Wednesday, August 03, 2016

Nazismo e Socialismo (Bracher)

O termo nazismo é uma abreviação de nacional-socialismo. Como existe o termo socialismo contido nesta locução, algumas pessoas se prendem a isso para afirmar que o nazismo era uma forma de socialismo e elas costumam se expressar mais ou menos assim:

"O nazismo é uma forma de socialismo, pois o partido nazista alemão se chamava Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Ou seja, se tem "socialismo" no nome, logo é socialista."

Porém, tomemos cuidado com a falácia terminológica. O nome de alguma coisa não quer dizer necessariamente que essa coisa seja literalmente o que esse nome designa. Se for somente tomar pelo nome, o Partido Progressista, do qual Bolsonaro já foi membro, teria de ser progressista. E não é. O PP é totalmente antiprogressista.

Há também outros exemplos. A República Democrática Alemã (1949-1990) e a atual Coréia do Norte, oficialmente República Popular Democrática da Coreia (duas ditaduras socialistas), teriam de ser classificadas como democráticas. Ou um cavalo-marinho teria de ser classificado como uma espécie de equino somente por ter "cavalo" no nome.

Por outro lado, é importante que tentemos começar a avaliar o conceito (e o contexto histórico que produziu o nazismo) por meio de referências qualificadas. E como a internet é de fato uma maravilha, sugiro que vocês acessem online o Dicionário de Política, organizado por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, para que vocês possam ler juntinho comigo o que vou citar aqui do verbete sobre o “nacional-socialismo”.

Esse verbete foi escrito por Karl D. Bracher, cientista político e historiador alemão, nascido em 1922, professor e pesquisador da Universidade de Bonn, especialista em República de Weimar e Alemanha nazista.

Antes que alguém precipitadamente acuse esse professor alemão de ser um comunista ou coisa parecida, é melhor se informar um pouco sobre o histórico dele. Durante todo o período da Guerra Fria, Bracher foi um dos poucos acadêmicos alemães totalmente favoráveis à política externa dos Estados Unidos, com a constante e sistemática defesa dos valores da Alemanha Ocidental, em contraposição aos valores da Alemanha Oriental e União Soviética.

A introdução, o primeiro parágrafo, do verbete é assim:

“I. PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO,- o termo Nacional-socialismo possui inúmeros significados e diferentes conotações. No seu sentido mais geral tem sido usado, há mais de um século, por vários movimentos e ideologias políticas, defensores de um tipo de socialismo diferente do socialismo internacionalista e marxista, ou até contrários a ele. Por um lado, o nacionalismo nasceu no século XIX, como reação à sociedade industrial e à emancipação liberal. Por outro, os movimentos nacionalistas nos países em desenvolvimento, sobretudo nos Estados árabes (socialismo árabe), defenderam, até o presente momento, formas novas de Nacional-socialismo, como alternativa ao feudalismo e ao colonialismo. Em todos estes exemplos, todavia, qualquer uso que se faça do termo ficará praticamente abandonado ou provocará mais confusão uma vez que o Nacional-socialismo, como fenômeno político de dimensões históricas mundiais, indica sobretudo o movimento político alemão, fundado e guiado por Adolf Hitler após a Primeira Guerra Mundial, polemicamente conhecido pelo diminutivo de nazismo.” (p. 807) [1]

Ou seja, não dá para citar esse verbete de modo isolado e fora do contexto histórico em que ele surgiu. É importante conhecer um pouco dos detalhes desse contexto.

Pela leitura de todo o verbete e de outras leituras que já tive, tenho a impressão de que os nazistas foram muito estratégicos em termos de propaganda. Como já defendi em meu último texto sobre o tema: é importante se levar em conta a hipótese de que o nazismo era um movimento sincrético, ou seja, reunia repertórios de outros movimentos, inclusive de movimentos antagônicos entre si, e isso se encaixa em suas estratégias em termos de propaganda, em termos de manipulação das massas.

Após 1918 era muito importante conquistar a mentalidade dos trabalhadores alemães. Sabemos que o mundo ocidental tremia em relação ao perigo comunista, e Hitler também temia esse avanço das ideologias marxistas, como está claro em vários trechos de seu livro, “Minha luta”.

