, minha maior aflição seria imaginar como minha mãe iria viver com isso, com mais um filho morto. Depois eu pensaria em minha filha e minha esposa. Essas três pessoas são as que mais iriam sofrer com a minha morte. Elas me motivam a viver, pelo que posso fazer por elas.

Não penso em outra coisa. Não penso que sou jovem, que teria muito ainda para curtir, aproveitar. Nada disso! Não tenho muito o que curtir ou aproveitar. Não penso assim. Quando penso somente em mim mesmo, sinto que tanto faz estar vivo ou morto. Se eu pensar somente em mim mesmo, vou desejar intensamente a morte!

Morrendo, por mim mesmo não haveria o que lamentar, pois não haveria eu algum para lamentar, estaria morto. E não haveria também mal algum, pois já estaria morto. O grande problema da morte é para quem fica vivo, sem aquele que ama.