Tuesday, February 03, 2015

UNIVERSOS PARALELOS

Essa noite viajei no tempo, como nunca tinha me ocorrido antes em um sonho. Sonhei com alguns universos paralelos. Leia o que tenho a lhe narrar. Acho que você vai gostar...

Em um primeiro momento eu estava em campo, para a estreia do Brasil em alguma das últimas Copas. Eu era lateral direito da seleção brasileira. Era mais velho e mais experiente que os outros jogadores, com várias Copas do Mundo em meu currículo.

Essa imagem de mim mesmo como um jogador de futebol, de seleção brasileira, faz parte do conjunto de sonhos megalômanos que tive na infância e adolescência. Especificamente, esse sonho de ser jogador de futebol é de 1982, quando eu tinha 10 anos de idade, e acompanhava muitíssimo entusiasmado a Copa do Mundo de futebol daquele ano. Devaneava e projetava para mim mesmo um futuro de sucesso como jogador de futebol, o qual participaria de várias Copas do Mundo.

E eu estava lá, em campo, para a estreia do Brasil, em alguma das últimas copas. Mas de repente percebo que eu estava ali como um invasor. Eu não fazia parte da seleção brasileira e talvez nem fosse jogador de futebol. Mas estava em choque: estava em campo, com a camisa 2 da seleção, na minha posição, na lateral direita, esperando pelo apito do árbitro, angustiado e não entendendo absolutamente nada do que estava acontecendo.

Vieram me retirar de campo, pois eu era um invasor, nada além disso. Pensei:

“Se eu não sou jogador da seleção brasileira, o que diabos estou fazendo aqui nesse campo, nesse estádio imenso, lotado, com a camisa 2 da seleção, na lateral direita, esperando pelo apito do árbitro? Santo Deus, tenho várias Copas do Mundo em meu currículo. Sou o jogador mais velho e mais respeitado desse grupo. Por que estão me retirando de campo como se eu fosse um anônimo, uma outra pessoa? Por que estão retirando de campo o grande "Motorzinho"? Sim, é esse o meu apelido, penso eu, na realidade paralela em que sou um grande jogador de futebol.”

Enquanto me retiravam de campo, me vinha à lembrança as várias Copas das quais já tinha participado, e uma sensação perturbadora de não entender mais quem eu era. Se me retiravam dali à força, daquela forma truculenta, era muito provavelmente porque eu nunca havia sido jogador de futebol e eu estava completamente louco. Mas o pior era não me lembrar de quem eu verdadeiramente era, se é que existia um eu meu único ou verdadeiro nessa situação que eu estava vivendo nesse sonho (se é que isso era também de fato um sonho).

Dali fui transportado para 1985, quando eu tinha 13 anos de idade . Minha mãe estava na sala, conversando ao telefone. Ela estava preocupada com sua irmã, a qual vinha passando por um período muito difícil em sua vida, em um relacionamento muito conturbado com seu atual marido (o marido dela de 1985, claro).

Minha família suspeitava que ele não era uma boa pessoa. Havia várias evidências de que ele era um espertalhão, um mau caráter. Ela relatava para minha mãe várias situações em que ele abusava dela, em relação a dinheiro, infidelidades e até mesmo com agressões físicas.

Minha tia já vinha se alterando bastante, tendo muitos episódios de sério "desequilíbrio mental" (eis o termo que utilizávamos àquela época para definir o que estava ocorrendo com ela). Minha mãe tinha muito medo de que ela enlouquecesse, daquela situação toda se agravar.

Eu estava ali, aos 13 anos de idade, na sala da casa onde morei toda a minha infância, ouvindo a conversa de minha mãe ao telefone, manifestando essas preocupações com minha tia, e sabendo exatamente tudo o que iria ocorrer em nosso futuro, em uma projeção que avançava 30 anos.

