“Eu era feliz e não sabia”. Sempre achei essa frase meio tola. Por quê? Porque, depois que passou, depois que os males já foram resolvidos, depois que ficaram para trás, sinto que tendemos a superestimar a alegria passada e a subestimar a dor de ontem, hoje já resolvida. Nostalgia, é isso. Coisa de gente triste e masoquista: coleção de lembranças boas para lamentar o presente, para maltratá-lo e desvalorizá-lo ainda mais. Está ruim, está sofrendo? Comece a comparar com o que já foi, e que foi melhor, para ficar (o presente) pior ainda.
Nostalgia “é a falta do passado, na medida em que houve. Distingue-se da lamentação (falta do que não foi). Opõe-se à gratidão (a lembrança reconhecida do que ocorreu: a alegria presente do que foi) e à esperança (a falta do porvir: do que talvez venha a ser). Tendo a pensar que a nostalgia, desses quatro sentimentos, é o primeiro, e que toda esperança, especialmente, nada mais é que a expressão – ou o remédio imaginário – de uma nostalgia prévia. Seria preciso reler Platão e Santo Agostinho, desse ponto de vista, à luz de Freud. E reler também Epicuro: veríamos neles que a gratidão é o único remédio verdadeiro contra a nostalgia” (Comte-Sponville, 2003, p. 419)
Ou, ainda com o pensamento de Comte-Sponville, porém em outro texto, em seu “Pequeno tratado das grandes virtudes” (2000):
“A gratidão se regozija com o que aconteceu, ou com o que é; ela é, portanto, o inverso do arrependimento ou da nostalgia (que sofrem com um passado que foi, ou que não é mais), como também da esperança ou da angústia, que desejam ou temem (desejam e temem!) um futuro que ainda não é, que talvez nunca seja, mas que as tortura com sua ausência” (p. 150).
Marcel Pagnol nos ajuda no arremate: "A razão pela qual algumas pessoas acham tão difícil serem felizes é porque estão sempre a julgar o passado melhor do que foi, o presente pior do que é, e o futuro melhor do que será". Pessimismo em relação ao presente, como já discuti aqui, é uma grande furada. É mais seguro o otimismo no presente, a gratidão (ver o lado bom, dar valor ao que se tem), do que lançá-lo faminto ao futuro, inflado de desejos acerca do que ainda não existe.
Concluindo, em termos psicanalíticos, aproveitando que Comte-Sponville cita Freud, é até mesmo mais comum o contrário. É mais comum, por uma questão de proteção, de sobrevivência (e também por falta de maturidade, discernimento), somente nos darmos conta da intensidade dolorosa de certos sofrimentos depois que já passaram, invertendo-se assim o jargão: “Eu era infeliz e não sabia”.
Referências
Comte-Sponville, A. (2000). Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes.
Comte-Sponville, A. (2003). Dicionário Filosófico. São Paulo: Martins Fontes.
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