Sunday, December 05, 2004

UM FORA SEM UM PORRE

Eu estava lá, fazendo a melhor jogada, querendo o gol. Dizendo pra mim mesmo que o estádio do povo faminto de meu desejo estava cheio e que o meu olhar era um pedido para que ela corresse sorrindo em minha direção para termos aquele abraço do filme de uma historia real. Que nada, fui caçado no descampado de meu medo, de saber do meu tamanho irrisório frente ao infinito do que ela queria. Não, eu não queria arriscar a pincelada de meu riso incompreendido e solitário, de todo o meu mundo engasgado e paralítico, para uma direção onde o telefone só dava ocupado, onde alguém iria pensar que sou uma besta humana. Depois de todo fora, a mulher deve pensar que aquele sujeito não sabia onde estava, não tinha respeito, nem noção de como abordar uma mulher, ou mesmo qualquer outra pessoa; um pretensioso infeliz e desinteressante, insignificante, que apela, que tem a idéia mais pobre do mundo, abordar uma pessoa completamente desconhecida acreditando que dali brotará a troca profunda de intimidades.
Depois de dias de caminhada por sobre os minutos que arrancava de meu coração para planejar a viagem de alguns passos e palavras que me levariam até ela, consegui chegar ao pé de seu ouvido. Desprendi um jato de vapores de álcool e insanidade bem na sua orelha. Ela esquentou, e fugiu. Teve de negar a minha existência naquele instante. Melhor que ali eu não tivesse mesmo existido. Um instante de minha vida que devia ter sido escrito a lápis. Assim podemos todos apagar, inclusive ela. Seu esquecimento seria o meu perdão. Alias, o esquecimento é a única forma sincera e legitima de perdão. E não me venham com estorinhas de que se perdoa sem se ter esquecido. Quem perdoou mas não esqueceu, não perdoou. Tem o perdão somente como o titulo de sua fraqueza. A amnésia é o melhor amigo do perdão.
Bêbado nojento, ela deve ter pensado. Melhor que nem pensasse, melhor que não houvesse conceito para o meu equivoco. Melhor se depois daquilo fóssemos todos animais e não houvesse como o mundo inteiro saber que fui a maior anta do universo por aqueles parcos segundos. Contudo, o problema, de fato, é que eu estava pouco bêbado. Ou melhor, eu disse que estava bêbado somente para dar mais uma desculpa para o meu fracasso. Nessas horas é sempre melhor estar bêbado do que não estar. A bebida é a melhor desculpa. Eu não estava ali, era outro, era meu corpo e sua fome, como uma maquina de desejo. Meu olho brilhava porque não era eu, era uma força noturna alem do juízo. Era o espírito de fome e caça de toda a historia da vida na Terra. Eram todos os animais querendo saciar-se dentro do meu olho. Eu tinha toda uma alcatéia de lobos que queria saltar de meu peito. Bem no meio do bar, apos um trovão, eu rasgaria a blusa e mostraria o sinal do super-herói no peito. Aquela mulher ia ficar de joelhos, babando admirada. Mas que não babasse muito: eu não queria perder o tesão. Seria agora minha tiete, minha admiradora número um. Teria uma camiseta com meu retrato e bandeirinha na mão, gritando histericamente meu nome. É por isso que eu sonhava em fazer o gol.

No comments: