Não posso contornar sua ferida, depois de ter minha frágil sanidade partida o meio. Em seu céu, também de dor, você procura pelo que não sou, pelo que não posso lhe dar.
Aqui, montanha de equívocos, olho para o breu de não me conhecer, afogado em
uma paixão que costura sua conversa fiada a fogo, a vender ilusões e vidas plenas.
Você encontrou um vazio a habitar sua curiosidade e seu terror. Encontrei sua porta aberta, pude perceber sua alegria em me hospedar na sua intimidade.
Cansei de ouvir as vozes sádicas no turbilhão escrito nas paredes de minha solidão e servidão ao universo de ordens a me soletrar alarmes do tempo perdido, da vida roubada a cada minuto e eu pouco fazendo para que tudo fosse outra coisa muito mais bela.
Enterro-me no canto escondido da minha fraqueza, sei voltar e dizer adeus como quem não chora, e não consigo entender tudo o que os olhos e os ouvidos me mostram. Queria então saber conversar com o seu cheiro, no medo de que ele ainda me mate quando não puder senti-lo.
E tudo isso vai lhe escapar pelas mãos, pois já não trago no sorriso uma boa paisagem. Sou agora o tempo de uma impotência escura e impalpável. Em meu casulo ofegante de preguiças opiadas e cabeça trovoada, ainda pude pintar meu melhor retrato para que eu pudesse dormir tranquilo.
Estou esquartejado, à venda para o acaso e a sorte de não saber nada além do que puderia ter dito ou feito, no momento em que não queria fazer nada.
Rodeado por chuvas, há muito rumino um silêncio de pedra de não poder aliviar as dores que urravam do outro lado da minha agonia de acreditar no impossível, na ávida imagem de uma criança correndo, esbanjando sabedoria e simplicidade de não ter visto a dor do tempo que se esvai tão rápido, de sentir na pele tudo o que acontece e vê. Sou esse todo de ossos amontoados a pedir perdão por ter nascido e não saber viver para o que promete a paz e a utopia.
Brasília, 1998
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