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Saturday, February 20, 2016

RESPOSTA A DOIS ARGUMENTOS CONTRA A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO

Abaixo enuncio dois argumentos contrários à legalização do aborto os quais, na minha concepção, estão entre os mais convincentes.

Posteriormente apresento meus argumentos com o intuito de refutá-los.

1. O feto é um ser externo à mãe e com o material genético diferente da mãe. Não é propriedade da mãe.

2. O feto é um ser humano em potencial. Possui uma estruturação genética própria, a qual lhe confere as condições fundamentais para se transformar em um ser humano completo e com suas próprias características individuais.

Concordo todas as afirmações acima. Contudo penso que são insuficientes para se fundamentar uma posição contrária à legalização do aborto.

Certamente a mãe não é dona desse feto. Os pais não são donos de seus filhos. Os filhos somente estão sob a responsabilidade dos pais. Porém, mesmo se fossem donos dos filhos, isso não qualificaria esses pais a fazerem o que quisessem com seus filhos.

Mesmo sendo dono de seu cachorro, por exemplo, você não tem o direito de torturá-lo. Se seu cachorro estiver em estado terminal você, como dono dele, tem o direito de autorizar que ele seja eutanasiado (sacrificado).

Portanto temos o direito de matar nossos animais, os animais que são de nossa propriedade, se julgarmos que mortos eles estariam melhor do que vivos, se julgarmos que assim estaríamos poupando-os de sofrimentos insuportáveis e irremediáveis.

Então, tanto no caso dos animais quanto no caso dos fetos, podemos perceber que o fundamental, para se pensar sobre o direito à vida, se refere aos possíveis sofrimentos que a ausência desse direito pode gerar nesses sujeitos ou em quem os ama.

A ausência do direito à vida tende a gerar muito sofrimento em sujeitos sencientes (que sofrem), autônomos (ou que já foram autônomos; portanto donos de sua própria vida e de seu próprio corpo) e com capacidade intelectual para saberem que estão vivos e que são mortais (sujeitos dotados de consciência reflexiva, consciência de si mesmos), pois:

- Para os seres humanos, por exemplo, é importante saber que têm o direito à vida, que outras pessoas não podem simplesmente atentar contra a sua vida (ou contra a vida das pessoas que estimam) sem que isso tenha consequências sérias. Saber que o estado ou outras pessoas poderiam dar cabo de nossas vidas (ou da vida das pessoas que amamos), arbitrariamente, pode causar muita angústia e sofrimento em todas as pessoas, com sérios riscos de ruptura do tecido social. Isso é a barbárie, a guerra de todos contra todos.

- Não há garantia de uma organização social mínima sem que o direito à vida seja resguardado. Não teríamos nesse caso uma sociedade mas sim grupos, clãs, isolados e em constante tensão.

- Portanto, o direito à vida serve para proteger a vida dos indivíduos e da sociedade como um todo. Mesmo os mais niilistas e desapegados em relação à sua própria vida, tem de certo modo a obrigação moral de lutarem, na medida do possível, para se manterem vivos e bem, já que a vida de um ser humano costuma geralmente ser muito preciosa a outros seres humanos. Quando uma pessoa morre, geralmente outras ficam vivas e sofrendo muito em virtude dessa que se foi. Algumas pessoas, quando morrem, podem deixar danos irreparáveis nos que ficam.

Em relação às afirmações do item 2, não há como negar, são um fato: o feto, ou até mesmo o embrião, se configuram como um ser humano em potencial. São potencialmente um ser humano, em sentido pleno. Até as 12 semanas de gestação, o feto ainda não é capaz de sentir e sofrer, porém, dadas as devidas condições, um dia se transformará em um ser humano em sentido pleno, capaz de sofrer e de perceber sua própria existência no mundo enquanto passado presente e futuro, enquanto desejos e projetos de vida.

