Friday, July 27, 2012

De Deus em quando

Uma homenagem à Brasília

Arte erótica

Algumas obras de arte desse gênero são memoráveis, principalmente narrativas literárias e filmes. Abaixo cito algumas:

1. O filmes: “Império dos sentidos”, “Atrás da porta verde” e “Zazel”.

Três clássicos. O primeiro é um clássico japonês, o qual trabalha com primor relações entre erotismo, prostituição, loucura e morte. O segundo produz um fascinante enigma do que estaria por detrás da porta verde. Depois de descoberto o enigma, há montagens nunca antes elaboradas pelo cinema, nas quais fenômenos sexuais humanos são explorados esteticamente à sua exaustão. Do terceiro não tenho muitas lembranças. Foi, por sinal, o último que assisti. Mas pouco ficou registrado em minha memória. Porém fica aí também a sugestão.


"Império dos sentidos"



"Atrás da porta verde"
Trilha sonora de altíssima qualidade e absolutamente marcante nesse filme (Atrás da porta verde)
2. A série de estórias em quadrinhos “Click”, de Milo Manara. Absolutamente surpreendente, tanto pela estória quanto pelos desenhos fabulosos, em muitas e muitas situações irremediavelmente excitantes e bizarras.
3. Os contos de Charles Bukowski e Pedro Juan Gutiérrez. Uma pena não poder aqui transcrever trechos memoráveis desses dois autores. Escrevem em primeira pessoa e é muito difícil não se envolver com suas estórias. Literatura absolutamente contagiante, excitante e repugnante ao extremo, em muitas e muitas situações também bizarras.
Devo ter esquecido de vários outros autores e obras importantes e fascinantes desse gênero. Porém, uma coisa é fato. Para todos os autores acima uma experiência é tanto mais bela e proveitosa quanto mais bizarra ela é. Ah, fica aqui também a dica, completamente desnudada de modéstia, de um texto de minha autoria. Chama-se “Pornografia”, e está aqui no blog. Trata-se de um texto em prosa poética, a qual buscou transformar a linguagem, em si, em uma língua libidinosa própria e escancarada para os cumes da volúpia, em um sonho perfumado de expressões e metáforas secretoras da cópula do mundo, na existência suprema do sexo.

Sunday, July 08, 2012

Dizer "graças a Deus" é presunção






Acho que acabo de descobrir uma coisa aqui:

A expressão "graças a Deus" é presunçosa.

Como avaliar se foi graças a Deus ou não? Como avaliar quem foi merecedor ou não? Quem é que deve julgar se foi "graças a Deus" ou não, se não Ele próprio, Deus?

O que me fez assim deduzir foi uma postagem aqui no Facebook, onde temos a fotografia de uma celebridade agradecendo a Deus por ter tido suas orações atendidas, em seu período de internação em dos hospitais mais caros do Brasil. O texto está assim:

“Deus atende orações no Sírio-Libanês. Pena que não atende a muitas no SUS”.

Se não compreendemos a lógica e os desígnios de Deus (como muitos dizem), porque presumimos que ele foi favorável a nós, em detrimento do outro? O nome disso não é presunção?



"Dar a outra face"?

Wednesday, July 04, 2012

Hipnose: hiperventilando e enlouquecendo ou uma "regressão a vidas passadas"?



