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Wednesday, April 17, 2019

Paraíso ou inferno dos tolos?

Imagine que alguém sofra de um ciúme patológico. O cônjuge é fiel, um santo, mas equivocadamente o ciumento pensa constantemente que está sendo traído. Sofre constante e intensamente em função de seu equívoco. Eis o inferno dos tolos: conceber o pior cenário possível, nunca saber o que de fato está ocorrendo, quando tudo na verdade é uma benção. 

Mas existe também o paraíso dos tolos. Há, equivocadamente, convicção e segurança de que o outro é fiel, quando na verdade é o contrário.

Então, o que é pior: o inferno ou o paraíso dos tolos? Não sejamos tolos: obviamente que é o inferno. Tolice por tolice, fiquemos com o paraíso. 

Conclusão: se você é tolo, é melhor ser otimista. Se você não sabe o que as coisas são, ou o que está acontecendo, é melhor ser otimista. Neste caso o otimismo é o colírio, o adoçante dos tolos. Porque torna a tolice muito menos amarga.

E é também por isso que o otimismo vende mais. Porque é a tolice quem com mais frequência dá as cartas.

Monday, August 06, 2018

Acreditar não é causa de comportamento...

Como sempre digo: as coisas não melhoram porque você ficou mais otimista. Você ficou mais otimista porque as coisas melhoraram.

Geralmente não basta recomendar que as pessoas sejam mais otimistas. O mundo, as relações com o mundo, precisam se alterar e, se alterando, é assim que as pessoas naturalmente ficam mais otimistas. 

O otimismo é um sentimento, e sentimentos não brotam do nada. Cada um tem uma história de vida e condições específicas para poder se sentir desta ou daquela maneira, para se sentir otimista ou não, por exemplo. A recomendação para que alguém seja mais otimista tende a fracassar. É como recomendar, por exemplo, para que alguém não sinta fome quando está sentindo fome.

Acreditar não é causa de comportamento, acreditar já é o resultado, a consequência de algumas relações com os outros e com o mundo. Dizer que as pessoas precisam acreditar é muito pouco. Precisamos fornecer as condições adequadas para que as pessoas comecem a acreditar. Elas começam a acreditar se essas condições se formam. As condições primeiro se formam, e aí sim elas começam a acreditar.

Reiterando, com um acréscimo: a recomendação de mais otimismo costuma ser algo muito pouco efetivo e forçado, principalmente se vier alguém com quem não temos vínculo, que não nos conhece ou não conhecemos suficientemente para poder confiar e poder contar com essa pessoa, caso as coisas não deem certo.

É somente entrando em contato com a realidade, com as contingências que a própria situação vai impondo, que você vai acreditar que uma hora pode conseguir ou não alguma coisa nessa vida.

O sentimento de crença depende de como a pessoa vai se envolvendo com a situação que a desafia. É muito difícil acreditar se não houve preparo para isso. Acreditar, também, não é algo que brota do nada. Brota de ambientação.

Fora o fato de que também haverá crenças completamente deslocadas da realidade, crenças falsas, que somente estão baseadas no incentivo enganador de algumas pessoas que geralmente estão abusando de quem acredita. Falsas crenças e otimismo forçado não fazem verão.

O que muitas pessoas não percebem é que, na variedade e complexidade da vida, há históricos diferentes de relação com a frustração. Para fazer com que as pessoas passem a ser mais otimistas (no sentido comportamental de continuarem lutando, apesar das condições adversas, o que em muitos casos nem mesmo seria classificado como otimismo, mas que seria sim o mais desejável) é necessário que haja treinamento, habituação em relação a alguns tipos de frustração. 

Porque é aquela velha história: o pessimista reclama do vento, o otimista espera que ele mude de direção, e o realista ajusta as velas. E olha que esse realista aí pode até estar um pouco pessimista, dizendo que a probabilidade de conseguir as coisas seja pequena, mas ele não para de agir, não para de tentar ajustar suas ações ao que está ocorrendo no mundo e na natureza. 

Trata-se do que muitos chamam de otimismo da ação, o qual é muito melhor do que o otimismo da ideia. E esses padrões de comportamento não têm origem na solidão de um indivíduo, que muitos ilusoriamente concebem como gerador de seus próprios sentimentos e aspirações. Depende das estimulações do mundo, de tudo o que ocorre no mundo e nos atinge, nos afeta, seja isso provindo de pessoas ou do que comumente denominamos como “mundo físico”.

Portanto, sem nos esquecermos que não existe geração espontânea, que não existem sentimentos e desejos que brotam do indivíduo, em muitos casos é melhor a combinação de pessimismo no campo das ideias com otimismo no campo da ação. Se você vai, por exemplo, construir um avião, talvez seja melhor pensar no pior que pode acontecer, para assim construir o melhor avião possível.

Saturday, January 06, 2018

Otimismo e pessimismo (um pouquinho de análise do comportamento pode ajudar)

É muito comum que as pessoas recomendem umas às outras que elas precisam ser mais otimistas. Porém não nos esqueçamos de uma coisa: o otimismo é um sentimento, e sentimentos não brotam do nada. Cada um tem uma história de vida e condições específicas para poder se sentir desta ou daquela maneira, para se sentir otimista ou não, por exemplo. Portanto a recomendação para que alguém seja mais otimista tende a fracassar. É como recomendar, por exemplo, para que alguém não sinta fome quando está sentindo fome.

O que muitas pessoas não percebem é que, na variedade e complexidade da vida, há históricos diferentes de relação com a frustração. Para fazer com que as pessoas passem a ser mais otimistas (no sentido comportamental de continuarem lutando, apesar das condições adversas, o que em muitos casos nem mesmo seria classificado como otimismo, mas que seria sim o mais desejável) é necessário que haja treinamento, habituação em relação a alguns tipos de frustração.