Contudo é também muito problemático tratar um ser somente em função do que ele poderá ser, em função do que ele tenderá a ser. Todos nós somos potencialmente mortos. Todos nós morreremos. Todos tendemos à morte. E isso não nos autoriza a tratar toda e qualquer pessoa como se ela já estivesse morta. Devemos tratar os seres vivos em respeito ao que eles são, no presente, sempre nos atentando para um imperativo ético fundamental: agir para diminuir e tentar não produzir sofrimentos que são evitáveis.

Um problema para que as pessoas compreendam a argumentação à favor da legalização do aborto é que historicamente estamos mais habituados com concepções éticas que valorizam a vida humana acima de tudo. Essas concepções prescrevem que a vida humana deve ser preservada e vivida sob toda e qualquer condição.

Desse modo, portanto, a compaixão ocupa um plano secundário. Não importa se o sujeito já está condenado ou padecendo de sofrimentos insuportáveis e irremediáveis, implorando para morrer. A vida humana é sagrada (o que não vale para a vida dos animais, muito menos para o seu sofrimento) e o sofrimento, não importando a sua magnitude, é fortalecedor, principalmente da alma, na qual a maioria dos adeptos dessas concepções acreditam.

Finalizando: o cenário atual é composto por muitos direitos a menos e muitas obrigações a mais, somente contribuindo para que a quantidade absurda de sofrimentos evitáveis, nesse mundo, continue exatamente do jeito que está.

Saturday, February 06, 2016

ZIKA VÍRUS E ABORTO

Primeiramente, um recado pra quem é contra a legalização do aborto:

Você vai ajudar a criar e educar essa criança que não está sendo desejada? Coloque-se no lugar da mulher que não está desejando ter um filho, que não se sente em condições de ter essa criança, sendo obrigada a gestar por 9 meses e a parir.

É um processo muito longo e delicado para alguém que não está se sentindo em condições de mergulhar nessa jornada. É um ser da espécie humana que está para chegar e ele precisa ser muito bem recebido. Tudo isso precisa ser preparado com muito amor e dedicação. É por caso você quem vai passar por todas as dificuldades de uma gravidez? Você vai estar lá na hora do parto dessa mulher? Vai ser você quem vai sofrer todas as dores e percalços envolvidos numa gravidez e num parto, e com todas as obrigações de se criar um filho, para o resto da vida?

Agora multiplique essas dificuldades. Transforme-as em algo muito maior. Imagine se há uma possibilidade significativa de que essa criança tenha microcefalia ou se no ventre materno ela já tenha o diagnóstico de microcefalia. Se uma mãe não está se sentindo em condições de ter essa criança por que você acha que ela obrigatoriamente deve tê-la? Você acha que vai ser bom para o futuro dessa criança e dessa família o fato de que ela simplesmente não está sendo desejada?

E também, por favor, tome cuidado antes de ir logo rotulando esse tipo de reivindicação em relação aos direitos humanos como eugenia, como se um rótulo como esse fosse simplesmente suficiente para se encerrar a discussão. Eugenia diz respeito à eliminação de pessoas com algum tipo de deficiência, com o objetivo de melhoria genética da espécie. Tem, portanto, objetivos relacionados a um plano coletivo, os quais geralmente são colocados em prática por meio de coerção, de imposição. A moral eugenista ordena que os deficientes ou os mais fracos sejam eliminados, mesmo contra a vontade das mães dessas pessoas.

Quem é a favor da legalização do aborto está somente reivindicando um direito individual. Não está dizendo que obrigatoriamente os fetos com microcefalia devem ser abortados para o bem da humanidade. Isso seria eugenia, do modo como as pessoas logo entendem e se horrorizam. E não é isso o que está sendo reivindicado. Rotular de eugenista, acreditando que isso basta para refutar os argumentos de quem é a favor da legalização do aborto, é falacioso.

Mas você pode responder que uma das soluções seria facilitar a adoção nesses casos. Mas quem disse que essa mulher quer passar por tudo isso e depois entregar seu filho para terceiros que ela nem conhece? Você passaria por tudo isso para depois entregar seu filho para terceiros que você nem conhece?

