Obter prazer sem esforço prévio não é natural e pode ser fatal. Este alerta é de certo modo antigo e remonta aos estóicos. Esta grande escola filosófica da Antiguidade valoriza a virtude e o esforço. Para o estoicismo, a felicidade deve ser alcançada pelo esforço, e o prazer deve ser mais uma conquista do que um produto gratuito de nossa rotina.
Esta concepção, contudo, não se restringe aos ensinamentos estóicos. Russell, em seu livro “A conquista da felicidade”, diz que “a passividade física durante a excitação é contrária ao instinto” (p. 62). Skinner faz distinções importantes entre ser agradável e fortalecedor. Ressalta que no mundo desenvolvido ocidental há uma ênfase muito grande em um certo cultivo gratuito de prazeres, os quais estariam desatrelados do fortalecimento de comportamentos importantes tanto para a sobrevivência saudável do indivíduo quanto da espécie humana.
Eduardo Giannetti, em seu livro sobre a felicidade, faz menção a um (segundo ele) “clássico” experimento, no qual ratos obtinham acesso irrestrito, e praticamente sem esforço algum, a uma estimulação direta em seus centros de prazer no cérebro, somente pressionando uma alavanca:
“Toda vez que ele aperta a tal alavanca por meio segundo, um eletrodo implantado no seu hipotálamo lateral solta uma pequena carga de eletricidade naquele ponto. O efeito disso é fazer com que o hipotálamo acione o circuito que libera o neurotransmissor dopamina, assim como ocorre quando o rato se alimenta ou copula. Ao pressionar a alavanca, portanto, o animal estimula diretamente o centro de prazer no seu cérebro, como se estivesse obtendo "comida elétrica" ou "sexo elétrico". A diferença é que agora o seu apetite é insaciável. O prazer da descarga elétrica é tão intenso e gratificante que o rato se desinteressa por tudo o mais, inclusive alimento e sexo, e passa a se autoestimular dia e noite, cerca de 3 mil vezes por hora, até o colapso por esgotamento.” (Giannetti, 2002, p. 156-157).
Neste sentido, não basta realizar desejos. A felicidade não pode ser traduzida em simples realização de desejos. Não basta fruir, ou experimentar o prazer de qualquer modo, gratuita e irrestritamente. Prazer gratuito e irrestrito é enfraquecedor, e pode ser fatal.
Referências:
Giannetti, E. (2002). Felicidade. São Paulo : Companhia das Letras.
Russell, B. (1930/2001). A conquista da felicidade. Lisboa: Guimarães Editores.
Skinner, B. F. (1987), What is Wrong with Daily Life in the Western World? Em: Upon Further Reflection. Englewood Clifs (New Jersey ): Prentice Hall, p.15-31
Podcast com comentários:
1 comment:
Muito bom o texto!
Observe-se que o "prazer sem esforço pode ser fatal", o que não corresponde a dizer que ele "será" fatal.
A nossa diferença em relação aos ratos da experiência é que somos racionais, podendo encontrar razões inclusive para justificar o outro (alter) que há em nós.
Abraços!
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