Porque é aquela velha história: o pessimista reclama do vento, o otimista espera que ele mude de direção, e o realista ajusta as velas. E olha que esse realista aí pode até estar um pouco pessimista, dizendo que a probabilidade de conseguir as coisas seja pequena, mas ele não para de agir, não para de tentar ajustar suas ações ao que está ocorrendo no mundo e na natureza. Trata-se do que muitos chamam de otimismo da ação, o qual é muito melhor do que o otimismo da ideia.

Em muitos casos é melhor a combinação de pessimismo no campo das ideias com otimismo no campo da ação. Se você vai, por exemplo, construir um avião, talvez seja melhor pensar no pior que pode acontecer, para assim construir o melhor avião possível.

Saturday, November 18, 2017

O otimismo e os cadáveres do Monte Everest

Acabo de ler, aqui pela internet, a seguinte frase: 

“Lembre-se de que todo cadáver, no Monte Everest, já foi um dia uma pessoa altamente motivada.”

Como muitos de vocês sabem, há centenas de corpos de pessoas que morreram durante a escalada, e que estão congelados no Monte Everest.

Essa frase é bastante interessante porque demarca muito bem o limite do entusiasmo, da motivação, do otimismo. Para se ter sucesso não basta estar motivado, entusiasmado, pensando positivo, com vontade de fazer as coisas. É necessário, antes de tudo, estar muito bem treinado. 

Essa frase é interessante, porque é um soco no estômago da ideia de que o otimismo é determinante para alguma coisa nessa vida. O fato é que o otimismo não é determinante de nada. E não é determinante de nada porque ele não é o início. É o fim. Não é causa. É consequência. O otimismo é um efeito de interações favoráveis com o mundo e as pessoas.

As coisas não dão certo porque você está motivado, otimista. Você fica motivado e otimista porque as coisas estão dando certo. É esse o ponto principal, e que deve ser levado em conta. É justamente isso que essa frase impactante nos faz lembrar.

É óbvio que uma pessoa mais motivada irá produzir mais. Mas o ponto principal aqui é o equívoco das pessoas em acreditar que a motivação irá surgir do nada, ou de algumas estimulações que na verdade são bem pouco efetivas para fazer com que os outros fiquem mais motivados. Não adianta ficar falando que as pessoas têm de ser mais otimistas, porque isso é muito pouco efetivo para produzir mais otimismo. Assim como também não faz o menor sentido ficar falando que as pessoas têm de ser mais motivadas.

Aliás, nesse caso, o termo motivação é bem mais adequado que o termo otimismo, pois há uma compreensão melhor de que a motivação precisa ser produzida por meio de melhorias nos ambientes em que as pessoas atuam. Quando se fala em motivação, as pessoas compreendem melhor que ela não depende de pensamentos positivos ou inutilidades similares. Compreendem que é necessário fomentá-la, e que esse fomento preferencialmente ocorra com mudanças efetivas nas interações que as pessoas têm com o mundo e os outros. Se o ambiente é melhor, mais estimulante e acolhedor, a tendência é que as pessoas se sintam mais motivadas.

Quando utilizamos o termo motivação fica mais claro que não depende da própria pessoa para que ela seja mais motivada. Não basta ela pensar que ela tem que ser mais otimista ou mais motivada, porque a motivação não brota de si mesmo. Surge sempre de fora. A mudança, segundo as evidências mais sólidas, sempre se dá de fora para dentro, e não o contrário, como o senso-comum apregoa. 

Acreditar no contrário é acreditar em geração espontânea. É acreditar em falsos agentes. É trocar o determinante pelo seu efeito. É mexer no lugar errado. É não compreender a distinção fundamental entre variáveis dependentes e independentes em relação a nosso comportamento. Serve para quem não quer mudar nada, para depois ainda jogar a culpa nas costas de alguém. Só serve para isso: para manter tudo como está.

Então, finalizando: ninguém tem que ser otimista. As pessoas tem que ser motivadas, por outras pessoas, pelo mundo, e motivadas de modo adequado.

Friday, June 17, 2011

"Eu era feliz e não sabia"?


“Eu era feliz e não sabia”. Sempre achei essa frase meio tola. Por quê? Porque, depois que passou, depois que os males já foram resolvidos, depois que ficaram para trás, sinto que tendemos a superestimar a alegria passada e a subestimar a dor de ontem, hoje já resolvida. Nostalgia, é isso. Coisa de gente triste e masoquista: coleção de lembranças boas para lamentar o presente, para maltratá-lo e desvalorizá-lo ainda mais. Está ruim, está sofrendo? Comece a comparar com o que já foi, e que foi melhor, para ficar (o presente) pior ainda.
Nostalgia “é a falta do passado, na medida em que houve. Distingue-se da lamentação (falta do que não foi). Opõe-se à gratidão (a lembrança reconhecida do que ocorreu: a alegria presente do que foi) e à esperança (a falta do porvir: do que talvez venha a ser). Tendo a pensar que a nostalgia, desses quatro sentimentos, é o primeiro, e que toda esperança, especialmente, nada mais é que a expressão – ou o remédio imaginário – de uma nostalgia prévia. Seria preciso reler Platão e Santo Agostinho, desse ponto de vista, à luz de Freud. E reler também Epicuro: veríamos neles que a gratidão é o único remédio verdadeiro contra a nostalgia” (Comte-Sponville, 2003, p. 419)
Ou, ainda com o pensamento de Comte-Sponville, porém em outro texto, em seu “Pequeno tratado das grandes virtudes” (2000):
“A gratidão se regozija com o que aconteceu, ou com o que é; ela é, portanto, o inverso do arrependimento ou da nostalgia (que sofrem com um passado que foi, ou que não é mais), como também da esperança ou da angústia, que desejam ou temem (desejam e temem!) um futuro que ainda não é, que talvez nunca seja, mas que as tortura com sua ausência” (p. 150).
Marcel Pagnol nos ajuda no arremate: "A razão pela qual algumas pessoas acham tão difícil serem felizes é porque estão sempre a julgar o passado melhor do que foi, o presente pior do que é, e o futuro melhor do que será". Pessimismo em relação ao presente, como já discuti aqui, é uma grande furada. É mais seguro o otimismo no presente, a gratidão (ver o lado bom, dar valor ao que se tem), do que lançá-lo faminto ao futuro, inflado de desejos acerca do que ainda não existe.
Concluindo, em termos psicanalíticos, aproveitando que Comte-Sponville cita Freud, é até mesmo mais comum o contrário. É mais comum, por uma questão de proteção, de sobrevivência (e também por falta de maturidade, discernimento), somente nos darmos conta da intensidade dolorosa de certos sofrimentos depois que já passaram, invertendo-se assim o jargão: “Eu era infeliz e não sabia”.