Encerro com um texto de Heloisa Salgado, psicóloga, pesquisadora em saúde materno-infantil e direitos sexuais e reprodutivos, colega de 20 anos atrás, da época em que fiz em psicologia na USP:

“Sinto muitíssimo se alguém vai ficar chocado ou indisposto - é que eu sou completamente a favor de uma mulher que, ao descobrir que está gestando um bebê com microcefalia, independente de sua idade gestacional, tenha o direito de interromper esta gravidez.

Nenhuma mulher deveria ter negado o seu direito de decidir privar um filho de sofrimento.

Nenhuma mulher deveria ter negado seu direito de decidir privar a si e a todos em seu entorno do sofrimento por ter um bebê/criança/adulto portador de microcefalia.

Nenhuma mulher deveria ser obrigada a ter um bebê com uma má-formação tão grave e que, me desculpe, tem muitas explicações e nenhuma delas passa por questões religiosas ou espirituais. Pelo contrário. A saúde pública está aí para explicar.

Escolher interromper uma gestação de um bebê acometido por síndrome tão severa não é crime, ainda que a arcaica legislação brasileira insista em colocar nesses termos. E também não é egoísmo. É simplesmente empatia e respeito para com os limites e possibilidades individuais de cada um de nós.

Caso ainda tenha dúvidas de que a microcefalia leva a sofrimento, favor pesquisar os danos que a microcefalia causada pelo Zika vírus causa no cérebro e, consequentemente, no desenvolvimento global de uma pessoa.

Agora, se você tem relatos de casos de sucesso e de “não-sofrimento” de famílias e crianças acometidas pela microcefalia, por favor, comemore! Que bom que esse bebê/criança/adulto que possui a síndrome tenha nascido e ido para os braços dessa família que conseguiu acolhê-lo e dar todo o amor e o suporte necessários para conviver com suas dificuldades e limitações. No entanto, lembre-se de que somos todos diferentes e que não dá para usar a mesma régua para medir o sentimento, as possibilidades e os recursos (físicos e emocionais) de pessoas diferentes.

Ressalto que a única coisa que nunca, jamais, em hipótese alguma deveria acontecer é que pessoas que tenham decidido interromper a gestação de um bebê acometido por microcefalia - após ter sido devidamente informadas da situação e das consequências de sua decisão - sejam julgadas.

Lembrem-se: alguém que fez escolhas a partir de sua própria realidade, de sua história de vida e de seus limites e possibilidades, considerando uma tragédia tão grande como essa que estamos vivendo, merece nosso carinho, nosso respeito, nossa solidariedade e nossa compreensão."

Tuesday, November 17, 2015

Recado pra quem é contra a legalização do aborto

Você vai ajudar a criar e educar essa criança que não está sendo desejada? Ah, mas você pode responder que uma das soluções seria facilitar a adoção nesses casos. Coloque-se no lugar do mulher que não está desejando ter um filho, que não se sente em condições de ter essa criança, sendo obrigada a gestar por 9 meses e a parir.

É um processo muito longo e delicado para alguém que não está se sentindo em condições de mergulhar nessa jornada. É um ser da espécie humana que está para chegar e ele precisa ser muito bem recebido. Tudo isso precisa ser preparado com muito amor e dedicação. É por caso você quem vai passar por todas as dificuldades de uma gravidez? Você vai estar lá na hora do parto dessa mulher? Vai ser você quem vai sofrer todas as dores e percalços envolvidos numa gravidez e num parto. e outra: quem disse que essa mulher quer passar por tudo isso e depois entregar seu filho para terceiros que ela nem conhece. Você passaria por tudo isso para depois entregar seu filho para terceiros que você nem conhece?