Eu sabia que vários dos temores de minha mãe se realizariam. Ela temia muito que minha tia, em tal situação de vulnerabilidade de suas capacidades mentais, tivesse um filho com aquele sujeito. E, bingo! Eu sabia que minha tia teria um filho com ele. Mas, pior: ele morreria três meses antes desse filho nascer, deixando para trás um rastro enorme de confusões e desamparo para ela.

E sim, ela enlouqueceria, definitivamente, com várias internações psiquiátricas, deixando seu filho em uma situação muito grande de vulnerabilidade, ao ponto de, em 1988, minha mãe ter de levá-la para nossa casa juntamente com seus dois filhos, o bebê de 6 meses e minha prima com 12 anos de idade.

Eu ouvia a conversa de minha mãe ao telefone e tinha muitas histórias para lhe contar, mas estava completamente paralisado. Sentia-me, como muito ocorrem em sonhos, completamente paralisado. Eu queria muito lhe falar sobre todo esse futuro, 30 anos adiante, mas engasgava e não conseguia nem mesmo abrir a boca ou me mover.

Eis que, de repente, essa cena também se fechou, e eu acordei, me lembrando de todos os detalhes desses sonhos fabulosos.

Eu precisava ansiosamente escrever sobre tudo isso que sonhei durante a noite, mas ainda era muito cedo, e o som de meus dedos digitando certamente acordaria minha filha, a qual tem o sono muito leve. Pensei: preciso sair de casa para escrever essa história.

Muito silenciosamente, saí de casa e fui para o estacionamento do condomínio. Entrei em meu carro e comecei a escrevê-la, sentado no banco do motorista. Enquanto escrevia, de vez em quando eu observava pelo retrovisor os vizinhos que acordavam para se dirigir ao trabalho ou às suas atividades rotineiras.
Eu já estava escrevendo o final dessa história toda, quando um de meus vizinhos chegou com seu carro, na vaga dele, atrás da minha. Ele permaneceu dentro do carro e isso me chamou um pouco a atenção. Olhando pelo retrovisor percebi que ele saiu do carro e vagarosamente começou a se dirigir ao meu, em minha direção. Bateu em meu vidro. Abri:

- Pois não?

- Senhor Adriano Facioli?

Como ele sabia o meu nome? Nós nunca havíamos sido apresentados um ao outro.

- O senhor poderia nos acompanhar, por favor?

Olhei pelo retrovisor e reparei que a expressão “nos acompanhar” se referia a dois brutamontes, trajados como se fossem dois seguranças presidenciais, os quais acompanhavam meu vizinho. Percebi, inclusive, que havia um certo ar de gravidade na situação, pois meu vizinho portava uma pistola automática, com silenciador. Eu não estava entendendo nada e nem preciso dizer o quanto fiquei tenso...

Porém, infelizmente, agora terei de interromper a narrativa dessa história aqui para vocês, para cuidar de minha filha, a qual acaba de acordar e chama por mim. Foi mal aí, meus amigos...

Até as cenas dos próximos capítulos!

Justiça divina

Pra que serve acreditar em justiça divina, transcendental? Geralmente para se consolar diante de seu próprio sofrimento ou se acomodar diante do sofrimento dos outros.

No primeiro caso o sujeito passa a esperar indefinidamente por uma compensação aos seus males.

No segundo caso muitos deitam e rolam no berço esplêndido da indiferença e insensibilidade em relação ao sofrimento dos outros. É o consolo de muitos opressores a tranquilamente lavar suas mãos diante dos infortúnios alheios, dos quais se sustentam.

O que faz alguém ser de extrema direita?

Há poucos dias, por mensagem, me fizeram seguinte pergunta:

"Para você, o que faz um cara ser de ultradireita? Muita mágoa e rancor?"

Tive algumas leituras a respeito dessa questão, mas há mais de 20 anos. Foram textos de autores da Teoria Crítica. Como já faz muito tempo que tive essas leituras, vou somente pincelar um pouco do que atualmente sinto sobre isso. Portanto tecerei somente algumas impressões esparsas.

