A corrupção da classe política e do empresariado é um reflexo do jeitinho brasileiro?
Acho bem possível que isso seja uma falácia, composta por uma uma falsa dualidade e uma falsa analogia.
Talvez haja mais do que dois elementos nessa equação. É possível que existam vários contextos, e não somente o contexto da população geral e o contexto da classe política e do empresariado.
Mesmo que exista essa dualidade, será que as leis e as consequências para seu não cumprimento são as mesmas nos dois contextos?
As causas, os determinantes, do jeitinho brasileiro talvez sejam, em muitos contextos, totalmente diferentes dos determinantes da corrupção na classe política e no empresariado.
Certamente deve haver espaços de intersecção, situações em que o jeitinho brasileiro se estende também para os atos dos políticos e do empresariado. Sabemos, por exemplo, que o patrimonialismo é algo muito presente em nossa história, e ele acontece desde o nível do bairro, do município, até o nível federal. Porém não creio que exista essa continuidade, essa linearidade perfeita entre a população geral e a classe política.
Fora o fato de que é tolice acreditar que a população de repente vai botar a mão na consciência e mudar, porque não se trata simplesmente de uma questão moral.
Há evidências, pesquisas científicas, que demonstram o papel fundamental da constituição legal para a implementação de mudanças que visem a diminuição da corrupção. O comportamento das pessoas não vai mudar simplesmente por uma espontânea tomada de consciência. É necessário que existam leis que sejam devidamente cumpridas. É necessário que existam leis que as pessoas tenham condições de cumprir.
E é nesse ponto que também entra um fator talvez muito importante: a burocracia, a qual é comumente constituída de regras e leis muito difíceis de serem cumpridas. Existem recomendações, baseadas em estudos científicos, que apontam o excesso de burocracia também como um dos fatores responsáveis pela corrupção, ou pelo que chamam de "jeitinho".
Então no Brasil a população acaba tendo dificuldades de lidar com a burocracia, assim como a impunidade também parece ter seu papel. Inúmeras e variadas regras, redundantes, com muitas que parecem ser francamente inúteis, se constituem num emaranhado de muito difícil compreensão para a população, cujo sucesso no seu cumprimento acaba ficando muito aquém do que as próprias normas prescrevem.
Isso configura um quadro no qual existem muitas leis que simplesmente não são cumpridas pela maioria das pessoas, e tudo fica por isso mesmo, sem qualquer tipo de penalização, a qual seria muito mais custosa do que a situação já dada.
Algo que também é frequente, principalmente no meio político, é o balanço entre os atos de corrupção e suas respectivas penalizações. Se as penalizações acabam sendo menos custosas do que as transgressões, está aberto o caminho para a corrupção.
Alguns pesquisadores chegam a colocar nessa equação a questão do risco de ser descoberto mais o custo das penalizações. Se o risco de ser descoberto é pequeno, e o custo de uma penalização é menor do que o custo da transgressão, a tendência é ocorrer transgressão.
O risco de ser descoberto é geralmente menor quando há menos transparência, a qual está diretamente ligada ao tanto que uma sociedade, um determinado contexto é democrático, e também a algumas tecnologias da informação. Quanto menos democracia e participação popular existir, maior a tendência à corrupção. Quanto menos disponibilidade de informações na internet, para que a própria população possa fiscalizar, também aí, no caso, existe uma maior tendência à corrupção.
As pesquisas realizadas por Dan Ariely também revelam fatos interessantes. O dado que ficou mais solidamente depurado de suas pesquisas é que a desonestidade está em praticamente todas as pessoas. Há uma tendência a trapacear em todos nós, principalmente se tivermos a confiança, ou a convicção, de que não seremos descobertos.
Contudo essa tendência geral à desonestidade é, na maioria das pessoas, uma tendência a trapacear somente um pouco e não de maneira exagerada ou total. Somos todos então, de certo modo, essencialmente trapaceiros e desonestos quando temos a oportunidade para tal, porém a maioria das pessoas costuma "roubar" somente um pouquinho.
Voltando à questão inicial, acho que é muito importante não nos esquecemos de que possivelmente existem os mais variados contextos nessa equação, e não somente a tão alardeada dualidade entre a população geral e a classe política, ou a continuidade perfeita entre uma e outra, como se a própria população, ou a cultura brasileira, fossem os responsáveis pela corrupção em nosso país.
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