Referências
Comte-Sponville, A. (2000). Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes.
Comte-Sponville, A. (2003). Dicionário Filosófico. São Paulo: Martins Fontes.


Sunday, March 20, 2011

Woody Allen e o pessimismo


"I feel that life is divided into the horrible and the miserable. That's the two categories. The horrible are like, I don't know, terminal cases, you know, and blind people, crippled. I don't know how they get through life. It's amazing to me. And the miserable is everyone else." (Woody Allen)


Tradução:


Para Woody Allen há dois tipos de vida: a horrível e a miserável. Horrível: pessoas em estado terminal, cegos, aleijados, gente morrendo de fome, à míngua, sozinho, etc (sofrimentos extremos mesmo). O resto é miserável.

Saturday, February 26, 2011

Niilismo


Para muitos, o que prova que o niilismo está errado é que, se ele estivesse certo, a vida estaria errada. Resposta dos niilistas: "Mas quem está errada é a vida mesmo. A vida é um grande equívoco que não tem sentido, nem vale a pena". Contudo, a condição para ser niilista é estar vivo. Ok, ok, a vida tá certa.

Sunday, February 20, 2011

Otimismo e pessimismo


Concebo duas formas básicas de otimismo, uma em relação ao presente e outra em relação ao futuro: ver o lado bom das coisas (no presente) ou esperar que as coisas se encaminhem de modo favorável no futuro.

Este otimismo no presente me parece o mais saudável, se for associado à ação. Trata-se de focalizar o que é bom, aprazível, dedicando-se a isso, investindo aí. E mesmo assim não deixar de saber sobre o lado ruim, sobre o que não funciona. Informar-se o máximo sobre ele, e tentar compreendê-lo: seu contexto, suas causas, suas funções e o que o faz existir, o que o mantém existindo. Eis uma forma de otimismo que julgo saudável: o otimismo lúcido, o qual não nega a realidade, não nega que existem falhas, defeitos. Diz respeito a estimular, reforçar o que é bom, e não afetar ou inflamar o que é nefasto.
O otimismo em relação ao futuro, porém, não se sustenta em uma situação específica: se as probabilidades do evento desejado, favorável, forem minoritárias. Esperar por desfechos comprovadamente improváveis e que não dependem de nossas próprias ações é tolice, perda de tempo ou sofrimento extremo, o qual impossibilita a sensatez.
Mas se a probabilidade é favorável, por que não ser otimista?
Tanto o otimismo quanto o pessimismo, em relação ao futuro, guardam porém uma série de contradições. Há, desde a Antiguidade, quem defenda o pessimismo, pois com ele se evita o pior, as surpresas desagradáveis. As surpresas, quando acometem os pessimistas, são sempre agradáveis, pois esperam sempre o pior. Com os otimistas ocorre o contrário. Neste sentido, pessimistas costumam se alegrar com o inesperado e os otimistas costumam se frustar. Haveria então menos tolerância à frustração no campo do otimismo.
Mas não vejo muito sentido em ser pessimista em relação ao presente. Relembremos a estória dos dois filhos, o pessimista e o otimista. Ambos ganham seus presentes de natal. O primeiro ganha uma bicicleta e enfatiza somente o que pode acontecer de ruim: “Isso é triste, ganhar uma bicicleta. Posso cair e me machucar. Posso ser atropelado. Posso sofrer um assalto e ser morto...”. E sua lista de possibilidades ruins seria enorme. O filho otimista, por sua vez, ganha um saco de esterco: “Que maravilha, se ganhei um saco de esterco é porque ganhei um cavalo.” 
Assim ambos se equivocam e denunciam a patologia de seus extremos. O pessimista não sairá de casa. Apresentará todo um repertório depressivo: deixa de agir, focalizando sempre nas falhas e possibilidades mórbidas, mesmo que remotas. E o otimista padece de negar a realidade mais clara e concreta, o que é absolutamente óbvio.
E esta estória é engraçada, porque dá pra ficar com raiva do pessimista, de seu enjoamento, de seus caprichos, de seu ímpeto destrutivo. Gente assim parece que gosta de destruir, de hostilizar. Costuma-se concebê-los como desmancha-prazeres. Oferecemos presentes e sorrisos, e eles nos devolvem caras feias, agressividade e mau humor. Costumam não ser alegres e não valorizar isso. Seu gozo se dá na destruição. Assim é que muitas vezes se sentem realizados.
Em relação ao filho otimista, meu sentimento é de que é um louco completo, pois não está somente lucubrando sobre possibilidades. Falta-lhe lucidez, está negando o que é absurdamente óbvio. É possível inclusive desconfiar de sua inteligência.
Como eu já disse em outro momento: “Tanto uma quanto a outra disposição de espírito possuem virtudes e deficiências. Há negação da realidade no otimismo, fantasia, pensamento mágico, infantilismo. No pessimismo: obsessão, autodestruição, perfeccionismo, preciosismo. O otimismo é ingênuo, bobo, flácido. O pessimismo é arrogante, duro, ácido”.
Os otimistas, em seu orgulho, se acham os sujeitos mais felizes e tranquilos do planeta, e lutam para manter essa imagem intacta. Os pessimistas se orgulham em pensar que são mais realistas ou que percebem o que os outros não percebem: vêem pequenos defeitos, falhas, julgam que têm o olhar aguçado, e temem ser confundidos com pessoas carentes de inteligência. Sentem admiração por espetáculos de hostilidade e destruição por meio de críticas mordazes.
Em sua fantasia inconsciente, os otimistas desejam santificação: “como são pacíficos, ponderados, equilibrados, tranquilos, alto astral”. Os pessimistas desejam aplausos para sua mordacidade. Entram no campo do debate de ideias para destruir o outro e suas ilusões. Que as ilusões sejam reduzidas a pó.
Tanto o otimismo quanto o pessimismo, porém, se não levarem à ação, são nefastos. É conhecido o provérbio: o pessimista reclama da falta de vento, o otimista espera que ele mude, e o realista ajusta as velas. O primeiro hostiliza, o segundo reza e o terceiro age.









Monday, April 14, 2008

A gratidão

Quero começar pelo senso comum. Muitas pessoas se sentem capazes de agradecer por comparação a quem tem menos ou não tem nada, por comparação a moribundos, miseráveis, destituídos, ou a quem perdeu. É muito freqüente ouvirmos sermões do tipo: “Agradeça por ter um corpo perfeito; por ter uma casa, alimento, saúde, por ser parte de uma minoria privilegiada...”. É a alegria pela comparação com as desgraças dos outros. Na verdade, uma forma vulgar e bem baixa de gratidão. Uma gratidão passiva, fruto de espíritos mais invejosos do que virtuosos. Precisam da miséria, da derrota ou da infelicidade alheia para ser felizes. É a alegria por saber que se tem o que o outro não possui. Emerge somente por comparação, por meio de um olhar invejoso e competitivo. É uma forma infeliz de gratidão. Tem o mal do outro como condição.
A gratidão, antes de ser um consolo ou um sentimento de dívida, pode ser um ato. O ato simples de usufruir do que se tem e do que se pode. Ser grato, em seu sentido mais virtuoso, é dar valor ao que se tem. E para isso é preciso ter olhos para o que existe e é capaz de produzir prazer.
Muitos pacientes nos chegam, em desespero, relatando que suas vidas estão em ruínas, aos pedaços. Os primeiros passos, muitas vezes, obviamente, são os de recolher cacos e tentar aproveitar o que sobrou. Esta tentativa, por mais estranho que pareça, é um movimento de gratidão. E ela, se possível, na melhor das hipóteses, deve se dar sem a comparação com uma miséria alheia maior.
quem tenha sido condicionado a se sentir feliz somente por comparação com os outros. Ou seja, ser feliz é ser ou ter mais que o outro, é ostentar superioridade. É uma felicidade social, de coluna social. Para quem foi assim condicionado, fica mesmo muito difícil ser feliz sozinho (no seu bom sentido), no seu cantinho, sem se preocupar demais com os outros. Segundo Russell:
“O homem sensato não deixa de sentir prazer com o que tem pelo fato de alguém ter mais ou melhor. A inveja, na realidade, é uma forma de vício, em parte moral, em parte intelectual, que consiste em não ver as coisas em si mesmas, mas somente em relação com outras. (...) Quem deseja a glória, poderá invejar Napoleão. Mas Napoleão invejou César. César invejava Alexandre e Alexandre, provavelmente, invejava Hércules, que nunca existiu. Não se pode, por conseguinte, combater a inveja por meio da conquista da glória, pois haverá sempre, na história ou na lenda, algum personagem cujos feitos tenham sido mais gloriosos. Pode-se combatê-la, sim, pelo gozo dos prazeres que se nos oferecem, pelo trabalho que tivermos de realizar e evitando comparações com aqueles que imaginamos, talvez sem razão, mais ditosos do que nós.” (2001, p. 84)
A melhor forma de se fazer isso é o usufruto íntimo e discreto do que se tem à disposição, e não do que se teria. É saber gozar em nossa própria simplicidade e intimidade, em um possível mundo não somente feito e construído como uma vitrine. Explico melhor: é olhar menos para a vida ou o sucesso dos outros. É poder habitar um mundo menos permeado por inveja. Um mundo onde a privacidade seja um elemento chave para o desenvolvimento pessoal e o prazer. A sugestão é de Sade: o quarto (a alcova) é o espaço privilegiado para o crime. É na privacidade que a possibilidade de prazer e gozo pode ser diversa e rica.
A gratidão, neste sentido, é as vezes até meio anti-social. Por que é o prazer pelo que é simples e somente nosso. Somente nosso porque ninguém maisvalor. Ou melhor, ninguém mais sabe o valor que aquilo tem. Não é somente uma virtude da memória, mas também da intimidade.
Quanto mais privacidade, maisexcentricidade produtiva e menos excentricidade reativa. É poder ser diferente simplesmente pelo gozo que a diferença possibilita, sem rebeldia, satisfação ou provocação a ninguém. É o prazer afirmado em segredo, em usufruto íntimo.