Primeiramente eu gostaria de dizer que a pergunta desse colega é muito boa, pois nos convoca à empatia. É necessário ter empatia para compreender, mesmo que tenhamos de compreender o mais vil dos seres humanos. Contudo ainda quero ressaltar que talvez minha resposta não esteja à altura de uma pergunta tão substancial.

Tenho a impressão de que as pessoas de extrema direita acreditam em soluções prontas, simples, rápidas, às quais se pautam pela convicção de que concebem a realidade como ela é, de maneira mais crua do que a maioria das pessoas.

É aquela velha história de que para fazer uma omelete é preciso quebrar ovos, matar pessoas, recorrer precipitadamente à violência, a qual produz resultados rápidos. Ou a ideia de que a vida é dura, de que existem poucas alternativas, de que os recursos são limitados, logo é necessário excluir pessoas.

Acreditam mais na exclusão do que na inclusão. Padecem de um darwinismo torto, aquele antigo e ultrapassado darwinismo social. Mas ao mesmo tempo só defendem a meritocracia em casos muito específicos, somente quando esta os favorece, uma meritocracia incompleta, torta. Geralmente são conservadores, conservadores extremos. Ou seja: fascistas.

Se concebem como pessoas muito práticas e realistas, mas na verdade são tradicionalistas, patrimonialistas e egocentrados, com pouca capacidade de se colocarem no lugar do outro. Resumindo: imorais.

Como são extremamente moralistas, devotados à manutenção da ordem e dos bons costumes (os quais geralmente estão fundamentados em princípios religiosos, dogmáticos) não conseguem compreender que são na verdade imorais.

Sem contar também com toda a visão que possuem acerca da desigualdade. Julgam a desigualdade como natural e inevitável e até mesmo desejável, pois em termos econômicos defendem a posição de que a desigualdade produz mais riquezas, de que ela é mais favorável ao crescimento econômico do que a igualdade. E também acabam por conceber a motivação como simplesmente baseada na inveja ou na idéia de tentar alcançar um nível que alguém em um nível superior já alcançou. Reduzem a motivação à competição, pura e simplesmente assim.

Há estudos atualmente, como os de Richard Wilkinson, com análises estatísticas apuradas, de como hoje o mundo padece mais de excesso de desigualdade do que o contrário.

Mas esses caras vão continuar insistindo na interpretação obtusa de alguns princípios econômicos básicos, a qual obviamente só favorece quem já está por cima da carne seca.

E existe, claro, também, pobre de extrema direita.

Outro ponto, o qual parte para uma análise mais comportamental, diz respeito aos grupos de influência dessas pessoas. Praticamente só convivem com pessoas que as gratificam por pensar assim, por expressar suas opiniões dessa maneira. É uma cultura onde existem gratificações mútuas para se manter essa cultura. E são fechados, porque possuem também uma mentalidade medieval. Não julgam importante a diversidade, o contato com a diferença. Nem acham muito importante mudar conforme as evidências.
Acreditam em verdades eternas - e olha que nem estou falando das verdades matemáticas ou dedutivas.


Mas, como eu já disse no início, essas são somente algumas de minhas impressões, esparsas, as quais carecem das convicções tão presentes nas falas dos extremistas...

O QUE É UMA PSICOTERAPIA

Com certa frequência recebo mensagens de pessoas pedindo por alguma orientação psicológica. Relatam seus dramas e pedem por meus conselhos.

Respondi a uma dessas mensagens, explicando o que é possível e que não é, em termos de aconselhamento e orientação nesse contexto, e quais são as alternativas. Transcrevo abaixo alguns trechos do que escrevi:

Prezado colega, eu poderia emitir alguns juízos generalizados sobre o que eu imagino que você esteja vivendo. Mas acho que não seria o mais eficaz. Penso que o mais eficaz, em seu momento atual, com a complexidade das relações nas quais você está envolvido, seria um acompanhamento psicoterápico semanal, contínuo, profundo, próximo.

