Sunday, June 07, 2015

Poesia no CAPS

Uma vez um usuário (paciente) do CAPS me disse assim:

- Gosto de ler estórias. Poesia eu não gosto. É boiolagem!

- Talvez seja porque você nunca leu uma poesia de qualidade.

- E por acaso você conhece alguma?

Na hora eu somente lembrei, do meu jeito, de um trecho de uma poesia de Nicolas Behr:
Quando eu morrer “enterrem meu coração na areia do parquinho da 415 sul, e deixem meu corpo boiando no Paranoá”.

Ficou por um tempo me olhando, meio assustado.

- É assustador, não? - indaguei.

- É um pouco pesado.

- Que tal essa frase poética aqui? : “O pensamento humano é um avião sem fim que voa dentro de um coração ridículo”.

A gravidade do semblante se desfez e ele emendou:

- Ah, dessa eu gostei! A outra é meio pesada.

E ficou me olhando de um modo indagador, por um bom tempo, por várias vezes naqueles minutos em que estivemos juntos...

Prosseguimos com nossa interação, da qual não posso dar detalhes aqui, mas assevero que foi muito inspiradora, para nós dois. Saímos ambos renovados, de um encontro de poucos minutos. Sei que o paciente levou sua inspiração no coração, pra casa e para seus familiares. E eu tive de escrever alguma coisa, uma poesia. Aí ralei minutos atentos à profecia das palavras de um olhar siderado para desaguar esse texto aqui:

Meu coração está reinando hoje na paz de um menino tranquilo com sabor de estrela cadente, à beira do fogo de minhas lembranças boas da infância. 

Tudo veio do mergulho no mundo que brotou do absurdo contato com a falta de sentido, mas com direção certa para o rumo do coração; na conversa que tive com o olho da loucura a me sequestrar para fora da vida burra das criaturas obedientes. 

Construí meu caminho por cima do abismo que arrotava entre nós. Fui ao infinito da sua compreensão para morrer na praia da sua expectativa de continuar morando na sombra de suas regras. 

E agora estou aqui, rindo do universo, ejaculando mais um pouco de escuridão na sua miopia ou no seu sorriso, o qual também se embriaga, sem perceber, em minha loucura.


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