A intimidade, curtir nosso cantinho, sem olhar para os lados, é um caminho suave de felicidade. É tocar nosso barquinho num ponto isolado e esquecido do oceano e poder, de preferência, compartilhar isso com alguém, ou seja: amando. Gratidão, mas gratidão compartilhada, como tudo o que é do amor. Poder dividir esta alegria a mais, que é a gratidão, é o próprio ato de agradecer. E isto também é uma das formas do amor. Para Comte-Sponville:
“A gratidão é dom, a gratidão é partilha, a gratidão é amor: é uma alegria que acompanha a idéia de sua causa, como diria Spinoza, quando essa causa é a generosidade do outro, ou sua coragem, ou seu amor. Alegria retribuída: amor retribuído.” (2000, p. 147)
Sendo que até aqui somente falei de um tipo de gratidão: a gratidão para com a vida. A gratidão para com os outros seria o segundo tipo.
O segundo caso diz respeito mais precisamente ao reconhecimento de que não somos sujeitos absolutos de nossa própria condição. Ser grato é reconhecer que outras pessoas também participaram na produção de nossa aventurança. Trata-se de uma certa humildade que obriga a reconhecer o outro como parte de nossa alegria. É poder dedicar, compartilhar a graça recebida. Reconhecer o que nos foi dado. Ainda, segundo Comte-Sponville:
Agradecer é dar; ser grato é dividir. Esse prazer que devo a você não é apenas para mim. Essa alegria é a nossa. Essa felicidade é a nossa. O egoísta pode regozijar-se em receber. Mas seu regozijo é seu bem, que ele guarda para si. Ou, se o mostra, é mais para fazer invejosos do que felizes: ele exibe seu prazer, mas é o prazer dele. esqueceu que outros têm algo a ver com isso. Que importância têm os outros? Por isso o egoísta é ingrato: não porque não goste de receber, mas porque não gosta de reconhecer o que deve a outrem, e a gratidão é esse reconhecimento, porque não gosta de retribuir, e a gratidão, de fato, retribui com o agradecimento, porque não gosta de partilhar, porque não gosta de dar. (...) O egoísta é incapaz disso, pois conhece suas próprias satisfações, sua própria felicidade, pelas quais zela como um avaro por seu cofre. A ingratidão não é incapacidade de receber, mas incapacidade de retribuirsob a forma de alegria, sob a forma de amorum pouco da alegria recebida ou sentida.” (2000, p.146)
E um erro muito comum, neste caso, é esperar gratidão. É fazer algo pelo outro , de antemão, esperando que no futuro haja reconhecimento. Fazer, de graça, por amor, esperando gratidão ou retribuição, é tolice. Neste sentido, deve-se fazer sem esperar nada em troca. Isto simplesmente porque a gratidão do outro não depende de nós.
Por outro lado, sentir-se grato, às raias de um sentimento constante de dívida impagável, também pode não ser muito saudável. A gratidão é sempre boa na medida da alegria que a acompanha. E a angústia de uma dívida constante carece de alegria. vi casos em que a gratidão mais expressava sofrimento do que alegria. A pessoa se sentia, na verdade, mais devedora do que grata. Embora se expressasse sempre com a palavragratidão”. Sim, quando somos gratos, podemos assim dizer: “devo muito a você, a fulano ou sicrano”, porém, em muitos casos, não é possível que todos sejam “pagos”, que todas estas dívidas sejam saldados. Não é o caso de pagar, mas de comemorar juntos a alegria da graça obtida.
graças oudívidasque são, por definição, impagáveis. A dívida que temos para com nossos pais, por exemplo. Principalmente se a graça é considerada grande e o papel deles fundamental. Ou se os sacrifícios dos pais, como muito comumente ocorre, foram notáveis. Entretanto, se eles amam os filhos, basta a ar da graça destes. Não tem preço e não se paga.
Porém, vi filhos que carregavam culpa, como se quisessem pagar. Foi o caso de um amigo. Carregava um pesado e martirizante sentimento de dívida para com os pais. Eu também tenho um sentimento de dívida. Mas sinto que a minha felicidade é a melhor forma de retribui-los. Neste caso o “calote” é mais saudável. Empreendimento para saldar uma dívida impossível é suicídio. E é este mesmo, em muitas situações, o destino de muitos eternos culpados e obtusamente gratos: enterram-se em culpas eternas em relação ao que “devem” ou “deveriam” aos pais.
Como bem finaliza Comte-Sponville, a gratidão “se rejubila com o que deve”.
Referências