Uma boa terapia seria a melhor solução. Pois você precisa se sentir, agora, acompanhado por alguém competente, o qual possa lhe fazer companhia, passo a passo, no que está ocorrendo. Alguém que ouça, com um tempo grande, cada detalhe, para primeiramente poder compreender melhor o que você está vivendo. Meio também assim como alguém pra pegar na sua mão, passar confiança, ajudar a segurar essa barra, cotidianamente. É isso o que uma boa terapia irá fazer.

Imagine alguém que tenha sofrido um acidente grave e esteja todo quebrado. Essa pessoa precisa de profissionais que o acompanhem diariamente para, por exemplo, fazer exames, fisioterapia, exercícios diários, tomar remédios no horário certo... Não é muito diferente não, meu amigo. Pouco vai adiantar eu, de longe, em uma única mensagem, dizer algumas coisas genéricas. Em um processo terapêutico sério vocês, você e seu terapeuta, irão trabalhar, em detalhe, cada questão que o aflige para poder de fato resolver isso na sua vida, ou ao menos conseguir melhorar um pouco a situação em que você está vivendo.

Na minha compreensão, o papel de um terapeuta é muito parecido com o de um treinador, pois o acompanhamento deve ser constante.

A psicoterapia envolve um processo de aprendizagem. Visa fazer com que as pessoas aprendam novas formas de interação com o mundo e com outras pessoas. Isso, de modo geral, não ocorre simplesmente com alguns conselhos esparsos, ou somente com algumas palestras motivacionais. Como eu já disse, é necessário um acompanhamento próximo.

A mensagem que você me enviou, tentando detalhar o que você tem experenciado em sua vida, mesmo sendo longa, contém pouquíssimas informações, se formos compará-la ao que é um processo de psicoterapia.

Pelo que sei, se não me engano, o número máximo de 10 sessões de orientação psicológica pela internet está regulamentado pelo Conselho Federal de Psicologia.

Mas esse já seria um serviço profissional, sistematizado, para o qual não tenho disponibilidade atualmente.
Bom, é isso. Espero pelo menos ter esclarecido alguns pontos em relação ao que é possível fazer ou não.

Doenças autoimunes e evolução

Há evidências de que uma série de características autoimunes são mais antigas do que imaginávamos. Em um contexto rico em micróbios patológicos (como era o contexto paleolítico), um sistema imunológico mais agressivo funcionaria para muitas pessoas como uma proteção.

Seria mais ou menos esse o cenário para alguns humanos durante o período paleolítico. Ao contrário do que ocorre hoje, esses seres humanos não padeceriam de sua condição, já que habitavam um ambiente microbiologicamente muito mais diverso, com a grande maioria dessas populações sendo hospedeiras inclusive de vermes.

Isso de certa forma é o que é postulado pela primeira teoria da higiene, proposta no final da década de 80.
Contudo há também uma teoria posterior, a qual vem sendo mais aceita, que é a teoria da diminuição dos microbiomas e de sua diversidade.

Em um contexto paleolítico ou até mesmo há cerca de 80 a 100 anos atrás, havia mais diversidade microbiológica em nosso mundo. Zonas rurais, com criação de animais e zonas de mata possuem maior diversidade microbiológica e menor incidência de doenças autoimunes em suas populações humanas.

Ou seja, se a predisposição às doenças autoimunes existe, muito possivelmente sobrevivou à seleção natural, há vários milênios. A diferença é que nosso mundo físico e microbiológico mudou bastante. Logo a expressão dessas características também se altera, produzindo hoje doenças, as quais no passado não passavam de algumas condições que possuíam vantagens adaptativas.

A partir dessas evidências fica mais claro o motivo pelo qual algumas pessoas possuem carência de vermes. Sem eles, elas padecem.

http://www.medicalnewstoday.com/releases/288703.php

Kit crise hídrica

E o kit crise hídrica, como seria?

1- Papel, muito papel: jornal (para sujeiras mais pesadas, com bastante resíduo), papel-toalha, guardanapos, papel higiênico. Quem não tem água, limpa com papel. Quem não tem papel, limpa com jornal...