Havia portanto uma guerra ideológica intensa para se conquistar a mentalidade dos trabalhadores alemães, os quais vinham flertando com as ideologias marxistas. Neste sentido um nome, estratégico para o partido era fundamental:

“O Nacional-socialismo se estruturava com base num darwinismo social nacionalista, racista e muito simplificado, tornado popular pelos escritos de radicais sectários. Porém, ao mesmo tempo, procurou, mediante uma mistura eclética de programas doutrinários e políticos, atingir todas as camadas da população. Os primeiros slogans do Nacionalsocialismo, pelo seu sucesso imperialista e expansionista e pela submissão ao Governo ditatorial nacionalista, foram elaborados para distrair a classe média e a classe operária dos reais problemas internos. A "comunidade nacional" foi escolhida para ser a panacéia que curaria os males econômicos e políticos, no lugar do pluralismo econômico e da sociedade classista. As doutrinas militaristas e racistas foram os instrumentos utilizados para enganar e conquistar a população.” (p. 810)

“[...] o terceiro Reich pôde se concretizar graças a um conjunto de manobras eficazes e enganadoras. Sem estas manobras, provavelmente, Hitler nunca chegaria ao poder. Ele afirmava que a sua era uma "revolução legal". Misturando estes dois conceitos contraditórios, os nacionalistas conseguiram satisfazer o desejo popular de ordem e, ao mesmo tempo o desejo de uma mudança radical num período de profunda crise econômica.”

“O caminho da ditadura presidencial sempre foi apoiado pelos adversários conservadores da democracia parlamentar e, após 1930, contou com o apoio ativo do marechal Hindenburg, o autoritário filomonárquico presidente alemão. Foi ele quem ajudou o partido nacional-socialista a se libertar da incômoda posição de partido minoritário, que nunca tinha conseguido mais de um terço dos votos populares em nenhuma eleição.” (p. 811)

“No fim, as reais manifestações do regime nacional-socialista foram uma refutação daquelas próprias ideias em que o mesmo se baseava.” (p. 812) [1]

Hitler acreditava que a propriedade privada era útil na medida em que estimulava a concorrência e criava inovação técnica, mas insistiu que ela tinha de atuar de acordo com os interesses nacionais e ser "produtiva" ao invés de "parasitária". O direito à propriedade privada era condicionado ao modo como essa propriedade deveria ser usada: se não colaborasse com as metas econômicas nazistas, o estado poderia nacionalizá-la. Embora os nazistas tenham privatizado propriedades e uma série de serviços públicos, também aumentaram o controle estatal. Apesar do livre mercado e a livre concorrência terem se enfraquecido sob o regime nazista, as crenças darwinistas, o darwinismo social dos nazistas, era obviamente relutante em desconsiderar inteiramente a concorrência e a propriedade privada como os motores da economia.[2,3,4,5]

“Ao mesmo tempo, não se pode negar que a visão de mundo (weltanschaung) nacional-socialista, diferentemente do marxismo e do comunismo, não é resultado de uma filosofia ou teoria coerente, e sim se caracteriza por um conjunto de idéias e princípios, concepções, esperanças e emoções, unidos por um movimento político radical numa época de crise." (p. 809)

“III. FATORES DA ASCENSÃO DO NACIONALSOCIALISMO, - A ascensão do Nacional-socialismo (1919-1933) foi possível graças à conjugação dos defeitos da política alemã, desde os primórdios do século XIX, com as raízes fatídicas e a história repleta de crises da República de Weimar. A democracia de 1918 foi considerada responsável pelas consequências da derrota na Primeira Guerra Mundial. O novo Governo se tornou o bode expiatório e o objeto do ódio das forças da restauração e da reação no Estado e na sociedade, bem como dos movimentos revolucionários ditatorias reunidos nos belicosos Freikorps, em seitas populares anti-semitas e em organizações paramilitares. O "espantalho vermelho" da revolução comunista completou a tarefa de tornar exército e burocracia, classe média e patrões, fácil conquista de tais sentimentos.” (p. 809)

Referências:

1. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1986.
2. Overy, R.J., The Dictators: Hitler's Germany and Stalin's Russia, W. W. Norton & Company, Inc., 2004. p. 403.
3. Temin, P. (November 1991). "Soviet and Nazi economic planning in the 1930s". The Economic History Review, New Series. 44 (4): 573–93. Abstract in Wiley Online Library.
4. Guillebaud, C. W. 1939. The Economic Recovery of Germany 1933-1938. London: MacMillan and Co. Limited.
5. Barkai, Avaraham 1990. Nazi Economics: Ideology, Theory and Policy. Oxford Berg Publisher.


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