Thursday, December 29, 2016

Doenças inflamatórias crônicas e miopia (o estado da arte)

Uma série de achados científicos recentes vem apontando para o fato de que existem doenças próprias às sociedades urbanas e industrializadas. As doenças inflamatórias crônicas e a miopia são um bom exemplo desse tipo de enfermidade.

A prevalência de miopia, nas sociedades urbanas e industrializadas, tem aumentado bastante nos últimos 50 anos e isso demonstra o quanto os fatores ambientais também são importantes na determinação desse tipo de distúrbio. Portanto, atualmente tem ganhado força a teoria de que a miopia é resultante de uma interação complexa entre predisposição genética e exposições ambientais.
As pesquisas mais recentes têm demonstrado que os fatores mais intensamente correlacionados à miopia são ambientes fechados e pouca luz natural, do sol.

A lista de doenças inflamatórias crônicas, por sua vez, é bastante extensa. Nela estão várias doenças das quais padecemos atualmente. Nessa lista estão incluídas as doenças de caráter alérgico e autoimune e talvez muitas outras que apresentam processos inflamatórios crônicos.

Somente para se ter uma ideia, eis uma lista das mais notórias: asma, bronquite, espondilite anquilosante, artrite, aterosclerose, doença de Crohn, retocolite ulcerativa, colite, dermatite, diverticulite, fibromialgia, síndrome do intestino irritável, lúpus eritematoso sistêmico e esclerose múltipla.

Em uma das maiores e mais recentes revisões científicas sobre o tema, a qual foi publicada em 2012, os autores escreveram assim:

“Embora os fatores genéticos tenham seu papel, a teoria imunológica atual foca na interação desses fatores com as exposições precoces e isso, em alguns indivíduos, resulta em uma desregulação do sistema imunológico.” (1)

Ou seja, há fatores genéticos, porém a interação precoce com o ambiente é também fundamental. E essa interação começa antes do nascimento, ainda em nível intrauterino, e se estende para a infância, durante a formação do sistema imunológico.

Nas sociedades urbanas e industrializadas ocorreu um processo de empobrecimento do microbioma: o ambiente urbano é microbiologicamente pobre. A diversidade de espécies de micróbios no meio urbano é menor do que nas regiões de matas e nos meios rurais que cultivam criações de animais. Então a redução da exposição a biomas mais diversificados (incluindo aí os microbiomas) seria um dos determinantes fundamentais dessa desregulação de nosso sistema imunológico e, consequentemente, do aumento da incidência de certas doenças inflamatórias.

Essas correlações começaram a ser estabelecidas a partir da investigação das doenças atópicas (provocadas por uma reação alérgica causada pela ativação da imunoglobulina E - IgE). Mas agora essas correlações tem sido observada em outras doenças tais como: “asma, a maioria dos tipos de artrite, doenças inflamatórias intestinais como colite ulcerativa e doença de Crohn, distúrbios neuroinflamatórios como a esclerose múltipla, aterosclerose, diabetes tipo 1, a depressão associada com o aumento de citocinas inflamatórias, e alguns tipos de câncer.” (1)

Portanto, de acordo esses achados científicos, se você quer tentar prevenir distúrbios como a miopia e as doenças inflamatórias crônicas em seus filhos, existem algumas medidas simples que podem ser tomadas, e que talvez eficazes.

No caso da miopia talvez seja válido estimular que crianças e adolescentes realizem mais atividades, durante o dia, ao ar livre, pois a luz do sol e ambientes abertos talvez possam ter um papel preventivo.

Por sua vez, para a prevenção de doenças inflamatórias crônicas, é importante saber que sua incidência é menor:

1. Em pessoas cujas mães, durante a gravidez, tinham verminose ou moravam na zona rural (com criação de animais). E boa parte dessas pessoas, livres desse tipo de doença, nasceram e cresceram em zonas rurais que têm criação de animais (de preferência de várias espécies).

2. Em populações que moram em zonas de mata ou bem próximas dessas zonas.

3. Em pessoas que pouco fizeram uso de antibióticos durante a vida.

4. Em pessoas com índices adequados de vitamina D, o que nos relembra novamente da importância dos banhos de sol, os quais são a melhor fonte para a síntese dessa vitamina.

5. Em pessoas com verminoses leves.

6. Em quem teve parto normal (vaginal) e teve amamentação para além dos seis meses de idade.
Abaixo uma das maiores e mais recentes revisões científicas sobre o tema, a qual foi publicada em 2012:


Portanto algumas medidas simples podem ser tomadas, com o intuito de tentar prevenir, ou diminuir os efeitos de algumas dessas doenças.

