Robert Waldinger é um pesquisador da Universidade de Harvard, na qual atua como coordenador da pesquisa mais longa já realizada sobre a felicidade. Em janeiro desse ano de 2016 sua palestra sobre os resultados dessa pesquisa foi publicada em vídeo no site do TED Talks. O link para que vocês possam assistir ao conteúdo da palestra, na íntegra, está abaixo:
Essa pesquisa começou em 1938, analisando a vida de 724 pessoas, dos quais aproximadamente 60 ainda estão vivas. Essas pessoas foram divididas em dois grupos. O primeiro grupo foi composto por estudantes do segundo ano de graduação da Universidade de Harvard. O segundo grupo era composto por adolescentes provenientes dos bairros mais pobres de Boston.
A vida dessas pessoas já vem sendo acompanhada há 78 anos, sendo que agora o estudo adentrou a segunda geração, os filhos delas. E quais são, segundo Robert Waldinger, os principais resultados desse estudo? Em sua palestra ele diz assim:
"A mensagem mais clara que tiramos desse estudo é esta: bons relacionamentos nos mantêm mais felizes e saudáveis. Ponto final.
Aprendemos três grandes lições sobre relacionamentos. A primeira é que conexões sociais são muito boas para nós e que a solidão mata. As pessoas que estão mais conectadas socialmente com a família, amigos e comunidade são mais felizes, fisicamente mais saudáveis e vivem mais do que as pessoas que têm poucas conexões.
E a experiência de solidão é tóxica. Pessoas que são mais isoladas do que gostariam descobrem que são menos felizes. Sua saúde decai precocemente na meia-idade, seu cérebro se deteriora mais cedo e vivem vidas mais curtas do que aqueles que não são solitários.
(...) E nós sabemos que você pode se sentir só em uma multidão e pode se sentir solitário em um casamento.
Então a nossa segunda grande lição é a de que não é apenas o número de amigos que você tem, e não é se você está ou não em um relacionamento sério, mas sim a qualidade de seus relacionamentos mais próximos que importa. Acontece que viver em meio a conflitos é ruim para a nossa saúde. Casamentos muito conflituosos, por exemplo, sem muito afeto, podem ser muito ruins para a nossa saúde, talvez até pior do que se divorciar. E viver em meio a relações boas, e reconfortantes, nos protege."
Os resultados apresentados por Waldinger são corroborados por resultados e evidências de várias outras pesquisas, em outros campos de investigação. Levantamentos epidemiológicos nos mostram que pessoas casadas vivem mais do que pessoas solteiras. Muitas evidências, advindas de pesquisas em análise do comportamento, demonstram também o poder que as gratificações sociais (boas interações sociais) têm na produção do que comumente chamamos de felicidade e do bem-estar como um todo.
Os dados obtidos por pesquisas como essa que vem sendo realizada pela Universidade de Harvard há quase 80 anos fornecem evidências de que há um peso maior das influências ambientais na determinação de nosso bem-estar, de nossa felicidade. Estudos como esse, assim como as evidências também acumuladas, por décadas, por áreas como a análise do comportamento, apontam para um aspecto muito relevante: o bem-estar e a felicidade, de forma efetiva, provêm fundamentalmente de boas, de saudáveis interações sociais. Nosso equilíbrio neurofisiológico é em boa medida determinado por esses fatores, e as intervenções mais eficazes são portanto muito provavelmente aquelas que não deixam esses fatores em segundo plano.
Em conversas informais ou mesmo lecionando, costumo dizer assim: o que faz uma boa vida, o que faz uma pessoa se sentir bem e feliz, é o fato dela ser bem amada. A utilização de palavras como o "amor" talvez não seja a mais indicada em termos técnicos, porém diz respeito aos termos que as pessoas estão mais acostumadas, e talvez facilite a compreensão de uma série de outros fenômenos.
Costumo dizer que as pessoas felizes são aquelas que são bem amadas, em contraposição às falas do senso comum que sempre tratam todo e qualquer relacionamento, supostamente fraterno ou amoroso, como saudável.
