Wednesday, December 08, 2004

UMA LÁGRIMA NO CANTO DO OLHO

O ônibus pára bruscamente. Em frente ao pronto-socorro, a porta se abre para o escuro da rua. Entra uma mulher e, logo à frente, meio atropelado pela pressa da mãe, pela pressa do mundo, um garotinho de 2 ou 3 anos de idade. O ônibus balança muito e ele se segura firme, como quem fosse lançado em alto-mar, caso se distraísse um pouquinho sequer. O balanço do ônibus sabotava o sossego daquela criança. Mas ele era muito pequeno para remoer sobre perseguições do destino. Seu rostinho se vira em minha direção. Há uma lágrima presa, que escorreu do canto de seu olho. E o pronto-socorro ao fundo. Ele não fala nada: um filhote mudo, de olhos ao mesmo tempo assustados e tristes. E uma lágrima: havia chorado. Tinha a expressão tão perdida, tão “não sei o que estou fazendo aqui”, tão “vamos pra casa”, ou tão “eu não quero”, “isso dói”, com choro de terror, pânico. Aquele seu olhar pós-tortura morava em lugar nenhum. Todo o seu corpinho era uma expressão de derrota para todo o resto do mundo, muito maior do que ele. E uma derrota sem lamento. O terror já havia passado. Agora restava aquele corpinho pequeno e sem forças, todas consumidas na luta mortal que travara contra uma avalanche de invasões ao seu pequeno recanto de paz, guardado novamente na pequena lágrima no canto do olho.

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