Thursday, June 11, 2015

“Não é suicídio. É outra coisa...”

O suicídio é um ato muito solitário e horrivelmente triste. É um horror angustiante no seio de qualquer família que o experimenta. Falar abertamente sobre ele, tentando diminuir o tabu e sua proibição absoluta, é o que hoje faço como parte de minhas estratégias de prevenção.

O suicida precisa de vínculo, apoio, cumplicidade, carinho, amor, companhia, e muita conversa franca e transparente sobre seus desejos e planos para morrer. Sem desafios nem chantagens e sabendo sempre que ele é o dono e responsável por sua própria vida.

Contudo, a vida de algumas pessoas adentra um vórtice de sofrimentos extremos e incontornáveis. E aí muitas pessoas dizem assim:

- Ah, mas isso aí tem cura. Isso aí tem solução.

Tem cura, tem solução, veja bem, teoricamente. Porque, em muitos casos, no contexto em que a pessoa está vivendo, isso não foi possível e ninguém está conseguindo aliviar seu sofrimento extremo. E pior: essa pessoa não tem a menor condição nem mesmo de dar cabo de sua própria vida, pois em muitas situações ela está completamente paralisada, dos pés à cabeça, presa a uma cama, em seu próprio corpo agonizante.

E aí a minha questão é a seguinte: se ela comunica por meses, ou até anos a fio, que o sofrimento dela é absolutamente insuportável e nós, que estamos cuidando dela, não damos conta de aliviar esse sofrimento, ela precisa então de ajuda para morrer; pois seria exatamente isso o que ela faria se tivesse condições para tal, se pudesse se locomover se movimentar e dar cabo de sua própria vida.

E há também o caso de algumas pessoas que talvez tivessem condições de dar cabo de sua própria vida com suas próprias mãos, as quais contudo preferem não fazê-lo dessa forma. Preferem mostrar ao mundo e à sua família que não estão simplesmente cometendo suicídio. Que estão simplesmente lutando para deixar de sofrer de modo tão intenso e irremediável. Que precisam do consentimento da família para tal. Que precisam de um ritual de despedida.

Lembro claramente do que dizia um australiano que tinha uma doença incurável, a qual lhe causava sofrimentos intensos, ininterruptos e irremediáveis. Ele tentava demonstrar que o suicídio assistido não era como um suicídio comum. Ele e todos os que o amavam já tinham aceitado que não havia mais outra alternativa a não ser morrer, pois todos já haviam feito tudo o que podiam, e o que não podiam, para acabar com a tortura que estava massacrando com todo e qualquer possível sentido para a vida moribunda, absurda e inaceitável que ele levava. Todos, apesar de toda a dor que isso implica, aceitavam a decisão dele de não mais continuar vivendo.

Em um outro caso, também em uma entrevista, um rapaz, o qual já tinha tido o seu pedido para o suicídio assistido aceito para ser realizado na Suíça, foi perguntado assim pelo entrevistador:

- Mas você tem opióides de sobra em sua casa. Por que não utilizá-los?

E ele respondeu mais ou menos assim:

- Acho horrível e abominável a perspectiva de um suicídio comum, a perspectiva de minha mãe chegar em casa e encontrar repentinamente meu corpo morto. Desejo o consentimento e o ritual de despedida de minha família. A minha decisão vem sendo debatida com todos os membros da família há muito tempo. Tivemos conversas intermináveis. Fizemos absolutamente tudo o que podíamos ter feito, envolvendo sacrifícios de várias pessoas de nossa família, sem contar o maior deles, que é o meu próprio sacrifício nessa história toda.

Ou seja, não se trata de um suicídio comum. Muitos até diriam que isso não é suícidio. É uma outra coisa.

Ele deixava claro o fato de que o pedido dele para ter direito ao suicídio assistido tinha sido aprovado segundo critérios específicos, rigorosos e muito claros, organizados segundo uma fundamentação consistente da legislação de seu país. Ou seja, o direito de morrer não se estende para toda e qualquer pessoa. Em lugares como Suíça, Bélgica, Holanda e alguns estados americanos, existe sim o direito de morrer. Mas não são todas as pessoas que têm esse direito. São pouquíssimas as pessoas que podem fazer uso desse direito. E quem tem esse direito? Ele se aplica, de modo geral, para o caso de pessoas que se encontram em estado terminal ou padecendo de sofrimentos intensos e incontornáveis.

Para finalizar acho importante reiterar a consideração de Paul-Henri Thiry, o Barão d'Holbach, em um livro escrito juntamente com Denis Diderot, em 1770:

“Se a aliança que une o homem à sociedade for considerada, será óbvio que cada contrato é condicional, deve ser recíproco, isto é, supõe vantagens mútuas entre as partes contratantes. O cidadão não pode ser ligado ao seu país, aos seus associados, mas pelos laços de felicidade. Se estes laços são cortados em pedaços, a este homem deve ser restabelecida a liberdade.

A sociedade, ou aqueles que representá-lo, ao usá-lo com severidade, ao tratá-lo com injustiça, não tornam assim a sua existência dolorosa? A melancolia e o desespero lhe roubam o espetáculo do universo? Em suma, por qualquer razão que seja, se ele não é capaz de suportar seus males, deixe-o sair de um mundo que para ele é somente um deserto terrível.” (D'Holbach, 1770/1970, 136-137)

Referência:

D'Holbach, Baron. The System of Nature, or Laws of the Moral and Physical World, Volume 1, Robinson (trans.), New York: Burt Franklin, 1970.

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