No caso da miopia, se você deseja atuar para tentar preveni-la em seus filhos, é importante a exposição precoce (na infância) ao sol e a ambientes abertos. Ou seja: é importante deixar que seu filho brinque, muito, fora de quatro paredes, fora de casa. Luz natural, do sol, e ar livre: eis os ingredientes.

Abaixo um artigo científico e uma reportagem da BBC sobre o tema:


A paz e o espírito

Desculpe-me, mas se você acredita em espiritualidade, em espírito, e que este se opõe à matéria, a esse mundo, não faz o menor sentido pedir nada, pra Deus, que não seja paz - se é que é possível se pedir alguma coisa pra Deus.

Se a espiritualidade ou o espírito transcendente existem, e em oposição à matéria, seu único porto, pilar, base ou fundamento, talvez seja mesmo a paz. Desse modo não faz sentido nem mesmo pedir pela cura de uma doença fatal, e muito menos por mais dinheiro ou bens de qualquer espécie. O exercício da espiritualidade deve almejar a superação dos determinantes materiais e corporais: a paz, nesse caso, não seria simplesmente o último refúgio do espírito, mas sim a sua única morada.

Ariano Suassuna e a esperança

"O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso." (Ariano Suassuna)

Mas, Ariano, a esperança é uma bosta:

“Da caixa de Pandora, na qual fervilhavam os males da humanidade, os gregos fizeram sair a esperança em último lugar, por considerá-la o mais terrível de todos." (Albert Camus)

“O que é a esperança? É um desejo que se refere ao que não temos (uma falta), que ignoramos se foi ou será satisfeito, enfim cuja satisfação não depende de nós” (...)

"Esperar é desejar sem saber, sem poder, sem gozar. O sábio não espera nada. Não que ele saiba tudo (ninguém sabe tudo), nem que possa tudo (ele não é Deus), nem mesmo que ele seja só prazer (o sábio, como qualquer um, pode ter uma dor de dente), mas porque ele cessou de desejar outra coisa além do que sabe, ou do que pode, ou do que goza. Ele não deseja mais que o real, de que faz parte, e esse desejo, sempre satisfeito - já que o real, por definição, nunca falta: o real nunca está ausente -, esse desejo pois, sempre satisfeito, é então uma alegria plena, que não carece de nada. É o que se chama felicidade." (...)


“Só esperamos o que não temos, e por isso mesmo somos tanto menos felizes quando mais esperamos ser felizes. Estamos constantemente separados da felicidade pela própria esperança que a busca. A partir do momento em que esperamos a felicidade (“Como eu seria feliz se...”), não podemos escapar da decepção... É o que Woody Allen resume numa fórmula: “Como eu seria feliz se fosse feliz!” " (Comte-Sponville).

Referência:
Comte-Sponville, A. (2001). A felicidade, desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes

Saturday, December 24, 2016

"Japonês do Japão prova rodízio japonês do Brasil"

Está circulando um vídeo em que um japonês, do Japão, come em um rodízio de comida japonesa, no Brasil, e na maioria das vezes ele simplesmente cospe tudo, achando um horror, um nojo.

Eu é quem achei esse vídeo um nojo, e nem consegui assisti-lo até o final. Uma vez assisti a uma entrevista com um dos maiores pesquisadores acadêmicos (de universidade mesmo) do Japão na área de culinária japonesa, e esse pesquisador deixou uma coisa clara: é bom que o sushi ou a culinária japonesa se espalhe pelo mundo conforme as características de cada lugar, que cada um faça ou recrie o sushi como achar melhor.

A maneira como o brasileiro come sushi é somente a maneira como o brasileiro come sushi. Só isso. Menos etnocentrismo e mais tolerância e respeito pelas diferenças culturais, por favor.

Se um gringo tenta dançar samba é porque ficou admirado com algum aspecto de nossa cultura. Não faz o menor sentido ficarmos debochando de alguém que nos admira e respeita, assim como também não faz muito sentido você ficar se vangloriando por ter assistido a um programa, em algum restaurante japonês caríssimo, o qual caga regra de como exata e especificamente deve ser feito e comido o verdadeiro sushi.


Porque no final das contas é bem simples: o verdadeiro sushi é o sushi que cada um gosta de comer.

Qual é o sentido?