Talvez seja mais prudente e ético respeitar a autonomia dessa mulher, que é um ser humano em sentido amplo, que sofre e que tem consciência de futuro, e que está muito preocupada com o futuro dessa criança que virá ao mundo, ao invés de ficar brigando pela vida de um punhado de células, as quais não sofrem nem sentem o mundo e estão, desse modo portanto, mais próximas de um espermatozoide do que essa mulher. 

Thursday, October 22, 2015

FAQ: aborto e direito à vida

Meu último vídeo tem o seguinte título:

“O direito de viver, matar e morrer no pensamento de Peter Singer”

Eis o link para o mesmo:


E hoje resolvi debater um pouco com um interlocutor (o qual chamarei de Jair) que faz perguntas bastantes comuns, que muitas pessoas fazem, as quais merecem talvez algumas respostas mais diretas. Transcrevo abaixo, então, esse pequeno debate:

Jair (em comentário ao vídeo): Falácia do apelo a autoridade kkkkk

Adriano: Por quê?

Jair: vc quer passar um escritor como verdade absoluta, a questão do aborto é tão simples de resolver. Pergunte para as crianças abandonadas se elas preferiam não ter nascido, ensine as mulheres a usar métodos ANTICONCEPCIONAIS. Apelar para o assassinato de seres inocente é ridículo.

Adriano: Primeiramente, esse vídeo nem trata da questão do aborto. Porém, acho que vale pena responder, mesmo assim.

Penso que seria uma falácia de apelo à autoridade se eu simplesmente afirmasse que o aborto deve ser legalizado porque segundo Peter Singer isso é correto e ponto final. Se eu não tivesse construído nenhum tipo de argumento, se eu não tivesse feito nenhum tipo de justificativa e somente tentasse levar o leitor acreditar que isso ou aquilo é certo ou errado porque alguma autoridade disse, isso sim seria apelo à autoridade. E não foi isso o que ocorreu.

Eu simplesmente faço a citação de Peter Singer porque não posso sair por aí esbanjando argumentos dos outros como se fossem meus. Somente estou citando a fonte. Isso é uma obrigação moral também. Sair por aí esbanjando uma série de ideias que não são minhas, como se fossem minhas, é plágio. Isso não somente é antiético como é crime. Me perdoe, mas eu acho que você está confundindo a obrigação moral e ética de citar fontes com apelos à autoridade.

Jair: é uma questão de matar ou não um ser humano, por mais que vc negue que um feto é um ser humano os fatos dizem o contrário. E outra, com a legalização do aborto há um perigo real de aumentar os casos de DSTs. É um absurdo legalizar assassinato e burrice no que diz respeito a controle de DSTs.

Adriano: Você disse que eu nego que o feto é um ser humano. Isso também não é verdade. Em nenhum momento eu afirmei isso. Se a legalização do aborto é um perigo real para aumentar os casos de DSTs, me explique por quê, e por favor cite as pesquisas científicas que embasam o que você está afirmando. Por que é um perigo real? Qual é o estudo experimental ou quais são as evidências epidemiológicas que sustentam essa sua afirmação? Ou isso é somente uma suposição da sua parte?

Você sugeriu que eu perguntasse para as crianças abandonadas se elas prefeririam não ter nascido. Isso me lembra muito a seguinte pergunta, a qual costumam muito frequentemente fazer aos defensores da legalização do aborto: "E se você tivesse sido abortado?". E a resposta é muito simples: se eu tivesse sido abortado, eu não estaria aqui para lamentar ou reclamar do que quer que seja.

Perguntar para uma pessoa se ela preferiria ou não ter nascido não necessariamente implicará em uma única resposta. A minha impressão é que você pressupõe que qualquer pessoa irá sempre responder do mesmo modo, que qualquer pessoa irá responder que preferia ter nascido, apesar de todas as adversidades que enfrenta em sua vida.

Mas essa sua pergunta talvez seja muito importante para nos reportarmos novamente ao pensamento de Peter Singer. Quem deveria responder a essa pergunta seria o próprio feto. E se ele não é capaz de responder a essa pergunta, quem deve respondê-la é quem tem esse feto sob sua responsabilidade, ou seja: sua mãe.