Comte-Sponville, A. (2000). Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes.
Comte-Sponville, A. (2004). Dicionário Filosófico. São Paulo: Martins Fontes.
Russell, B. (2001). A conquista da felicidade. Lisboa: Guimarães Editores.

Thursday, August 23, 2007

"O segredo": sobre o otimismo e o pessimismo

"O segredo", tanto o filme quanto o livro , tem feito muito sucesso . É uma febre. Febre alta, por sinal. E não falta quem esteja delirando. Pacientes chegam ao consultório dizendo que descobriram a chave de tudo. Muitos alunos, geralmente do primeiro semestre do curso de Psicologia, estão absortos com a descoberta, com a revelação fundamental deste "segredo", "guardado há milênios", "a sete chaves", como procura demonstrar Rhonda Byrne, a autora. Tanto o filme quanto o livro, tem sido um fenômeno absurdo de marketing e vendas. Em cerca de um ano , renderam à autora mais de 40 milhões de dólares.
Para quem ainda não assistiu ou leu “O Segredo”, trata-se de mais uma obra do gênero de auto-ajuda. O filme se insere, talvez , em um novo gênero, o de filmes de auto-ajuda. É, agora temos um novo gênero para filmes. Prepare-se, essa moda já está pegando. E os primeiros são sempre fenômenos de vendas. Quem não gosta de ler, pode agora assistir um filme e se auto-ajudar. O primeiro neste gênero talvez tenha sido " Quem somos nós?". E agora veio "O segredo". São na verdade livros adaptados para a linguagem cinematográfica.
Não me estenderei muito sobre os temas abordados em ambos. O que eles têm em comum é a mensagem típica dos livros de auto-ajuda. Basicamente, pregam o otimismo e a esperança. "Quem somos nós?" começa falando de física e descamba para uma pregação falaciosa de auto-ajuda. Aliás, encher a boca de "física quântica" para argumentar a favor de qualquer coisa também está na moda. O que é reprovado pela grande maioria dos físicos. É bem sabido: são geralmente extensões e apropriações indevidas, senão até mesmo oportunistas, de leis que se aplicam, em tese, somente ao mundo subatômico.
"O segredo", por sua vez, devido à carência de paralelos com a ciência estabelecida, se segura mais no discurso, na retórica, num blá-blá-blá repetitivo, masturbatório, americanóide, sem fim. Por sinal, muito similar àquelas longas e insensatas propagandas americanas, em que o produto é anunciado por horas a fio, com depoimentos exagerados, caricatos e fraudulentos. Enfim, conversa de vendedor.
Baseados no que chamam de "lei da atração", encadeam argumentos, de modo aparentemente lógico, para convencer ou hipnotizar o espectador. Sim, hipnotizar. Repetem suas fórmulas à exaustão. Reduzem tudo à famigerada "lei da atração". Esta basicamente diz o seguinte: semelhante atrai semelhante. Pensar coisas ruins atrai coisas ruins. Pensar coisas boas atrai coisas boas. Resumindo, é a mesma lógica do pensamento positivo, só que agora com outro nome, com nova roupagem. A fórmula é antiga: dar nova roupagem para algo já velho, batido. Utilizar um nome novo para falar do que não é segredo nenhum.
Minhas posições mais extremas em relação a este filme podem ser colocadas em um segundo plano. O que pretendo traçar aqui, e espero já não ter espantado o leitor simpatizante do gênero auto-ajuda, é uma reflexão sobre o otimismo e o pessimismo.
O argumento principal de quem assistiu “O segredo” é: “Mas como você vai negar que o pensamento positivo é benéfico? O que custa ser otimista?”. E a questão que proponho é a seguinte: “O otimismo é sempre benéfico? Em qualquer ocasião, sob qualquer circunstância?”. O pessimismo, por outro lado, é sempre maléfico?
Comecemos pelas definições. Definição de otimismo, segundo o dicionário Houaiss: “disposição para ver as coisas pelo lado bom e esperar sempre uma solução favorável, mesmo nas situações mais difíceis.”. E a definição para o pessimismo: “tendência para ver e julgar as coisas pelo lado mais desfavorável; disposição de quem sempre espera pelo pior.”
Tanto uma quanto a outra disposição de espírito possuem virtudes e deficiências. Há negação da realidade no otimismo, fantasia, pensamento mágico, infantilismo. No pessimismo: obsessão, auto-destruição, perfeccionismo, preciosismo. O otimismo é ingênuo, bobo, flácido. O pessimismo é arrogante, duro, ácido.
Ver ou julgar as coisas pelo lado bom ou ruim? Não conheço concepção que defenda o pessimismo neste caso. Julgar pelo lado bom, em termos gerais, quando se faz um balanço de toda a nossa vida, a torna possível, válida, viável. Fornece motivos para continuar tocando nosso barquinho. E motivos que estejam fundados no agora, no tempo presente. Temos de ter motivos, disposição, vontade para continuar. E que eles se situem, de preferência, no presente. Que sejam dados no aqui e no agora de nossa existência.
Porém, o mais virtuoso na verdade seria o julgar bem, para poder fazer o bem. Encontrar a verdade, de fato. Saber ponderar. E não simplesmente depender de tendências a ver o bem ou o mal. Em termos éticos a questão é a seguinte: qual disposição, em uma determinada situação, conduziria a mais ou menos sofrimento, no final das contas?
O otimismo carrega mais facilmente a aparência de que é sempre melhor, pois é uma disposição de devaneio. Ou seja, mesmo que tudo esteja na pior, o otimista parece refugiar-se em suas fantasias e imagens de que tudo está bem ou tende com certeza a melhorar.
Para Freud isto é maléfico. É o refúgio na fantasia. Alienação. O sujeito se aparta da realidade, construindo castelos no ar. O pai da Psicanálise é um defensor da conscientização. Melhor saber do pior e aceitá-lo como parte da realidade para poder melhor enfrentá-lo e extingui-lo. Retirá-lo de nossa consciência o torna ainda mais poderoso. Deste modo ele fica fora de nosso controle. A ausência de consciência do mal o transforma em uma espécie de assombração. O otimismo responde prontamente ao princípio do prazer: evitar o que é doloroso, de modo imediato, sem qualquer ponderação. “Isola, isola...”, é o que diz o jargão popular.
Mas a grande questão é: o que pode ser negado e o que não pode. O filme “O segredo” diz: não basta pensar que tudo vai dar certo. Não basta pensar que você pagará suas dívidas. Deve-se colocar o verbo no presente: “já paguei minhas dívidas”, e não ficar adiando para o futuro. “Já paguei?”, não tendo pagado? Na visão psicanalítica isto é negação pura da realidade. Recalque. Para a mentalidade presente no filme é instaurar uma nova realidade mental e de espírito, em acordo, em consonância plena com aquilo que se deseja. Para um é tolice, auto-engano. Para outro é programação mental.