Éramos bons amigos. Nossa amizade era tranqüila e um pouco esculachada. Não havia nove horas entre nós. A amizade entre homens permite a coexistência pacífica de brutalidade e solidariedade. Há uma certa hostilidade lúdica alinhada a altíssimos graus de respeito e fidelidade. São casos onde a polidez e a aparência são dispensáveis. Os homens se respeitam muito mais entre si do que as mulheres. E creio que os homens se respeitam mais justamente pelo risco de sérios danos físicos ou morte. As mulheres se provocam infinitamente, pois o risco de serem seriamente feridas ou mortas por outra mulher é menor. A violência física, a criminalidade, ainda são terrenos prioritariamente masculinos. Os homens costumam resolver ou finalizar desentendimentos extremos na porrada e a dissimulação tem um papel menor do que no universo feminino.
Toda a energia de reserva, que outrora era utilizada na caça ou na guerra, fica disponível também para uma certa hostilidade lúdica. As amizade masculinas são muito freqüentemente repletas de gozações. A caricatura é a de que os homens se tratam mal e se respeitam; e que as mulheres se tratam com polidez, mas se apunhalam pelas costas.
Hugo era recém-formado em Psicologia, mas não exercia a profissão. Era aquele tipo que nunca deixaria de ser sempre um universitário. Circulava por todos o meios alternativos, devorava livros como ninguém, um rato de biblioteca. para se ter uma idéia, havia lido todos os títulos de Nietzsche traduzidos no Brasil. Usava óculos fundo de garrafa. Cabelos curtos, meio dentuço e magro. Sua aparência era a de um típico nerd. Porém, muitas de suas atitudes não se enquadravam em tal estereótipo. Levava uma vida, no sentido literário, de maldito. Vivia a ler os malditos. Gostava do baixo meretrício e raramente dispensava a oportunidade de se entorpecer.
Tanto era o seu apreço pelos estados alterados de consciência, que aos 16 anos fora internado com uma overdose de noz-moscada. Havia lido, como sempre, em uma revista de divulgação científica, sobre a ação das drogas psicotrópicas, que a noz-moscada era alucinógena. Fez o quê, então? Segundo a dose recomendada na absurda revista, bateu uma vitamina com a noz-moscada.
Tomou tudo e continuou lendo, enquanto esperava o início de suas fabulosas visões. Contudo, ao dar seqüência à leitura, deparou-se com um dado assustador: a dose alucinógena era extremamente próxima da overdose. Minutos depois, os temíveis efeitos começaram. Tudo à sua volta se amarelou. Passou a enxergar em tons de amarelo e começou a padecer de um desesperador mal-estar: náuseas e vômitos. Além do fato de não mais poder controlar adequadamente seus movimentos e equilíbrio. Tudo se distorceu: visão, audição, equilíbrio, coordenação motora, fala. Mal conseguia articular as palavras e teve de pedir socorro. Emergiu em um pesadelo, o qual começaria a ter fim no hospital, tomando soro, depois de algumas horas. Falemos a verdade: culpa da revista.
 Àquela época eu cursava o doutorado e dava aulas para a graduação. Hugo me via como uma espécie de modelo a ser seguido.
Certo dia, chegou em minha casa um pouco entorpecido:
“Adriano, é verdade que você manja de hipnose?”.
“É, um pouco”.
“Teria como, uma hora dessas, você me hipnotizar?”.
Sim, teria”.
Eu respondia a tudo monossilabicamente. Era parte do jogo tratá-lo com grosseria. Afinal, Hugo gostava de ser esculachado. Fazia sentir-se importante.
Então, o que a gente faz, quando pode ser?”.
Pensei: ele está um pouco entorpecido. Talvez o psicotrópico que ele tomou forneça um impulso para uma indução completa.
“Faça o seguinte. Vá para o quarto, deite-se naquele colchão e faça 20 minutos de hiperventilação. Enquanto isso, eu termino aqui de assistir a novela”.
“Ok. Ah, posso pedir uma coisa?”.
“O quê?”, indaguei, meio impaciente.
Eu gostaria de poder fazer um retorno a vidas passadas. Seria possível?”.
“Se é isso que você deseja, podemos tentar”.
É desta maneira que devem ser encaradas as coisas. Se existem ou não vidas passadas não é a questão. O mais importante é sempre levar em conta o repertório de crenças de quem irá se submeter à hipnose e conduzi-la em função disso. As crenças de nossos pacientes, se boas para a vida deles, devem ser respeitadas.