O sujeito estava passando na rua e, azar, um ladrilho, um único ladrilho, em anos, solta do reboco, cai na sua cabeça e ele morre.

Foi por acaso, sem causa? De forma alguma.

E por que isso foi ocorrer justamente com esse coitado que estava passando na rua?

Porque era ele que estava passando ali no momento.
Isso explica? Explica.


Isso nos consola? Não. Isso não nos consola e não tem sentido. É como a vida: não tem sentido. Se quiser, cada um que crie o seu...

Wednesday, December 21, 2016

"O que é Deus pra você?"

Hoje os usuários do CAPS, de meu grupo, quiseram falar de Deus. Uma das usuárias tomou a frente, e liderou essa atividade, proposta por eles mesmos.

Como ela sofreu algumas perdas muito dolorosas em sua vida, contou-nos que, após essas perdas, passou a não entender como seria possível a existência de algo como Deus (onipotente e absolutamente bom) a permitir a existência de tanta injustiça e sofrimento.
Após declarar isso, o discurso dela sofre um revés, e ela fala que já está recuperando sua fé, porém agora em outros moldes. Mas ela ainda parece ter várias questões sobre o que seria exatamente Deus pra ela, se ele seria algo muito similar a uma pessoa ou se ele seria simplesmente "energia" ou coisa parecida.

Tendo feito suas digressões sobre o tema, ela lançou uma pergunta para todos os presentes: "O que é Deus pra você?".

E ela queria muito que eu também dissesse, a todos ali, o que é Deus pra mim. Aliás, houve também uma certa pressão de todos os presentes para que eu também participasse. Estavam muito curiosos em saber o que eu pensava sobre isso.

- Se eu disser que Deus pra mim é a origem e o fim de tudo, a razão do universo e a substância primordial do amor, como vocês se sentiriam?

A maioria quase que absoluta respondeu que se sentiria muito bem ouvindo isso de mim.

- E se eu dissesse pra vocês que Deus, pra mim, não é porra nenhuma?

A maioria quase que absoluta disse que não se sentiria nada bem em ouvir isso de mim.

- E se eu dissesse a vocês que eu gostaria muito, que eu acharia maravilhoso que Deus existisse, que alguém de fato pudesse cuidar de nós, como vocês se sentiriam?

A maioria disse que seria muito tranquilo ouvir isso de mim.

Enquanto eles debatiam, rapidamente puxei algumas palavras de Clarice Lispector:

"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o. amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar."


Senti que a situação exigia delicadeza e vínculo, com um nível um pouco maior de reciprocidade, e não simplesmente uma abstinência que instala algumas porções de deserto entre as pessoas. Senti-me mais próximo deles, e espero que também tenham se sentido mais próximos de mim. No final, após termos aprofundado a questão, segundo as possibilidades e limites de nosso contexto, um número maior de usuários, do que de costume, veio me abraçar...

Cuidado com seus desejos (texto de 2007)



 Há duas catástrofes na existência: a primeira é quando nossos desejos não são satisfeitos; a segunda é quando o são.

George Bernard Shaw


Boa parte de nossos dramas existenciais e da conquista de bem-estar psicológico podem ser relacionados ao modo como lidamos com nossos desejos. Há quem pregue a completa renúncia ao desejo. Afirmam que nele estaria a fonte da infelicidade. Neste caso, em tese, só desejamos aquilo que não possuímos. Logo, ao obter o que desejávamos, já não o queremos mais. O que nos incluiria em um ciclo de perpétua geração da insatisfação. Esta só existe se há desejo. Se há insatisfação, infelicidade, elas geralmente existem porque algum desejo não foi satisfeito.

A felicidade, ou a alegria, seu representante elementar, são frutos da realização de desejo. Se alguém está alegre ou feliz é porque algum desejo foi ou está sendo satisfeito. Portanto, neste contexto de argumentação, a afirmação de que renúncia ao desejo seria um caminho para a felicidade é insustentável. Na verdade, o foco deve ser mantido no modo como desejamos. Não se trata, em termos absolutos, de haver desejo ou não. Pois o desejo é o motor. É ele, de certo modo, quem nos mantém vivos. Sem desejo não há ação.

Segundo Luc Ferry (2007), a sabedoria antiga, por meio da escola estóica, nos ensina muito acerca da temperança e da resignação: desejar somente aquilo que dependa diretamente de nós; jamais despender energia e esforços para com o que é improvável; e, no eixo do tempo, não lamentar passado nem esperar nada do futuro. Ao invés de esperar, agir, e no agora. Há um foco na ação e no presente. Os estóicos concebem a esperança e a nostalgia como verdadeiros atrasos de vida. Devem ser expurgados de nossa existência. “Não chorar o leite derramado"; não criar expectativas demais”; “não viver em função de passado nem de futuro”: é mais ou menos nestes termos que estas questões são expressas pelo senso-comum.

