Ele e seu amigo foram
levados, por alguns inimigos, para um local bem distante, no meio do mato, e
esses disseram que eles dois iriam morrer. Ele com 15 anos de idade e o colega
em idade bem próxima disso. Deram vários tiros em seu amigo, pois “não fora
capaz de fingir que havia morrido”. Ele, tendo percebido isso, pensou: “vou
fingir que morri no primeiro tiro”. Restava pouca munição, a qual havia sido
quase toda gasta com o colega do lado.
Então miraram em sua nuca, para que
fosse um único e certeiro disparo.
Após ser alvejado, não
desmaiou, mas foi capaz de simular que o fora. Foram embora pensando que estava
morto. Não estava. O tiro acertou a parte posterior de seu pescoço,
trespassando-o, com lesão de sua medula espinhal.
Totalmente paralisado do
pescoço pra baixo, permaneceu ali por dois dias inteiros, com a cara na terra
cheia de formigas e bichos, e sol a queimar as suas costas. Ficou ali, a
esperar por um milagre, por socorro no fim do mundo e talvez no fim de sua
vida, sua tão curta vida humana de somente 15 anos de idade. Mas eis que,
depois de dois dias, é encontrado por um vaqueiro e é por fim socorrido.
Fui conseguindo saber um
pouco de sua história, reunindo depoimentos de alguns familiares e dele mesmo.
Ao lado de seu leito, pergunto:
“O que foi o mais difícil
nesses dois dias de espera, de agonia? O sol, dores... insetos?”
“Foi a sede...”, sem
qualquer expressão de vitimização.
Tomara um tiro que o
deixara quase totalmente paralítico, a esperar com a cara na terra, por
socorro, por dois dias, e seu sofrimento podia ser resumido em uma única
palavra: sede.
Já no hospital, ainda não
estava salvo. A coisa piorou. Seu quadro se agravou e entrou em coma, por uns
cinco dias. Quando acordou, já estava traqueostomizado e sem voz. Agora não se
mexia e também não tinha mais o som de suas cordas vocais. E mais um absurdo:
ele é capaz de emitir alguns sons enquanto tenta falar. São quase uns sussurros
– coisa que eu nunca pude observar da boca de ninguém que estivesse
traqueostomizado. E é fácil de ler seus lábios. Da para compreender quase tudo
o que ele tenta dizer.
Tem progredido bastante e
está feliz que sim, que certamente voltará a engolir e poder comer. Está
sorridente e um pouco radiante. E nunca ninguém ali o viu, naquele leito,
chorando.
“Vou voltar a comer. Tô
com muita saudade de poder comer”, consigo ler em seus lábios.
“E qual é o prato que você
tá com mais saudade de comer?”
Pensei em sorvete,
lasanha, tortas, pastel...
“Frango...”
“Frango? Frito ou assado?”
“Frango ao molho!”
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