Hugo não tinha crença alguma, se dizia um ateu. Mas tinha curiosidades. Porém, eis uma contradição. Se é mesmo ateu, que história é essa de curiosidades? Não sei, nunca conversei com ele acerca deste aspecto. Talvez fosse uma curiosidade de cunho experimental: “Não acredito, mas não custa nada testar”. E acreditar não é saber. Não confundamos uma coisa com a outra. A crençasempre margem a outras possibilidades.
Vidas passadas são uma crença, não um saber. Alguém que dissesse: “Eu sei que existem vidas passadas”, seria somente um tolo que tem . Ou o contrário: “Eu sei que não existem vidas passadas”: tolo também que não sabe a diferença entre crer e saber. Portanto, talvez fosse acerca destas outras possibilidades que Hugo estivesse curioso.
Assim que terminou a novela, vinte minutos depois, fui até o quarto. Hugo respirava de modo intenso e rápido por cerca de 20 minutos. Eu estava meio sem paciência: esse negócio de hipnose quase nunca dava certo, além de ser muito cansativo e entediante. Boa parte dos métodos de indução demandam muita paciência. Deve-se repetir comandos. A fala deve ser monótona ou ritmada, estabelecendo ciclos de repetição para fazer dormir, dominar, ou focalizar a atenção da presa. Sim, presa. Pois é isto que muitos predadores fazem com suas presas. Ou que as presas fazem consigo mesmas, para sua própria proteção, para não despertarem a atenção de um predador próximo.
Às vezes eu também me sentia um idiota, repetindo comandos simples e óbvios, em tom solene e calmo, para fazer marmanjo dormir. Não me apetecia a idéia de ser o representante sacerdotal de uma mentira, de uma fraude. Mas era preciso conhecer aquilo, e eu estava disposto a utilizar as técnicas dramáticas e de oratória que fossem necessárias. Se tivesse de encarnar a postura de um padre ou pastor a conduzir seu rebanho em seus sermões escandalosos, o faria, pelo espírito experimental, pela necessidade de teste, para saber se aquilo funcionava em alguma medida. Façamos então o que fazem pastores, padres, xamãs. Tentemos reproduzir a atmosfera dos rituais que conduzem multidões ao delírio. Testemos então a hipnose.
Como eu e Hugo éramos bons amigos, não havia a necessidade de qualquer formalidade ou mesmo polidez. Assim, fui bem breve e enérgico.
Você está em um túnel. É um túnel do tempo. Ele gira muito rápido e você gira junto. É um turbilhão. Sua mente está mergulhada neste turbilhão. O túnel vai girando e assim você vai retornando no tempo”.
Pedia para que fosse retornando na idade. De vez em quando pedia para que parasse em alguma e que revivesse alguns momentos de sua vida, com a maior intensidade e realidade possíveis. Como eu não estava com muita paciência, até que chegamos bem rápido ao seu nascimento e à sua concepção. Dali em diante seria uma incógnita.
“O túnel gira cada vez mais rápido e violentamente. Tudo está extremamente caótico. Seu ser está se fragmentando em milhões de pedaços. Farei uma contagem até cinco, e no final desta contagem ocorrerá uma grande explosão. A explosão de seu próprio ser. Após esta explosão, você acordará em um outro lugar, em um outro tempo: 1...2...3...4...5. Um outro lugar, uma outra dimensão, um outro tempo...
Onde você está? O que você ?”.
Disse-me que estava numa tribo, na África. Tudo o que faziam era acompanhado de música ou dança. Ainda respirava muito intensamente e tremia bastante. Como cantavam para tudo o que faziam, pedi para que começasse a cantar. Não foi capaz. Estava tão ofegante e trêmulo que era impossível a articulação de qualquer palavra. Emitia gemidos ao invés de canto. Adentrou um estado frenético de movimentação corporal descontrolada. Seu estado convulsivo foi se intensificando cada vez mais. Não parava de se debater. O caso não era mais preocupante. Era desesperador. Perdi o controle da situação, pensei. Por sorte era um grande amigo. Talvez assim os erros fossem mais facilmente perdoados.
Além disso, para minha surpresa, fui tomado por um acesso incontrolável de risos. Nossa relação era esculachada, sempre ríamos um do outro por qualquer besteira. Nada mais lógico do que cair na gargalhada diante do ataque bizarro pelo qual ele passava. Estava com o corpo todo retorcido, debatia-se e babava em urros ininteligíveis. Era o fim dos tempos de sua sanidade, ali, naquela noite, em minhas mãos. O ridículo agora movia nosso mundo e implorava urgentemente para que baixasse em mim um pastor ou um pai de santo que tirasse Hugo daquele inferno.
