Sunday, January 09, 2005

ATRÁS DO MURO DO COLÉGIO

Donizette era feio e forte. E cheio de conversa. De conversas de roça. Donizette era aluno da caixa: precisava de ajuda da escola, não tinha dinheiro nem para comprar o jaleco da escola. Seu almoço era a merenda da escola. E Donizette ia pra escola à cavalo.
Um dia todos estavam eufóricos. Uns diziam que Donizette tinha algo absurdo para mostrar. Outros queriam saber. E todos planejavam encontrar-se no matinho, atrás do muro da escola, para ver o que Donizette tinha.
A professora sentiu a euforia e resolveu investigar. Chegando no matinho, viu que todos estavam em volta de Donizette e que ele fazia algo com o cavalo. “Donizette!!!”, gritou a professora, desesperada. Não pensou duas vezes. Pegou Donizette pela orelha e em dois minutos ele já estava sofrendo um intenso inquérito na diretoria. Nenhuma criança compreendeu o porque de tanto desespero. Afinal, era tão divertido e engraçado ver Donizette pegar no pinto do cavalo e fazer ele esguichar aquele mijo branco: era simplesmente um espetáculo da natureza.
Donizette foi advertido pela diretora. Aliás, recebeu um sermão muito severo. Foram repetidas várias vezes que aquilo não era certo, que era feio, que não deveria fazer novamente. E qual seria o problema? Feiúra não era problema para Donizette, era um meio de vida, a sua condição, da qual todas as crianças se riam. E Donizette não se importava muito em ser feio. Ele era muito esperto, muito engraçado e muito carismático. A feiúra até ajudava. Todos adoravam suas caretas e bocas, e imitações. Todos adoravam Donizette, o menino pobre e feio e engraçado, que ia de cavalo pra escola.
E Donizette então deu um tempo com alguns de seus espetáculos. Parou de exibir as peripécias que fazia com seu cavalo. Deixou ele em casa por uns dias e passou a vir para a escola de bicicleta. Mas outras capetices não deixava de fazer. Um dia um amigo o chamou para comprar um salgadinho na cantina. Havia muita gente espremida, uma fila enorme. Seu amigo estava na sua frente e, à frente de seu amigo, uma menina linda, de uns 14 anos, que tinha a bunda dos sonhos de Donizette. E ele não pensa duas vezes: enfia deliciosamente a mão em sua bunda e escapa sorrateiro no meio da multidão. Quando olha pra trás, ela já está lascando tapas na cara de seu amigo. Essa vou contar para os meus netos, pensou ele.
Contudo, o negócio de ir de bicicleta não durou muito não. Depois de uma semana, Donizette já estava lá de novo com o cavalo. E novamente a arte atrás do muro do escola, no matinho, rolava como queriam os deuses. Mas não deu certo, Donizette é pego mais uma vez. Os sermões dobram ao quadrado e as ameças também. “Se isso ocorrer mais uma vez, mais uma única vez, Donizette, você será expulso do colégio. Você está ouvindo o que estou dizendo? Olha pra mim quando falo com você, seu piralho!”, bradou a diretora.
Um pouco envergonhado com aquela humilhação toda, Donizette fica um mês de molho, tentando bancar o bom mocinho. Mas a coisa ia apertando, Donizette tinha uma dificuldade enorme em não fazer os amigos rirem, em ficar quietinho, sem aprontar. E Donizette era viciado em seu cavalo, viciado principalmente naquela brincadeira do pinto, a qual executava como se fosse um mágico de circo. Como ficar longe dos palcos, não é Donizette?
Agora, com mais segurança e cuidado, os espetáculos atrás do muro da escola estão de volta. Sempre havia um colega que ficava vigiando e dava um assovio alto ao sinal de qualquer aproximação de professor ou funcionário da escola. Até que um dia, depois de perceberem que algo estranho ainda parecia ocorrer atrás do muro da escola, duas professoras resolvem montar uma arapuca. Dão a volta pela rua de cima da escola e contornam o muro. Não deu outra, Donizette é novamente pego em flagrante. Desta vez, além de tremendos puxões de orelha, ele toma tapas na cabeça. E as professoras ficam histéricas, tentam inutilmente esconder o pinto do cavalo com um pano, ou cobrir os olhos das outras crianças.
Não houve jeito, Donizette termina por ser expulso da escola. Seu pai fica desesperado, chora. Vai um dia até a escola para falar com a diretora, mas ela nem o recebe. Passa dias desiludido com a vida e com este mundo injusto. E não havia outra escola para Donizette. Outra escola, somente fora da cidade, e eles não tinham dinheiro para as passagens de ônibus.
Um dia o pai de Donizette aparece na escola. A diretora novamente não quer falar com ele. Ele carrega uma caixa de papel, e deixa com uma funcionária para que seja entregue à diretora.
A diretora chega, logo após o almoço. Vê a linda caixa colorida sobre a mesa, com seu nome por fora. Parecia um presente. Abre e toma um enorme susto. Não há como segurar o vômito, ela acabara de almoçar. O pai de Donizette havia cometido a loucura de cortar o pinto do cavalo e mandá-lo de presente para a professora.
O pai de Donizette passa um mês na prisão. E Donizette tem novamente a chance de voltar a estudar na mesma escola, onde era o rei da garotada. Não havia mais perigo de ser expulso, pois não tinha mais o seu amado cavalo. Ele havia sido atropelado na estrada, por uma enorme jamanta, há um quilômetro de casa, logo depois de ter fugido sem rumo; depois de ter ficado uns três dias, amuado, sem comer ou beber qualquer coisa. E Donizette ou o pai diziam: “Ele tá muito triste, muito triste. Tadinho do bichincho.”

2 comments:

Ana Paula said...
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Ana Paula said...

Adorei o texto. Sua narrativa é parentemente simples, mas deliciosa. Entrei no blog procurando informações sobre um filme que tenho que assisti e encontrei uma prosa encantadora. Parabéns! Vou ler todas do seu blog.