A ética proposta por Peter Singer jamais propõe que devemos matar seres humanos autônomos e com consciencia de si mesmos (ou mesmo aqueles que já foram assim algum dia), donos de sua própria vida e de seu próprio corpo. Expliquei isso muito bem explicado no vídeo, e acho que você não compreendeu.

O feto, o cérebro e a pessoa humana

Segundo Michael Gazzaniga, você não caminha por uma loja de materiais de construção e visualiza 30 casas. Você vê materiais que precisam de arquitetos, carpinteiros, eletricistas, encanadores para poder se criar uma casa.

Um embrião fertilizado pode então ser considerado, em termos genéticos, como um membro da espécie humana, mas há uma diferença muitíssimo grande de um embrião para um ser humano com todos os seus sistemas formados, principalmente o sistema nervoso, o qual lhe confere a capacidade para perceber o mundo e sofrer.

Esse embrião necessita de um útero e pelo menos 12 semanas de gestação, com o desenvolvimento, o crescimento, a duplicação celular, a formação de neurônios (de um sistema neurológico completo), além do zelo e autocuidado empenhado da mãe, diversas consultas médicas para o pré-natal, dedicação, paciência, alimentação e hábitos cuidadosos, para se tornar um ser humano biologicamente completo e objeto de nossas preocupações morais, já que depois de todo esse processo é um ser que sofre, assim como sofre quem cuidou para que chegasse até nesse ponto, e geralmente deseja , e muito, que continue vivendo.

Quando uma loja de materiais de construção sofre um incêndio, a manchete do jornal não é: "30 casas pegam fogo”. É: "Loja de materiais de construção pega fogo”.

O direito de viver, matar e morrer no pensamento de Peter Singer

Peter Singer, referência fundamental em bioética, é um autor que traça reflexões importantes sobre o direito à vida, o direito de morrer e o direito de matar.
O primeiro ponto que deve ser levado em conta é que ele é um utilitarista. Na concepção utilitarista é um imperativo ético agir para diminuir o sofrimento no mundo como um todo. Neste sentido, a ética não se restringe às interações entre os seres humanos. Se estende também para as interações dos seres humanos com todos os outros seres vivos.

A ética é uma filosofia da ação, a qual faz reflexões sistemáticas sobre os conceitos de bem e mal, tentando produzir conhecimentos consistentes sobre nossas ações em relação aos seus possíveis benefícios e e malefícios para todos os seres vivos que sofrem.

O objetivo da ética utilitarista é a diminuição de sofrimentos evitáveis no mundo porque, para esta abordagem, o sofrimento evitável é de certo modo o próprio mal. Se há sofrimento e ele é evitável, eis o mal a ser combatido.

O utilitarismo adotado por Peter Singer, por sua vez, se atrela bastante ao respeito pelos interesses dos seres vivos em questão. A compreensão é a de que, tendo seus interesses vitais contrariados, alguns seres vivos sofrem bastante. Ou seja, somente possuem interesses os seres vivos que sofrem. Em tese, as plantas ou um feto com menos de doze semanas de vida, por exemplo, não possuem interesse algum, já que até o presente momento não possuímos qualquer tipo de evidência de que sofrem.

Então, que fique claro, para esta concepção ética não há uma sacralização da vida, nem mesmo da vida humana. Aliás, em termos modernos, não faz sentido se sacralizar o que quer que seja. Nesse sentido, o respeito maior é pelo interesse de cada um em relação a si mesmo: ao seu próprio corpo e à sua própria vida. É ético, nesse caso, fundamentalmente, o respeito pelo outro e por seu bem-estar, desde que esse bem-estar não cause diretamente malefícios a terceiros.

