Thursday, October 22, 2015

O direito de viver, matar e morrer no pensamento de Peter Singer

Peter Singer, referência fundamental em bioética, é um autor que traça reflexões importantes sobre o direito à vida, o direito de morrer e o direito de matar.
O primeiro ponto que deve ser levado em conta é que ele é um utilitarista. Na concepção utilitarista é um imperativo ético agir para diminuir o sofrimento no mundo como um todo. Neste sentido, a ética não se restringe às interações entre os seres humanos. Se estende também para as interações dos seres humanos com todos os outros seres vivos.

A ética é uma filosofia da ação, a qual faz reflexões sistemáticas sobre os conceitos de bem e mal, tentando produzir conhecimentos consistentes sobre nossas ações em relação aos seus possíveis benefícios e e malefícios para todos os seres vivos que sofrem.

O objetivo da ética utilitarista é a diminuição de sofrimentos evitáveis no mundo porque, para esta abordagem, o sofrimento evitável é de certo modo o próprio mal. Se há sofrimento e ele é evitável, eis o mal a ser combatido.

O utilitarismo adotado por Peter Singer, por sua vez, se atrela bastante ao respeito pelos interesses dos seres vivos em questão. A compreensão é a de que, tendo seus interesses vitais contrariados, alguns seres vivos sofrem bastante. Ou seja, somente possuem interesses os seres vivos que sofrem. Em tese, as plantas ou um feto com menos de doze semanas de vida, por exemplo, não possuem interesse algum, já que até o presente momento não possuímos qualquer tipo de evidência de que sofrem.

Então, que fique claro, para esta concepção ética não há uma sacralização da vida, nem mesmo da vida humana. Aliás, em termos modernos, não faz sentido se sacralizar o que quer que seja. Nesse sentido, o respeito maior é pelo interesse de cada um em relação a si mesmo: ao seu próprio corpo e à sua própria vida. É ético, nesse caso, fundamentalmente, o respeito pelo outro e por seu bem-estar, desde que esse bem-estar não cause diretamente malefícios a terceiros.

Nesses termos, portanto, o direito à vida deve ser concedido àqueles seres que sofrem e que tem interesse em continuar vivendo, os quais têm consciência de que estão vivendo e de que existe a morte, sendo capazes de conceber um tempo futuro e de planejar sua própria vida em relação a esses dados de sua realidade.

Para os seres humanos, por exemplo, é importante saber que têm o direito à vida, que outras pessoas não podem simplesmente atentar contra a sua vida (ou contra a vida das pessoas que estimam) sem que isso tenha consequências sérias. Saber que o estado ou outras pessoas poderiam dar cabo de nossas vidas (ou da vida das pessoas que amamos), arbitrariamente, pode causar muita angústia e sofrimento em todas as pessoas, com sérios riscos de ruptura do tecido social. Isso é a barbárie, a guerra de todos contra todos.

Não há garantia de uma organização social mínima sem que o direito à vida seja resguardado. Não teríamos nesse caso uma sociedade mas sim grupos, clãs, isolados e em constante tensão.

Portanto, o direito à vida serve para proteger a vida dos indivíduos e da sociedade como um todo. Mesmo os mais niilistas e desapegados em relação à sua própria vida, tem de certo modo a obrigação moral de lutarem, na medida do possível, para se manterem vivos e bem, já que a vida de um ser humano costuma geralmente ser muito preciosa a outros seres humanos. Quando uma pessoa morre, geralmente outras ficam vivas e sofrendo muito em virtude dessa que se foi. Algumas pessoas, quando morrem, podem deixar danos irreparáveis nos que ficam.

Contudo, se uma pessoa está sobrevivendo em péssimas condições, em sofrimento extremo e irremediável (o qual é vivenciado por essa pessoa como insuportável), deve haver condições sociais para que ela tenha o direito de morrer. Se não somos, como sociedade, capazes de aliviar o sofrimento extremo de alguém que não suporta mais viver, devemos ajudá-la a morrer com dignidade.

Nesta vertente prevalece uma concepção consequencialista. Se a consequência do que fazemos produz mais benefícios do que malefícios, essa ação é geralmente julgada como a correta, como aquela que deve ser adotada. Então o direito de morrer, o direito à eutanásia, o direito a uma morte indolor, para quem possui uma doença terminal ou padece de sofrimentos extremos e irremediáveis, é o direito de terminar com sofrimentos que podem e devem ser evitados. Isso é uma ética da compaixão, da empatia e do respeito pela autonomia das pessoas.

E, por fim, o direito de matar. Não há como sustentar a afirmação simplória de que matar é sempre errado, porque nossa sobrevivência enquanto espécie implica em matar seres de outras espécies, o tempo todo. Mesmo quem adota uma dieta vegetariana também mata outros seres vivos para poder se alimentar deles, ou para se proteger e não contrair doenças e vir a perecer. No final das contas, o mais importante é saber como os seres vivos sencientes (que sofrem), que estão sob nossa responsabilidade, estão vivendo e sendo criados por nós. E se formos nos alimentar deles, é eticamente importante que tenham um abate o mais indolor possível, pois temos condições de lhes garantir uma morte digna. Assim como temos condições de diminuir, em nossa população, a ingestão de proteína animal, a qual pode ser, em boa medida (mas não totalmente), substituída por proteína de origem vegetal.

Finalizando: a ética proposta por Peter Singer jamais propõe que deve-se matar esse ou aquele ser vivo. Não é prescritiva nesse sentido. Matar não é um dever, muito menos nos contextos que envolvem seres humanos. É, no máximo, um direito. O dever, nesta concepção, está relacionado à diminuição do sofrimento no mundo, o qual de forma alguma se resolve com prescrições de extinção de seres humanos, em massa, como muitos afirmam para tentar refutar a ética utilitarista. Portanto, conforme as razões que já foram aqui expostas, seres humanos autônomos e com consciência de si mesmos (ou mesmo aqueles que já foram assim algum dia), donos de sua própria vida e de seu próprio corpo,  esses seres humanos têm direito à vida.

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