2- Lenços umedecidos, algodão e pequenos panos, para banho.

3- Álcool, muito álcool: líquido e em gel.

4- Água mineral, muita água mineral, para beber.

5- Tenha reservatórios, de todos os tamanhos: mais uma caixa d'água ou barris. E sim, baldes, de todos os tamanhos possíveis.

Lavou uma verdura, roupas ou usou água para qualquer coisa desse mundo? Não jogue pelos canos. Coloque em baldes para descarga.

E como lavar uma louça suja sem água alguma?

Se não tiver água, imediatamente depois de usar a louça, retire imediatamente as sujidades com papel-toalha, guardanapo ou mesmo papel higiênico, para que não ressequem, e depois só se tira mesmo com água. Depois passe álcool líquido para esterilizar.

E sujeiras no chão?

Varra bem e depois passe um pano seco com desinfetante. Chão seco é mais limpo do que qualquer chão úmido.

Tendo pouca água, em recipientes, acho que é somente banho de canequinha mesmo e descarga com baldes somente para o número 2...

E sim, é um cenário de guerra, de carência. Então se liga. Se você ainda não está com o espírito ligado em um possível futuro desastre, não está preparado. Está somente bancando o idiota.

Que mais?

Toma, Tomás de Aquino!

Minha filha adora pegar alguns livros da coleção “Os pensadores” da estante da sala, a qual fica ao seu alcance. Agora há pouco, daqui do escritório, ouço minha esposa perguntar assim, em alto e bom tom:

- Tomás de Aquino é muito importante pra você, Adriano?

Acho que vocês já podem deduzir o que pode ter ocorrido, não?

Mas, sem problemas, Tomás de Aquino definitivamente não tem nem nunca teve qualquer importância acadêmica pra mim...

Chupa, Tomás de Aquino!

PS: Claro, tiramos da mão dela, antes que algo pior ocorresse. Foi somente uma babadinha em cima... Acontece.

Contrastes

Não li, mas minha esposa me falou de uma postagem aqui no FB de uma menina negra, única aluna negra, bolsista de alguma PUC, e de como ela relatava todo o sofrimento dela devido a uma certa segregação que sofria.

Muitos de nós, em especial negros e pobres, têm alguma história de segregação que sofreu. Sou branco e descendente de italianos, mas nasci em um conjunto habitacional com casinhas de três cômodos e 30 metros quadrados, além de ter estudado a vida toda em instituições públicas (com a única exceção para o meu terceiro ano do ensino médio).

Portanto no ensino fundamental e médio pouco tive contato com pessoas que julgávamos serem ricas ou “burguesinhas”. Porém o pouco contato que tive foi suficiente para me deixar um pouco traumatizado.

Quando eu tinha quase 13 anos, inventei de estudar inglês. Fui sozinho até uma tradicional escola de inglês no centro de Ribeirão Preto (minha cidade natal e onde moram meus pais e quase 100% de meus familiares) e fiz minha matrícula assim como pedi por uma prova para tentar não começar no início de tudo como qualquer outra criança ou adolescente. 

Até o dia dessa prova, ralei em casa, sozinho, tentando dominar alguma coisa de uma língua que era muito porcamente transmitida na escola pública em que eu estudava.

Fiz a prova e consegui começar o curso no J2 (juvenil 2). Um semestre depois eu tinha a medalha de ouro da melhor redação e nenhuma nota abaixo de 10. Prestei de novo a bendita prova e pulei duas séries de uma vez. A sensação que eu tinha naquela época era a de que não importava a série ou o colégio no qual me colocassem que eu sempre teria o melhor desempenho.

Meu desempenho acadêmico, entretanto, contrastava com meu coração. O ano de 1985 e o primeiro semestre de 1986 compuseram a pior fase, os piores anos de minha vida. Sofria muito de angústia, medo e de bizarras e vexatórias obsessões. Eu não sabia na época, mas tudo isso era reflexo das péssimas interações sociais e familiares que eu estava vivendo. 

