Hoje os usuários do CAPS, de meu grupo, quiseram
falar de Deus. Uma das usuárias tomou a frente, e liderou essa atividade,
proposta por eles mesmos.
Como ela sofreu algumas perdas muito dolorosas
em sua vida, contou-nos que, após essas perdas, passou a não entender como
seria possível a existência de algo como Deus (onipotente e absolutamente bom)
a permitir a existência de tanta injustiça e sofrimento.
Após declarar isso, o discurso dela sofre um
revés, e ela fala que já está recuperando sua fé, porém agora em outros moldes.
Mas ela ainda parece ter várias questões sobre o que seria exatamente Deus pra
ela, se ele seria algo muito similar a uma pessoa ou se ele seria simplesmente
"energia" ou coisa parecida.
Tendo feito suas digressões sobre o tema, ela
lançou uma pergunta para todos os presentes: "O que é Deus pra
você?".
E ela queria muito que eu também dissesse, a
todos ali, o que é Deus pra mim. Aliás, houve também uma certa pressão de todos
os presentes para que eu também participasse. Estavam muito curiosos em saber o
que eu pensava sobre isso.
- Se eu disser que Deus pra mim é a origem e o
fim de tudo, a razão do universo e a substância primordial do amor, como vocês
se sentiriam?
A maioria quase que absoluta respondeu que se
sentiria muito bem ouvindo isso de mim.
- E se eu dissesse pra vocês que Deus, pra mim,
não é porra nenhuma?
A maioria quase que absoluta disse que não se
sentiria nada bem em ouvir isso de mim.
- E se eu dissesse a vocês que eu gostaria
muito, que eu acharia maravilhoso que Deus existisse, que alguém de fato
pudesse cuidar de nós, como vocês se sentiriam?
A maioria disse que seria muito tranquilo ouvir
isso de mim.
Enquanto eles debatiam, rapidamente puxei
algumas palavras de Clarice Lispector:
"Meu Deus, me dê a coragem de viver
trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê
a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a
Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com
este vazio tremendo e receber como resposta o. amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha
alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha
solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se
estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar."
Senti que a situação exigia delicadeza e
vínculo, com um nível um pouco maior de reciprocidade, e não simplesmente uma
abstinência que instala algumas porções de deserto entre as pessoas. Senti-me
mais próximo deles, e espero que também tenham se sentido mais próximos de mim.
No final, após termos aprofundado a questão, segundo as possibilidades e
limites de nosso contexto, um número maior de usuários, do que de costume, veio
me abraçar...
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