E um amigo médico uma vez me fez a seguinte questão: "Mas Adriano, para uma pessoa se sentir feliz basta que ela se sinta amada, concorda?"
Sua questão me fez lembrar de um fato ocorrido há poucos anos: a morte, por suicídio, de um esportista alemão, e de como sua esposa e parte da imprensa reagiu ao lamentável ocorrido. Ela afirmava reiteradamente que ele era muito amado, que não havia lhe faltado amor, e lembro-me muito bem de um jornalista brasileiro concluindo que muitas vezes nenhum amor é suficiente para dar conta de uma tristeza ou depressão, a qual estaria inscrita no destino de algumas pessoas.
Compreendo perfeitamente que talvez algumas pessoas não sejam nem mesmo capazes de receber o amor que muitas lhes devotam, seja por alguns fatores determinados por herança genética, ou por uma história de vida intensamente marcada por rupturas, frustrações e traumas.
Porém uma intervenção mais eficaz, que incida sobre as interações que essa pessoa tem com o mundo, deve constantemente se pautar pela observação (a qual obviamente não se restringe à observação visual) e análise minuciosa dessas interações. Esse procedimento, em análise do comportamento, é chamado de análise funcional. Por meio desse procedimento é possível levantar hipóteses razoavelmente consistentes acerca dos determinantes dos sentimentos e comportamentos da pessoa analisada.
Portanto deve haver um respeito muito grande pelos contextos específicos em que sensações, sentimentos e comportamentos acontecem. Como Waldinger deixa claro em sua palestra, e sabemos muito bem pela prática clínica, o mais importante não é a existência ou não de interações sociais, mas sim a sua qualidade, o quanto essas interações são benéficas para o sujeito em questão.
Por isso não basta simplesmente ter uma família ou estar casado. Não basta muitas vezes nem mesmo a pessoa dizer que é amada, que se sente amada. Já acompanhei pacientes depressivos que relatavam se sentir muito amados por seus familiares e amigos, mas que não se sentiam merecedores desse amor.
Contudo, durante o processo terapêutico, depois de análises mais aprofundadas, era possível perceber que havia ainda outros fatores relevantes. Apesar dessas pessoas se sentirem amadas havia, no contexto de suas relações familiares, o plano de fundo de cobranças e demandas excessivas, chantagens, abusos e ameaças veladas ou mesmo não devidamente reconhecidas por quem as sofria; ou então uma história de vida em que esses fatores tiveram um papel crucial em termos de formação pessoal.
Portanto as intervenções, no intuito de ajudar essas pessoas a melhorarem de vida, variam conforme o contexto singular das interações de cada uma delas. Há pessoas que precisam desenvolver melhores habilidades sociais e de comunicação, e outras precisam simplesmente mudar seu ciclo de amizades e relacionamentos.
Na interação entre terapeuta e paciente muitas hipóteses são construídas, em um trabalho conjunto, dos dois, e deverão depois ser testadas. E assim vai se desenvolvendo uma das dinâmicas da terapia, na qual a vida atualiza o campo de construção dessas hipóteses, cuja testagem atualiza o campo da vida, com vistas à sua renovação e melhoria.
Há uma infinidade de sutilezas que emergem de um processo terapêutico, as quais geralmente não são acessíveis a quem não as vivenciou, seja como paciente ou como terapeuta.
Ao debater esse mesmo assunto com outro colega, ele me disse que não havia coisa mais importante nessa vida do que as amizades. Certamente que amizades são importantes, porém é necessário que os amigos estejam próximos, que sejam facilmente e rapidamente acessíveis. Não basta sentirmos que amamos e somos amados por pessoas que simplesmente não estão nos acompanhando rotineiramente. Porque, convenhamos, o amor declarado aos sete ventos, e que não sabe o que está acontecendo com o outro, não é amor.
O amor está mais próximo dos perrengues que sofremos com as pessoas com quem rotineiramente convivemos do que da ideia sublime e purificada que muitas pessoas têm dele. Porque a expressão "eu te amo" é antes de tudo uma promessa e não necessariamente o atestado do amor.
1 comment:
Muito legal o seu blog! Continue escrevendo
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