Rezando por dentro, estavam todos mendigando pra Deus. A mão que pede e agradece em dobro. De Deus recebe, com Deus paga. Alguns sacrifícios no ar, prescritos no caminhar do culto. Nas bocas, as palavras ajoelhadas no escuro de cada sofrimento. Ali, no casamento que aproxima o maior momento da vida do que se nasceu sonhando pra esse dia jurado num juramento sagrado. Sagrada a atmosfera impenetrável da fé insana. A lucidez rodopiando, uma vida inteira em busca de alguma vida eterna.
Entram os pombos, estão noivos. Esperando Deus aprovar, regrar e vigiar o que será tão íntimo.
- Jesus veio? - pergunta algum herege, do canto sujo em que se esqueceu.
- Jesus veio? - insiste no pecado do que não se ouve eco.
O coro entoa. Vozes rachando, que Deus não esteja somente no trovão. Que Deus fale, vibre em cada fiel. Estremeça o templo, faça grande ser maior, cabeça a se curvar ao relâmpago, sua voz virar trovão. “Eu sou Deus”, gritou o céu. Correram nuvens em avalanche. O vento levou toda uma cidade, populações pulverizadas. Eu sou Deus!! “(...) e o sol tornou-se negro como um saco de cilício, e a lua tornou-se como sangue (...) E o céu retirou-se como um livro que se enrola; e todos os montes e ilhas foram removidos de seus lugares” (Apocalipse, cap. 6). Deus estava lá em cima, bem no alto, do alto do trono. Suas barbas escorriam sobre o planeta. A simples igreja, ali, no interior, já não era tão simples. Era todo um mundo compacto, vertido para outro mundo do qual não contemos as chaves, os segredos. Um mundo em plena pane, a queda livre de toda a razão. As cabeças de todos os fiéis rumando à loucura prescrita pelo sacerdote que também já não responde por si. Kamikases em direção ao absoluto pelo qual rezamos todos os dias. O absurdo. Não existe chão, não há limites. O vento da escuridão no rosto, somente uma luz no fim de um túnel sem fim. Uma velocidade cada vez maior, sem destino, ou melhor, rumo ao crescimento da seita, exércitos recrutados na visita da miséria, crises econômicas, vidas vazias, sem sentido. O templo aberto ao transe coletivo, as cabeças escancaradas a esse vendaval fazia sentido. O mundo estava de pernas para o ar, orbitando no vácuo dos sonhos de cada um. O orgasmo cósmico. O sangue entorpecido de fé. Paredes desmoronando, o chão longe dos pés. O corpo entregue. Em seus braços posso morrer tranquilo, meu Deus. Existe a dor, porém à sombra de sua asa não me vejo o filhote perdido, doente, rastro de tristezas, mancando moribundo pelos cantos mais sujos do mundo. Assim urrava o Salmo 38, salpicado de fins de mundo, a cada passo do casamento. O Salmo 38 era o pilar da fé, do temor a Deus; o pilar de todos os templos já construídos, pedaços de grandes momentos da história e a história de cada um.
Porém era somente um casamento. Mergulhado, olhos zumbi, cabeça navegando aos sete ventos em cima do Salmo 38. Era somente um casamento. O pastor pedia a atenção dos presentes. Sua voz, muito experiente, era imã a puxar os ouvidos. Trazia lento e feroz, docilmente feroz, os portos dormentes de nossas escutas para as margens imensas que se prometiam em suas palavras. Escalando, escalando uma montanha de pensamentos em cenário de papel, para que aplaudíssemos perante o veredito sagrado das páginas bíblicas. “Eu sou Deus!”, esse grito de trovão era o terremoto ao fundo do discurso orquestrado na casa da minha espera. Aquele filme invadia cada milímetro do que me permitia enquanto um santo, ali, abraçado a Deus, um amigo que era o próprio ambiente que nos circundava. Estávamos embebidos de seu corpo, jazíamos no conforto de sua respiração. Virava os olhos o tremor de raio que percorria a minha alma. “Eu sou Deus!”. Não temer a morte, não temer a dor. Ser pensamento, metáfora dos impossíveis que não ousamos encarar, o infinito encarnado em olhos, boca e voz.
Absorto na imensidão do que não sei se ainda era fé. Fui tragado para o mundo de alguns instantes do que é só espírito e não necessariamente belo, porém também feio, momento inumano das loucuras que se nos costuram por dentro, esquecendo lá fora um corpo povoado de enormes asas para que pudesse voar pelo escuro, como inseto que busca a lua.
