Uma vez me fizeram a seguinte questão:
Como interferir no desejo de alguém que não quer mais viver? Temos esse direito, ou estamos sendo egoístas?
Acho que temos o direito de intervir sim. Aliás, não temos somente o direito: temos o dever de intervir. É nossa obrigação lutarmos para ajudar a reorganizar as interações do suicida com o mundo e com as outras pessoas, para que a sua vida tenha mais prazer, para que essa pessoa volte a ter o desejo de viver.
O suicídio é danoso para a família e para a sociedade porque:
1. Geralmente inspira outros suicídios. Essa consequência inclusive tem um nome: é o chamado Werther Effect. Nome inspirado no livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (1774), de Goethe, cujo protagonista, Werther, comete suicídio no final da história. Nos anos em que esse livro fez sucesso aconteceram muitos suicídios que foram inspirados nele.
2. Aumenta o risco de suicídio dos filhos em 5 vezes. Pessoas que tiveram um dos pais que cometeu suicídio são cinco vezes mais suscetíveis a também cometerem. Um pai que comete suicídio, portanto, gera um grande dano para os filhos. Esse dano não se limita a simplesmente perderem um pai ou uma mãe (o que por si só já causa um dano geralmente muito grande). O dano portanto pode ser muito maior, pois no futuro esses filhos estarão muito mais propensos a também cometerem suicídio.
3. O ato suicida geralmente ocorre em momentos de impulsividade, de desespero, os quais poderiam ser prevenidos, de modo consistente e duradouro, com intervenções biopsicossociais adequadas.
Então se essa pessoa não é um paciente terminal e não está padecendo de uma condição irremediável, devemos fazer de tudo para remediar, para resolver a situação. Para quem não é paciente terminal, não sofre irremediavelmente e tem uma família ou amigos que tem muita estima por essa pessoa (ou então tem filhos, o que é ainda um fator mais relevante), eu diria que viver, e tentar viver bem, é praticamente um dever, um dever para com a família, um dever para com toda a sociedade, pois o suicídio de uma pessoa causa muitos danos para os que ficam.
Contudo trata-se de uma questão ética de difícil percepção pra quem está desesperado ou sofrendo muito. Portanto, como eu já disse, é dever da família, dos amigos e da sociedade como um todo, lutar para que a vida dessa pessoa melhore, para que ela retome o desejo de viver. E não bastam jargões e mandamentos de autoajuda a buzinar na orelha do suicida que ele "precisa querer, porque se ele quiser ele muda".
Nós, profissionais da área de saúde mental, precisamos ajudar essa pessoa a querer. Nós precisamos trabalhar no sentido de tentar reorganizar as interações dessa pessoa (ou até mesmo o seu equilíbrio fisiológico) para que ela comece a desejar e querer mais.
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