Da minha leitura de autores que escreveram sobre o desejo, fica uma formulação, um valor que procuro também adotar para minha própria vida. Tento sintetizar, da forma mais simples possível (ou até simplória – talvez seja o caso), um imperativo moral no seguinte enunciado:

“Desejar mais o que já se tem e menos o que ainda não tem”.

A primeira é a classe dos desejos imediatamente possíveis. E a segunda é a classe dos desejos prováveis. Colocados na balança de nossa vida, é mais prudente que existam, em maior peso e número, os imediatamente possíveis. Esta classe diz respeito a tudo aquilo que desejamos e que pode ser imediatamente realizado. É desejar o que já se tem. É desfrutar de tudo aquilo que já possuímos. É dar valor ao que temos. Eis a gratidão, como uma virtude, e sua importância.

Os jargões populares “só dá valor quando perde” e “não dá valor ao que tem” traduzem de certa forma o erro: desejar somente o que não possuímos, deixando de lado toda uma vida possível e palpável, a qual poderia ter sido desfrutada e não foi. Sinto da seguinte maneira: não é necessário abandonar nossos sonhos. Mas é muito pouco saudável viver somente em função deles, sacrificar nossas possibilidades de fruição e prazer imediatos em prol de castelos no ar.

E o que seria desejar o que já se possui? Muito simples. É desejar o que é imediatamente possível. Por exemplo: desejo chegar hoje em casa e tomar um bom e relaxante banho; desejo comer lasanha no almoço; desejo, após o almoço, tirar uma boa soneca; desejo agora estar aqui, escrevendo este artigo, e estou. Nada disso é simplesmente provável. São eventos que estão imediatamente ao meu alcance. E não dependem predominantemente de terceiros ou sorte. Lembro de Sartre dizendo coisa parecida: se depende dos outros ou da sorte, então desista e vá dedicar sua energia em algo mais útil.
É a tristeza do torcedor, do fã, dos idólatras como um todo. É remoer-se por algo que não depende de nossos próprios esforços. É colocar todas as fichas de nossas apostas vitais em algo que está fora de nós mesmos. É abrir mão de nossas responsabilidades e de tudo o que podemos fazer por nós próprios, na esperança inútil (sempre inútil, segundo alguns autores) de que algo decisivo aconteça, de que alguma graça caia do céu.

Há, porém, distinções e sutilezas existentes entre os conceitos de desejo, vontade, e esperança, por exemplo, que ser realizadas. Segundo Comte-Sponville, em seu belo ensaio “A felicidade, desesperadamente” (2005, p. 60), pode-se desejar o que depende de nós (vontade) e o que não, de nós (esperança). Diz que toda esperança é um desejo, mas que nem todo desejo é uma esperança. Pois é possível desejar o que já possuímos, o que é imediatamente possível. E isto seria o que ele chama de “felicidade em ato”. Mais bem-estar significa mais felicidade em ato e menos felicidade em potência no balanço de nossa vida.

Seria tirar a vida do condicional, do “como eu seria feliz se isso ou se aquilo”. É fazer o que se tem vontade, o que se gosta, aqui e agora. O que se pode fazer e não o que se poderia fazer. Tirar proveito, prazer, de tudo o que já temos, por mais simples que seja. Uma sabedoria da simplicidade, dos pequenos prazeres da vida, muitas vezes.
Comte-Sponville defende que a conquista da felicidade se dá por meio de um “alegre desespero”. E o sentido palavra desespero, neste caso, remete à ausência de esperança, a qual ele, e boa parte da história da filosofia, repudiam. Neste sentido, ter esperança, esperar, (ou seja, desejar o que não depende de nós mesmos) é desejar sem gozar, sem poder e sem saber. Sem gozar, pois não que desejamos. Sem poder, pois não que desejamos e nem somos capazes para tal. E sem saber, pois nosso desejo é somente uma aposta à derivar pelo oceano do acaso, na crença de uma fortuna remota.