Porém, não esqueci, era somente um casamento. Havia teias de aranha por cima dos lustres, meus sapatos apertavam os pés, o calor estava insuportável. Jesus não dizia nada em alguns pedaços descascados das paredes. A musa do coro tinha os dentes tortos. O templo era pequeno demais. Deus não havia ficado para o final da cerimônia. E o pastor finalizava, rouco:
- Então... eu os declaro marido e mulher.
Entram os pombos, estão noivos. Esperando Deus aprovar, regrar e vigiar o que será tão íntimo.
- Jesus veio? - pergunta algum herege, do canto sujo em que se esqueceu.
- Jesus veio? - insiste no pecado do que não se ouve eco.
O coro entoa. Vozes rachando, que Deus não esteja somente no trovão. Que Deus fale, vibre em cada fiel. Estremeça o templo, faça grande ser maior, cabeça a se curvar ao relâmpago, sua voz virar trovão. “Eu sou Deus”, gritou o céu. Correram nuvens em avalanche. O vento levou toda uma cidade, populações pulverizadas. Eu sou Deus!! “(...) e o sol tornou-se negro como um saco de cilício, e a lua tornou-se como sangue (...) E o céu retirou-se como um livro que se enrola; e todos os montes e ilhas foram removidos de seus lugares” (Apocalipse, cap. 6). Deus estava lá em cima, bem no alto, do alto do trono. Suas barbas escorriam sobre o planeta. A simples igreja, ali, no interior, já não era tão simples. Era todo um mundo compacto, vertido para outro mundo do qual não contemos as chaves, os segredos. Um mundo em plena pane, a queda livre de toda a razão. As cabeças de todos os fiéis rumando à loucura prescrita pelo sacerdote que também já não responde por si. Kamikases em direção ao absoluto pelo qual rezamos todos os dias. O absurdo. Não existe chão, não há limites. O vento da escuridão no rosto, somente uma luz no fim de um túnel sem fim. Uma velocidade cada vez maior, sem destino, ou melhor, rumo ao crescimento da seita, exércitos recrutados na visita da miséria, crises econômicas, vidas vazias, sem sentido. O templo aberto ao transe coletivo, as cabeças escancaradas a esse vendaval fazia sentido. O mundo estava de pernas para o ar, orbitando no vácuo dos sonhos de cada um. O orgasmo cósmico. O sangue entorpecido de fé. Paredes desmoronando, o chão longe dos pés. O corpo entregue. Em seus braços posso morrer tranquilo, meu Deus. Existe a dor, porém à sombra de sua asa não me vejo o filhote perdido, doente, rastro de tristezas, mancando moribundo pelos cantos mais sujos do mundo. Assim urrava o Salmo 38, salpicado de fins de mundo, a cada passo do casamento. O Salmo 38 era o pilar da fé, do temor a Deus; o pilar de todos os templos já construídos, pedaços de grandes momentos da história e a história de cada um.
Porém era somente um casamento. Mergulhado, olhos zumbi, cabeça navegando aos sete ventos em cima do Salmo 38. Era somente um casamento. O pastor pedia a atenção dos presentes. Sua voz, muito experiente, era imã a puxar os ouvidos. Trazia lento e feroz, docilmente feroz, os portos dormentes de nossas escutas para as margens imensas que se prometiam em suas palavras. Escalando, escalando uma montanha de pensamentos em cenário de papel, para que aplaudíssemos perante o veredito sagrado das páginas bíblicas. “Eu sou Deus!”, esse grito de trovão era o terremoto ao fundo do discurso orquestrado na casa da minha espera. Aquele filme invadia cada milímetro do que me permitia enquanto um santo, ali, abraçado a Deus, um amigo que era o próprio ambiente que nos circundava. Estávamos embebidos de seu corpo, jazíamos no conforto de sua respiração. Virava os olhos o tremor de raio que percorria a minha alma. “Eu sou Deus!”. Não temer a morte, não temer a dor. Ser pensamento, metáfora dos impossíveis que não ousamos encarar, o infinito encarnado em olhos, boca e voz.
Absorto na imensidão do que não sei se ainda era fé. Fui tragado para o mundo de alguns instantes do que é só espírito e não necessariamente belo, porém também feio, momento inumano das loucuras que se nos costuram por dentro, esquecendo lá fora um corpo povoado de enormes asas para que pudesse voar pelo escuro, como inseto que busca a lua.
Porém, não esqueci, era somente um casamento. Havia teias de aranha por cima dos lustres, meus sapatos apertavam os pés, o calor estava insuportável. Jesus não dizia nada em alguns pedaços descascados das paredes. A musa do coro tinha os dentes tortos. O templo era pequeno demais. Deus não havia ficado para o final da cerimônia. E o pastor finalizava, rouco:
- Então... eu os declaro marido e mulher.
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