Uma dessas interações possuía uma coloração triste e especial: era meu contato com os “burguesinhos” dessa escola tradicional de inglês. Era contrastante. Eles se vestiam com roupas de grife e eu vivia nos trapos, vestindo muitas roupas que eram de meu irmão mais velho ou compradas na Pelicano, uma loja de povão mesmo, ou de peão, como gostam hoje de falar.

Começava nas roupas, se estendia para os papos, para o modo de se expressar e infelizmente tudo isso culminava em um desconfortável estranhamento mútuo, o qual facilmente se transformava no que hoje chamam de bullying. Era uma terrível e humilhante sensação de isolamento, de solidão, a qual eu não vivenciava em minha escola, pública e da periferia. Periferia na época, pois hoje a cidade cresceu muito e deixou de ser assim. Eu pouco sabia como vivia alguém acima da minha classe social. Sabia muito mais de quem vivia com menos do que minha família. Minha avó materna era muito pobre, minha mãe foi muitíssimo pobre. Foi doméstica até pouco tempo antes de se casar, fora o fato de ter trabalhado desde os 9 anos de idade por anos a fio somente em troca de comida. E quando se casou, se casou com o pé rapado do meu pai, o qual tinha somente uma Lambreta, quiça usada e bem velha. Aliás já ouvi até a história de que um de nós, um de seus três filhos, teria vindo de Lambreta da maternidade.

Enfim, o sofrimento no contato com quem tinha mais grana foi muito grande pra mim até pouquíssimo tempo atrás. Para se ter uma ideia, lembro que até o ano de 2000 eu ainda sofria um certo pavor no contato com pessoas de classe média alta. Na companhia dessas pessoas o que existia era somente bloqueio, travação total. E isso perdurava até, por exemplo, tomarmos um bom porre juntos. E para quebrar a barreira eu fazia questão de aproveitar todas as bebedeiras (e qualquer coisa similar; entendam como quiserem rs) possíveis com essas pessoas.

Na graduação claro que tive boas e prazerosas vacinas. Na USP, na Filô, a qual era a minha faculdade, conheci pessoas maravilhosas, pobres ou com grana. Mas essa vacina ainda não tinha sido a definitiva, pois o pessoal com grana da Filô se disfarçava muito bem de pobre ou era a completa exceção do que existia em termos de gente rica ou de classe média alta.

Chegando à UnB, já no mestrado: outro baque. Brasília pra mim parecia a terra dos hippies de boutique. Eu achava estranhíssimo o cara com aquele visual meio hippie pegar a pick-up 4X4 colossal dele e ir pra casa depois da aula. Sentia tudo somente como um cenário de fachada horrível e voltei a ter verdadeiro pavor dos “burguesinhos”, principalmente no curso de Psicologia.

Lembro até de uma garota, da Psicologia, que namorou comigo somente uns dois dias, pois não aguentou a pressão de ter conhecido a minha casa, o fato por exemplo de eu dividir uma beliche com um estranho num quarto que tinha o tamanho de um banheiro, pois era um banheiro na planta original dos apartamentos JK miudinhos das quadras 400 na Asa Sul. Ela não aguentou a pressão de saber que todos os meus pertences cabiam numa estante de aço de livros, incluindo livros e roupas, absolutamente tudo. Ah, sim, havia também minha Caloi 10 ano 76!

Detalhe: eu vestia muitas camisetas promocionais. Sim, camisas com desenhos de produtos, de empresas. Camisas que você ganha de brinde, além de um belo par de Havaianas sempre que possível. Porque na USP eu nunca tive problemas com isso, e tinha muita moral com a mulherada.

Enfim (meu segundo enfim; mas agora é pra valer), esse contraste é foda pra baralho, meus amigos. Não julguem a moça se vocês nunca vivenciaram nada parecido com isso. E se vivenciaram não se esqueçam, por favor, da dor que sentiram. Porque, na boa, falta de empatia e amnésia é um pouco de degeneração de caráter de novos ricos idiotas.