Wednesday, June 08, 2016

Hipnose: há evidências de que as técnicas de indução têm relevância secundária

A hipnose é um fenômeno muito mistificado, sensacionalizado e pouco compreendido. E tudo o que é muito sensacionalizado e pouco compreendido acaba se transformando em dinheiro fácil na mão de charlatães.

E o que os charlatães vão fazer? Vão vender hipnose, a rodo, por todos os cantos e rebimbocas desse mundo, com a promessa de curas ou progressos pessoais espetaculares. Nesse sentido então haverá uma afinidade muito grande do mercado da hipnose com o mercado do sucesso e da autojuda.

Há diversas facetas que são características desse mercado e da atuação dos charlatães. Uma delas é a venda e a promoção espetacularizada do que seria a melhor e a mais eficaz técnica de indução hipnótica, o que eu resumiria no seguinte slogan: “Hipnotize qualquer pessoa, em qualquer lugar, em segundos!” e...? E mais o quê? Para completar a promessa, em off, no pé do ouvido, assim sussurrada: “E fique rico!”.

Então as vendas de cursos de hipnose são basicamente focadas na eficácia da técnica, seja para tentar convencer que a hipnose é superior a qualquer outra técnica de intervenção psicológica, seja para tentar convencer o possível cliente de que existiriam algumas técnicas de indução hipnótica muito superiores às outras: “Venha, faça um curso comigo! A minha técnica é superior às demais!”.

O primeiro ponto a ser considerado é que a hipnose não é uma abordagem. A hipnose é somente uma técnica coadjuvante. Ou seja, é uma técnica que pode participar de uma série de intervenções, auxiliando o trabalho do terapeuta. De modo geral é possível dizer que a hipnose facilita o engajamento, o envolvimento do paciente nas atividades propostas pelo processo terapêutico. Em nosso universo cultural a palavra hipnose, quando mencionada, costuma servir como uma espécie de senha para que as pessoas se envolvam e se entreguem mais a uma terapia.

Há pesquisas que demonstram a diferença entre se empregar ou não a palavra hipnose em uma indução. As pessoas costumam se comportar de modo muito mais colaborativo, ou até mesmo bizarro, quando são avisadas de que será realizada uma indução hipnótica. Fora um fato que é conhecido e pode ser atestado por qualquer hipnotista: o poder da pré-sugestão, a qual contempla todas as sugestões anteriores à indução hipnótica propriamente dita.

Quando avisamos que iremos fazer uma hipnose com alguém estamos pré-sugerindo. Quando, anteriormente à indução, mencionamos o "vasto currículo" do hipnotizador, estamos pré-sugerindo. Tudo o que dizemos antes de proceder a indução hipnótica, com o objetivo de promovê-la, de promover a pessoa do hipnotizador, tudo isso compõem a pré-sugestão, mesmo que todas essas informações sejam falsas.

A eficácia da pré-sugestão pode ser facilmente atestada com testes muito simples, os quais vêm há décadas sendo replicados aos montes, tanto por pesquisadores quanto por hipnotistas. Basta que forneçamos as instruções básicas de como se realizar uma indução hipnótica para uma pessoa que tenha uma boa capacidade de oratória e uma aparência sedutora para o público com o qual ela irá interagir.

Essa pessoa não precisa saber absolutamente nada sobre o que é uma indução hipnótica. Não há nem mesmo a necessidade de um treinamento prévio intensivo ou mais extenso. Ou seja, cerca de 30 ou 40 minutos de instruções básicas em indução hipnótica são suficientes para que essa pessoa tenha sucesso em sua primeira tentativa de hipnose de palco.

Para isso é importante se criar boas expectativas no público que irá participar do show. Se esse público acreditar que está diante de um grande hipnotizador, o qual possui um vasto currículo, com uma vasta experiência, inclusive no exterior, está feita a pré-sugestão. Como o índice de pessoas facilmente hipnotizáveis varia de 10 a 15% é importante também que tenhamos nesse público uma quantidade mínima de pessoas para que o espetáculo seja garantido. Ou seja, havendo um público com cerca de 50 pessoas, mais ou menos 5 sujeitos, dentre esses 50, são portanto facilmente sugestionáveis, e poderão servir como aqueles que mais colaboram e produzem os resultados supostamente espetaculares.

Não é necessário que esse leigo tenha formação em absolutamente nenhuma área acadêmica. É necessário somente que tenha uma boa oratória e a aparência que seduz seu público, conforme já mencionei. Realizada a pré-sugestão, o segundo passo é proceder sem que o público perceba, na medida do possível, a triagem dos mais facilmente sugestionáveis, a qual pode ser realizada, por exemplo, com um simples entrelaçamento de mãos, com a sugestão de que, mesmo se esforçando, não serão capazes de desgrudá-las. As pessoas que permanecerem por mais tempo com as mãos grudadas são chamadas para o palco e a partir daí se inicia todo o espetáculo.

Portanto, nesse caso da hipnose de palco, não há evidências de que seja necessário um treinamento profundo o qual, segundo os mercadores da hipnose, somente seria completado ou alcançado por alguns iniciados. Se o sucesso de uma indução hipnótica (principalmente a indução de demonstração, a indução de palco) depende da criação de intensas expectativas por meio da pré-sugestão e do uso necessário da palavra hipnose, as técnicas de indução hipnótica possuem uma relevância secundária, sendo talvez a arte do engano e da ilusão o elemento fundamental.

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