Nesses termos, portanto, o direito à vida deve ser concedido àqueles seres que sofrem e que tem interesse em continuar vivendo, os quais têm consciência de que estão vivendo e de que existe a morte, sendo capazes de conceber um tempo futuro e de planejar sua própria vida em relação a esses dados de sua realidade.

Para os seres humanos, por exemplo, é importante saber que têm o direito à vida, que outras pessoas não podem simplesmente atentar contra a sua vida (ou contra a vida das pessoas que estimam) sem que isso tenha consequências sérias. Saber que o estado ou outras pessoas poderiam dar cabo de nossas vidas (ou da vida das pessoas que amamos), arbitrariamente, pode causar muita angústia e sofrimento em todas as pessoas, com sérios riscos de ruptura do tecido social. Isso é a barbárie, a guerra de todos contra todos.

Não há garantia de uma organização social mínima sem que o direito à vida seja resguardado. Não teríamos nesse caso uma sociedade mas sim grupos, clãs, isolados e em constante tensão.

Portanto, o direito à vida serve para proteger a vida dos indivíduos e da sociedade como um todo. Mesmo os mais niilistas e desapegados em relação à sua própria vida, tem de certo modo a obrigação moral de lutarem, na medida do possível, para se manterem vivos e bem, já que a vida de um ser humano costuma geralmente ser muito preciosa a outros seres humanos. Quando uma pessoa morre, geralmente outras ficam vivas e sofrendo muito em virtude dessa que se foi. Algumas pessoas, quando morrem, podem deixar danos irreparáveis nos que ficam.

Contudo, se uma pessoa está sobrevivendo em péssimas condições, em sofrimento extremo e irremediável (o qual é vivenciado por essa pessoa como insuportável), deve haver condições sociais para que ela tenha o direito de morrer. Se não somos, como sociedade, capazes de aliviar o sofrimento extremo de alguém que não suporta mais viver, devemos ajudá-la a morrer com dignidade.

Nesta vertente prevalece uma concepção consequencialista. Se a consequência do que fazemos produz mais benefícios do que malefícios, essa ação é geralmente julgada como a correta, como aquela que deve ser adotada. Então o direito de morrer, o direito à eutanásia, o direito a uma morte indolor, para quem possui uma doença terminal ou padece de sofrimentos extremos e irremediáveis, é o direito de terminar com sofrimentos que podem e devem ser evitados. Isso é uma ética da compaixão, da empatia e do respeito pela autonomia das pessoas.

E, por fim, o direito de matar. Não há como sustentar a afirmação simplória de que matar é sempre errado, porque nossa sobrevivência enquanto espécie implica em matar seres de outras espécies, o tempo todo. Mesmo quem adota uma dieta vegetariana também mata outros seres vivos para poder se alimentar deles, ou para se proteger e não contrair doenças e vir a perecer. No final das contas, o mais importante é saber como os seres vivos sencientes (que sofrem), que estão sob nossa responsabilidade, estão vivendo e sendo criados por nós. E se formos nos alimentar deles, é eticamente importante que tenham um abate o mais indolor possível, pois temos condições de lhes garantir uma morte digna. Assim como temos condições de diminuir, em nossa população, a ingestão de proteína animal, a qual pode ser, em boa medida (mas não totalmente), substituída por proteína de origem vegetal.

Finalizando: a ética proposta por Peter Singer jamais propõe que deve-se matar esse ou aquele ser vivo. Não é prescritiva nesse sentido. Matar não é um dever, muito menos nos contextos que envolvem seres humanos. É, no máximo, um direito. O dever, nesta concepção, está relacionado à diminuição do sofrimento no mundo, o qual de forma alguma se resolve com prescrições de extinção de seres humanos, em massa, como muitos afirmam para tentar refutar a ética utilitarista. Portanto, conforme as razões que já foram aqui expostas, seres humanos autônomos e com consciência de si mesmos (ou mesmo aqueles que já foram assim algum dia), donos de sua própria vida e de seu próprio corpo,  esses seres humanos têm direito à vida.