O suicídio é um ato
muito solitário e horrivelmente triste. É um horror angustiante no seio de
qualquer família que o experimenta. Falar abertamente sobre ele, tentando
diminuir o tabu e sua proibição absoluta, é o que hoje faço como parte de
minhas estratégias de prevenção.
O suicida precisa de
vínculo, apoio, cumplicidade, carinho, amor, companhia, e muita conversa franca
e transparente sobre seus desejos e planos para morrer. Sem desafios nem
chantagens e sabendo sempre que ele é o dono e responsável por sua própria
vida.
Contudo, a vida de
algumas pessoas adentra um vórtice de sofrimentos extremos e incontornáveis. E
aí muitas pessoas dizem assim:
- Ah, mas isso aí tem
cura. Isso aí tem solução.
Tem cura, tem
solução, veja bem, teoricamente. Porque, em muitos casos, no contexto em que a
pessoa está vivendo, isso não foi possível e ninguém está conseguindo aliviar
seu sofrimento extremo. E pior: essa pessoa não tem a menor condição nem mesmo
de dar cabo de sua própria vida, pois em muitas situações ela está completamente
paralisada, dos pés à cabeça, presa a uma cama, em seu próprio corpo
agonizante.
E aí a minha questão
é a seguinte: se ela comunica por meses, ou até anos a fio, que o sofrimento
dela é absolutamente insuportável e nós, que estamos cuidando dela, não damos
conta de aliviar esse sofrimento, ela precisa então de ajuda para morrer; pois
seria exatamente isso o que ela faria se tivesse condições para tal, se pudesse
se locomover se movimentar e dar cabo de sua própria vida.
E há também o caso de
algumas pessoas que talvez tivessem condições de dar cabo de sua própria vida
com suas próprias mãos, as quais contudo preferem não fazê-lo dessa forma.
Preferem mostrar ao mundo e à sua família que não estão simplesmente cometendo
suicídio. Que estão simplesmente lutando para deixar de sofrer de modo tão
intenso e irremediável. Que precisam do consentimento da família para tal. Que
precisam de um ritual de despedida.
Lembro claramente do
que dizia um australiano que tinha uma doença incurável, a qual lhe causava
sofrimentos intensos, ininterruptos e irremediáveis. Ele tentava demonstrar que
o suicídio assistido não era como um suicídio comum. Ele e todos os que o
amavam já tinham aceitado que não havia mais outra alternativa a não ser
morrer, pois todos já haviam feito tudo o que podiam, e o que não podiam, para
acabar com a tortura que estava massacrando com todo e qualquer possível
sentido para a vida moribunda, absurda e inaceitável que ele levava. Todos,
apesar de toda a dor que isso implica, aceitavam a decisão dele de não mais
continuar vivendo.
Em um outro caso,
também em uma entrevista, um rapaz, o qual já tinha tido o seu pedido para o
suicídio assistido aceito para ser realizado na Suíça, foi perguntado assim
pelo entrevistador:
- Mas você tem
opióides de sobra em sua casa. Por que não utilizá-los?
E ele respondeu mais
ou menos assim:
- Acho horrível e
abominável a perspectiva de um suicídio comum, a perspectiva de minha mãe
chegar em casa e encontrar repentinamente meu corpo morto. Desejo o
consentimento e o ritual de despedida de minha família. A minha decisão vem
sendo debatida com todos os membros da família há muito tempo. Tivemos
conversas intermináveis. Fizemos absolutamente tudo o que podíamos ter feito,
envolvendo sacrifícios de várias pessoas de nossa família, sem contar o maior
deles, que é o meu próprio sacrifício nessa história toda.
Ou seja, não se trata
de um suicídio comum. Muitos até diriam que isso não é suícidio. É uma outra
coisa.
Ele deixava claro o
fato de que o pedido dele para ter direito ao suicídio assistido tinha sido
aprovado segundo critérios específicos, rigorosos e muito claros, organizados
segundo uma fundamentação consistente da legislação de seu país. Ou seja, o
direito de morrer não se estende para toda e qualquer pessoa. Em lugares como
Suíça, Bélgica, Holanda e alguns estados americanos, existe sim o direito de
morrer. Mas não são todas as pessoas que têm esse direito. São pouquíssimas as
pessoas que podem fazer uso desse direito. E quem tem esse direito? Ele se
aplica, de modo geral, para o caso de pessoas que se encontram em estado
terminal ou padecendo de sofrimentos intensos e incontornáveis.
Para finalizar acho
importante reiterar a consideração de Paul-Henri Thiry, o Barão d'Holbach, em
um livro escrito juntamente com Denis Diderot, em 1770:
“Se a aliança que une
o homem à sociedade for considerada, será óbvio que cada contrato é
condicional, deve ser recíproco, isto é, supõe vantagens mútuas entre as partes
contratantes. O cidadão não pode ser ligado ao seu país, aos seus associados,
mas pelos laços de felicidade. Se estes laços são cortados em pedaços, a este
homem deve ser restabelecida a liberdade.
A sociedade, ou
aqueles que representá-lo, ao usá-lo com severidade, ao tratá-lo com injustiça,
não tornam assim a sua existência dolorosa? A melancolia e o desespero lhe
roubam o espetáculo do universo? Em suma, por qualquer razão que seja, se ele
não é capaz de suportar seus males, deixe-o sair de um mundo que para ele é
somente um deserto terrível.” (D'Holbach, 1770/1970, 136-137)
Referência:
D'Holbach, Baron. The System of Nature, or Laws of the Moral and
Physical World, Volume 1, Robinson (trans.), New York: Burt Franklin, 1970.
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