Eu estava completamente impotente. A cada palavra que tentava articular transbordava de mim uma infame risada. Minha voz estava toda entrecortada de risos. Risos idiotas e altamente impróprios, diante da aparente gravidade da situação. Eu tinha plena consciência dos difíceis problemas que poderiam brotar dali. Assim, tive uma boa e estranha idéia:
“Vou contar até 3. E após o 3 você ficará surdo, completamente surdo, por cerca de 1 minuto.
1,2,3...Surdo, completamente surdo!”.
Assim pude permitir a mim mesmo a descarga completa de minha gargalhada contida. Nestas horas, a tentativa de contenção às vezes se revela pior, pois riso proibido é riso infinito. Soltei toda gargalhada a que tinha direito. Ri alto, tranqüilo, solto e bem gostoso. Esgotado o riso, a missão impossível agora era salvar Hugo daquele processo incontrolável de enlouquecimento.
Deixei que o espírito de todos os xamãs da história baixassem em mim e fui enérgico com minha pobre cobaia. Ele sairia daquele infeliz estado de possessão, nem que se fosse na porrada.
Fiz sugestões no sentido de sua calma e tranqüilidade: “Conforme eu vou falando, o tempo vai passando, você vai se sentindo mais e mais relaxado e calmo. Farei uma contagem regressiva de 10 a 0. Quando chegar no 0, você dormirá”.
É recomendável que estas contagens sejam sempre feitas de modo paulatino e intercaladas por palavras-chave ou comandos: 10, relaxe, relaxe... 9, cada vez mais calmo... 8, mais tranqüilo...
E assim caminhamos lenta e tranqüilamente até o zero de sua loucura. Hugo agora era um bebê que dormia plenamente em sua bonança, após a tempestade de seu ser.
Era hora de despertar: “Farei uma contagem até 3 e no 3 você despertará. Retornará à sua vida normal, de Hugo. Retornará a este mundo aqui, sem quaisquer seqüelas ou traumas”. Era necessário assegurar que seu retorno fosse pleno. Era importante que não restasse qualquer resquício daquele surto, para que sua recuperação fosse total.
Porém, é possível que eu não tenha sido muito enfático. Hugo abriu os olhos e começou a chorar ao olhar para as próprias mãos ainda enrijecidas e contorcidas: “Minha mão... Eu não consigo mexer... O que aconteceu com a minha mão?”. Chorou como uma criança ao sentir-se impotente para mover as próprias mãos.
Não permiti que este sofrimento se prolongasse:
“Contarei até 3 e no 3 você dormirá, ao toque em sua testa”.
Nesta hora, em que a pessoa acabou de despertar, ela ainda está totalmente suscetível à sugestão hipnótica. Basta um comando simples e imediatamente entra em hipnose. Contagem simples e rápida e toque na testa: Hugo despencou no sono. Parte 2: agora era necessária somente a sugestão de que suas mãos iriam amolecer, voltar ao normal. Feito isto, pedi para que despertasse.
Hugo abriu os olhos. Estava fraco, muito fraco. Parecia que tinha acabado de voltar de uma cirurgia ou tomado uma tremenda de uma surra. Não conversamos sobre isso, mas suspeito que ele mesmo concebia aquela experiência como um tratamento para seu espírito. Entrar em transe não era coisa nova para ele. Havia lido sobre xamanismo, psicoterapias psicodélicas, além de ter feito o uso recreativo de diversas drogas. O transe, mesmo quando infernal, era visto por ele como uma possibilidade de cura, de acesso ao indizível, aos sentimentos e visões mais genuínos.
Fiquei tão impressionado com o ocorrido que, durante seu surto, fui chamar Marina, minha namorada, para que visse tudo o que estava ocorrendo. Ela adentrou o quarto, intrigada. Afinal, de fora, ouvira gemidos de um homem e risadas descontroladas de outro vindos de um quarto escuro. Nada mais estranho e suspeito para a virilidade dos sujeitos em questão.  Ela tinha acabado de sair do banho e ainda ostentava uma toalha enrolada em sua cabeça.
acordado e completamente desfalecido, Hugo bebia um copo d’água, prostrado no sofá, contando-nos como havia se sentido.
Nossa, quando vi a Marina, pensei que eu estivesse no Egito”, completou.