A esperança – ao contrário da vontade, a qual está centrada na ação e em objetivos mais concretos e imediatamente possíveis – é um desejo miserável. Não consigo deixar de ver relação com o dito “sonhar alto”, o qual não vejo com bons olhos. Logo sinto o cheiro de megalomanias, adolescência ou o mercado da venda do sucesso no ar. Não que sonhar alto seja condição para realizar o que quer que seja. E em muitos casos, como nas manias, o preço do sonhar alto é a negação da realidade mais imediata e concreta. Há desprezo pelos passos mais próximos, pela humildade de saber se colocar na realidade, e um desespero sentido de aflição em pular etapas. Como se pudéssemos viajar sem percorrer qualquer caminho.

Tive um paciente acometido por megalomanias. O que mais fazia era sonhar alto. E quanto maior o sonho, maior o tombo, se este não for realizado. Maior a frustração. E quanto maior for esta, mais sólida terá de ser a estrutura do sujeito para o fracasso, para a perda, pois maior é o luto a ser justamente elaborado, o que não costuma ocorrer com quem sonha alto demais, com os megalômanos. Eles sonham alto para se esconder, para fugir do peso da realidade. E ficam presos a um ciclo vicioso. Seus castelos no ar se desmancham e caem no fundo do poço da frustração. E voltam a sonhar alto, porque é isso, no seu modo de funcionamento, o que lhes resta.

Desejando avidamente tudo o que não possuem, tudo o que está distante, tropeçam no passo mais próximo. Aliás, a avidez, o excesso de energia que concentramos em um único ponto de nossos desejos, é também geralmente nefasta. Jargão popular: “não ir com muita sede ao pote”. Em muitos casos uma atitude mais desprendida e desapegada do objeto de desejo é mais salutar.

Porque a avidez é irmã de uma ansiedade contraproducente, a qual atropela ou violenta o objeto de desejo, em vez de conquistá-lo. Bota o carro na frente dos bois. É mãe de uma impetuosidade viciosa. É a voracidade que não saboreia, o desejo intenso que é inimigo da espontaneidade, pois é mistificação excessiva, tornar fetiche o que não se possui. É desejar possuir antes de conhecer. O ter antes do saber. E talvez uma desesperada paixão pelo êxito.

Então, retomando o título do artigo: “Cuidado com seus desejos. Você pode realizá-los.” Este é o dito popular em sua forma completa. Porém, pode haver diferentes apropriações do mesmo. Pode-se compreendê-lo pelo viés da capacidade, do sucesso, ou mesmo da decepção. O primeiro sentido seria: você é capaz de realizá-los. Ou: a possibilidade de realização é maior do que você imagina. Acaba atuando como uma forma poética ”de estimular o desejo, o sonho, ou a aposta.“

E na verdade é isso o que o mercado do sucesso, da auto-ajuda, em boa medida, faz: cria legião de apostadores. Vive de vender apostas. De estimular o comportamento de jogo, de aposta. “É necessário desejar (pois assim o universo conspira a favor”), sonhar, acreditar, ter fé, esperança, pensar positivo”.

O segundo sentido refere-se à possibilidade de realização, mas levando-se em conta também a possibilidade da decepção. E este seria o segundo tipo de catástrofe que acomete a existência: quando nossos desejos são satisfeitos. E é para o que chama atenção a frase de Bernard Shaw.

Muitas vezes, devido a avidez ou ambição excessivas, criamos tantas expectativas em relação à realização de determinados desejos, que nos esquecemos de todo o restante da vida. Passamos a habitar as nuvens e assim deixamos de viver. E nos esquecemos também que frustrações e decepções não são somente frutos do fracasso. Elas podem surgir da simples percepção de que nossos objetos de desejos não são tão fabulosos quanto nossa sede os fazia parecer. Porque a idolatria quase sempre desemboca na decepção. O olhar faminto adultera e diviniza o objeto da fome. Assim, o desejo, o sonho, é traduzido em necessidade vital (com o perdão do pleonasmo).

É este mesmo o mecanismo: transformar o sonho em algo vital; e a probabilidade em certeza. O sonho realizado ou a morte. E assim muitos sonhadores deixam de viver, para viver sonhando.

Referências

Comte-Sponville, A. (2004). Dicionário Filosófico. São Paulo: Martins Fontes.
__________________ (2005). A felicidade, desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes.

Ferry, L. (2007). Aprender a viver. São Paulo: Objetiva.

Wednesday, December 07, 2016

Dicas de português

Em duas frases curtas, e geniais, algumas dicas de português e um pouco de humor:
"O mau, educado, não é bom."
"Se você me desse a tarde, eu alegremente a trocaria por uma crase."