Lembro também de Lair Ribeiro, dizendo mais ou menos assim: “Você deseja ser rico? Então deve começar a pensar que é rico. Pensando como rico, você passa a agir como rico. E assim, enriquece”. Na essência era isso o que ele dizia. Talvez isso seja bom para produzir alguma aparência. A qual, na mediocridade de nossas transações cotidianas, ainda é muito importante. Por outro lado, pode ser também um desastre. Simplesmente porque o sujeito passa a gastar o que não tem.
Interessante a consideração de Comte-Sponville em seu “Dicionário Filosófico”:
“Prefiro a fórmula de Gramsci: “Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade.” Ver as coisas como são, depois dar-se os meios de transformá-las. Considerar o pior, depois agir para evitá-lo. Mesmo assim morreremos? Mesmo assim envelheceremos? Claro. Mas teremos vivido mais.”
Lembro de uma colega de profissão. Otimista que só. Dizia que meu problema era o “excesso de realismo”. Ela tinha os olhos esbugalhados. Abria-os, parecia que iam saltar das órbitas, e começava a falar em tom messiânico dos paraísos que o futuro nos reservava. Seu filho cresceu com o peso enorme de uma série de frustrações quase incontornáveis. Ela o criara, dizendo-lhe que seria o melhor, o mais perfeito e mais poderoso dos mortais. Projetara um futuro fabuloso para esse filho. E aquela criança acreditou nisso. Era um peso enorme para a sua existência saber que era uma pessoa normal, comum. Seu problema central? O de todo neurótico: grande intolerância à frustração.
E a questão agora é a seguinte: otimismo em excesso pode gerar baixa tolerância à frustração? Cria uma auto-estima de papel? A qual se esfacela no primeiro contato com a dureza da realidade?
Penso que é muito importante considerar a possibilidade de derrota, de perda. Mas que isso não se transforme numa obsessão, em um pensamento fixo e mórbido de que tudo irá com certeza dar errado.
O técnico de futebol dava entrevista e dizia assim: “Estamos preparados somente para a vitória”. Talvez até seja bonito de se ouvir. Mas, e se perder? Como é que fica? Morre? Fica louco? Aprender a perder é fundamental? Conceber a possibilidade de derrota, fracasso e tentar se harmonizar com isso talvez seja também muito saudável.
“A meditação sobre o fato da morte ser inevitável deve ser feita diariamente. Todos os dias, quando o corpo e a mente de um indivíduo estão em paz, ele deveria meditar sobre ter o corpo estraçalhado por flechas, rifles, lanças e espadas; sobre ser carregado por vagalhões; sobre ser lançado em meio a um incêndio terrível; sobre ser atingido por um raio; sobre ser chacoalhado até a morte por um terremoto; sobre cair de um penhasco de centenas de metros; sobre morrer de doença ou cometer seppuku na morte de seu mestre. E todos os dias, sem falta, o indivíduo deveria se considerar morto.”
Esta citação representa ensinamentos completamente contrários à idéia de pensamento positivo. Os fanáticos de “O Segredo” certamente abominariam tais considerações. E elas estão, contudo, em um conhecido livro da sabedoria oriental, o “Hagakure”, o livro do samurai. Trata-se de um guia espiritual para guerreiros, fruto das concepções de Yamamoto Tsunetomo (1659-1719), um sábio samurai que viveu entre os séculos XVII e XVIII. Este pequeno livro, por sua vez, é muito lido também como um auto-ajuda para a vida cotidiana de qualquer pessoa comum.
É a instrução mais do que clara de que devemos meditar constantemente sobre o pior, para podermos nos preparar melhor para ele. Vai projetar um avião? Então, pense em todos os acidentes possíveis para construir o melhor avião possível. Novamente: pessimismo da inteligência e otimismo da vontade. Pensar também o pior para fazer o melhor. A minha impressão às vezes é que se o pessimismo em excesso tende ao transtorno fóbico, o otimismo em excesso tende à burrice.
Paulo Coelho, em “O Alquimista”: “quando desejamos algo, o universo conspira a nosso favor”. Li somente metade do livro. E foi o único que tentei de Paulo Coelho. Pensei: não quero fazer parte da turma que não leu e não gostou. E confesso: não gostei. E também não tenho nada a dizer ou criticar nesse autor. Simplesmente não gostei. Não é o tipo de gênero ou história que me envolve. Prefiro deixar o Paulo Coelho em paz no sucesso e na fortuna dele.
Mas esta passagem que citei, contesto. Que história é essa de desejar e o universo desejar junto? Poderia ser o contrário, por que não? Se tomarmos falaciosamente a lei física da ação e reação, dá o contrário: basta desejarmos algo, que o universo, por reação, logicamente, irá conspirar contra.
Porém, o mais interessante foi encontrar esta mesma citação, escrita de outra maneira, por um outro autor. Não me lembro o nome dele. Mas lembro que atribuía a autoria original a Goethe: “quando perseveramos, o universo conspira a nosso favor”. Sem dúvida, esta é uma formulação bem mais sofisticada e sensata. Não basta ficar pensando ou desejando não, deve-se antes de tudo agir.
Por outro lado, assim como o otimismo, a própria perseverança deve ser relativizada. Não são conceitos ou virtudes absolutas. O excesso, a desmedida, são considerados viciosos, desde a Antiguidade. Os autores de auto-ajuda pecam ao conceber estas disposições como absolutas. Desculpem-me, mas isto é somente uma postura de vendedor. Otimismo em excesso é loucura, burrice. E como também saber onde termina a perseverança e começa a teimosia, a burrice?
Quer coisa mais perseverante do que uma abelha se debatendo por horas, até morrer, no vidro da janela, quando sua liberdade está a cinco centímetros acima dela? Há momentos em que é muito importante dar uma parada, tomar distância, para deixar de somente perseverar, perseverar no erro. Assumir a possibilidade de derrota e saber aceitá-la é também fundamental. Isto é saber perder.
Perseverar com muita avidez pode também ser compreendido como aquela corrida desembestada de quem vai com muita sede ao pote. Avidez, o que isso significa? Desejo em excesso. Excesso de expectativas. Apego excessivo ao sucesso, à vitória. Talvez seja melhor esperar menos, bem menos, e ir vivendo, sem tanta ambição, sem tanta megalomania. E, convenhamos, é isso o que percebemos facilmente nos olhos siderados dos palestrantes do filme “O segredo”: megalomania, ambição excessiva (utilizo um eufemismo, para não dizer logo ganância), promessas, pregação fanática.
Penso que também vale aceitar o fluxo da vida, sem tanto apego a passado, futuro ou o sucesso. Repito uma história que já contei aqui:
“Como, vocês, monges, vivendo de modo tão simples e isolados do resto do mundo, se dizem felizes?”, indagou um curioso a visitar um templo, espantado com o isolamento, a simplicidade e o silêncio. Pois nada acontecia ali. Era tudo ausência. Tudo do qual nós geralmente fugimos. Aquilo que parece nos conduzir à melancolia, ao tédio.
O mestre respondeu:
“Somos felizes porque não lamentamos o passado, nem esperamos nada do futuro.”
Os autores de auto-ajuda, de um modo geral, concordam com a primeira parte da fala do monge. Pregam bastante que devemos nos libertar do passado. Porém, em relação ao futuro, o negócio é fomentar freneticamente um mundo imenso de expectativas, fazer os olhinhos do espectador brilharem em visões maravilhosas. Mestres da promessa contínua. Sempre renovada em um novo best-seller salvador de todas as frustrações. Indústria da esperança. É, ela existe, e vende milhões, seja por meio de auto-ajuda ou por meio das religiões.
“Nunca desista de seus sonhos”, título de best-seller do mitômano Augusto Cury. Mas é também possível dizer: pelo contrário, desista de seus sonhos e vá agir sobre o mundo. Troque seus sonhos por projetos, são bem mais sólidos e muito menos permeáveis a frustrações. Dê um passo de cada vez. Cuidado: quanto maior o sonho, maior o tombo. Sonhar alto demais, além de prova de infantilidade, é desejar sem poder e sem saber. É desejar demais o que não se tem. É apostar na frustração, no tombo, na mentira.
E por que ficar sonhando, devaneando, seria a garantia do sucesso? A avidez é prova de que o tiro pode sair pela culatra. Se um por um lado, sonhar, fantasiar, produz ensaios, os quais nos prepararam para um evento futuro. Por outro, podem também criar excesso de expectativas, a melhor receita para frustrações difíceis de se contornar.
Já sugeria Machado de Assis: pior do que cair do segundo andar e quebrar a perna, é cair das nuvens, de um sonho. Eis a frustração. E é menos tolerante à frustração quem não é capaz de considerar ou suportar a possibilidade de fracassar. Se o fracasso é insuportável, há baixa tolerância à frustração. E qual é a saída patológica para isso? Segundo Freud, é o mecanismo infantil de se refugiar na fantasia, a qual aparta o sujeito da realidade, impedindo que viva e aja de verdade em sua vida concreta. Ou seja, o sujeito passa a negar a realidade.
Examinemos o mecanismo de recalque. Visa afastar da consciência algo que seja desagradável. É o famoso “isola”. Produz o isolamento do que seja doloroso lidar. Torna inconscientes os conteúdos que provocam desconforto: tanto o que o senso comum chama de pensamentos ruins, negativos, como o que é proibido, censurável, moralmente condenável, ou o que ainda não é identificável e também dotado de uma desagradável e insuportável estranheza.
É aquela coisa, o sujeito sente algo estranho, o qual ainda não sabe o que é, porém nefasto. A tendência é recalcar: isolar, tornar inconsciente, antes mesmo que perceba claramente o que está ocorrendo. Um exemplo caricato, contudo bastante ilustrativo, é o recalque de desejos, ou mesmo lampejos homossexuais em alguém muito machista, homófobo. O sujeito sente algo estranho e antes mesmo de saber o que é, recalca, “isola”. É clássica a cena cômica em que o machão, sem querer, solta a franga e logo, de modo aflito, exclama: “isola, isola...”. Ou seja, é melhor deixar isso (“que nem sei o que é”) pra lá. Aliás, outra sugestão comum: “deixe isso pra lá”, “esqueça isso”.
O recalque, a negação da realidade, são então mecanismos comuns, que utilizamos com freqüência. Recalcar besteiras, detalhes, coisas sem importância, não só é comum como necessário. Porém, nem sempre funciona. E quando o recalque ou a negação falham, a coisa pode ficar bem feia. E é aí que fica deflagrada a patologia.
A partir de um certo ponto, o recalque se torna inútil e até mesmo mais maléfico. É como sempre varrer a sujeira para debaixo do tapete ou viver engolindo sapos. Chega um momento em que o caldo entorna, e de modo assustador. É o que Freud denomina como o retorno do recalcado ou o sintoma. A tendência é começar a agir descontroladamente em função daquilo que se recalcou. O que foi negado passa agora, disfarçadamente, a comandar o sujeito.
Freud é um defensor da conscientização. Acredita em sua força libertadora. Mas não é somente Freud quem pensa assim. É praticamente toda a história da sabedoria, seja ela ocidental ou oriental. Quando vejo o receituário de um filme como “O segredo”, ou qualquer pregação exclusiva ou excessivamente otimista, não consigo deixar de pensar que é imprudente conceber o otimismo como um bem absoluto. Nestes termos, a apologia do otimismo é a apologia da negação da realidade, da ignorância. Por este ponto de vista, o que fazem os otimistas? Negam a realidade.
Outro bom exemplo para botar um pouco mais de auto-crítica nas apologias do otimismo é a sabedoria Zen. O que ela ensina também não tem nada a ver com o otimismo: “Quer flutuar? Afunde. Quer afundar? Flutue”; “Quer acertar no alvo? Antes desprenda-se do alvo e de si mesmo”. No livro “A arte cavalheiresca do arqueiro Zen” está assim: “a resposta é: o discípulo só progredirá se se desprender de toda intenção e do seu próprio eu” (Herrigel, 1999, p. 83).
O desapego, o desprendimento, são partes fundamentais do ensinamento Zen. Quando muito desejamos algo, tendemos a não ser capazes de manter uma certa distância da situação. Tornamo-nos, muitas vezes, ávidos, em busca aflita, o que pode por tudo a perder. Nestes casos, muito comuns, é mais prudente preparar-se também para aceitar o fracasso. Não basta simplesmente botar na cabeça que já conseguimos.
Lembro-me de um amigo, apostador compulsivo. Gastava boa e importante parte de seu salário apostando na loteria. Era muito otimista. Aos seus críticos dizia assim: “vocês vão ver quando eu ganhar”. Não adiantou pensamento positivo, otimismo ou perseverança alguma. Negar a realidade, ou seja, a chance irrisória de acerto, não conduziu a nenhum sucesso. Isto porque ele estava simplesmente equivocado.
Apesar de ainda caber aqui mais uma série de observações, fechemos, por fim, este longo texto com a seguinte e breve consideração: “Se macumba desse certo, o Haiti era campeão mundial de futebol.”

Referências

HERRIGEL, E. (1997). A arte cavalheiresca do arqueiro Zen. São Paulo: Pensamento.
COMTE-SPONVILLE, A. (2004). Dicionário Filosófico. São Paulo: Martins Fontes.
TSUNETOMO, Y. (2004). Hagakure: o livro do samurai. São Paulo: Conrad do Brasil.