Friday, June 01, 2018

Como mudar?

Uma das coisas comuns que costumo ouvir, principalmente de psicólogos, é que, para resolverem suas pendências em seus relacionamentos pessoais, as pessoas teriam geralmente de permanecer nos mesmos relacionamentos, porque o problema, no final das contas, seria sempre algo que vem da própria pessoa. Ou seja: o defeito está sempre em você, e não adianta ficar mudando de lugar, casamento ou namoro. Tem que parar e resolver as coisas com as pessoas com as quais você está convivendo. Há aí uma concepção de que a responsabilidade é sempre da pessoa, e que o término de alguns relacionamentos simplesmente faz com que ela fique fugindo o tempo todo.

De modo geral costumo ter outra abordagem. Gosto de prezar pela simplicidade e praticidade. Acho que um psicoterapeuta também deve almejar resolutividade. Então, nesse sentido, concebo que algumas mudanças aparentemente simples podem ter efeitos duradouros.

Quando falo em mudança, falo em mudança nas interações com o mundo e com as pessoas, e essas mudanças podem se dar pela mudança de endereço, de escola, de local de trabalho, de país, de relacionamento afetivo ou de círculos de amizade, por exemplo.

Para exemplificar eu gostaria de relatar, com os devidos resguardos à privacidade, dois casos que acompanhei há alguns anos.

Tive um paciente que me relatava uma angústia constante. Era solteiro, por volta de 25 a 30 anos de idade. Tinha uma condição financeira de alto nível, aparência muito boa e também um trabalho como servidor público que lhe remunerava muito bem. Era de uma família rica. Era alguém que estava dentro dos ideais de beleza masculinos que existem atualmente. Tinha facilidade no trato social: conversava com facilidade, tinha bom senso de humor e conseguia seduzir as mulheres com bastante facilidade. Tinha de tudo, do bom e do melhor. Resumindo: homem, branco, heterossexual, dentro dos padrões de beleza, sociável, elegante charmoso e abastado.

Não relatava relacionamentos conflituosos com os pais, com seus relacionamentos afetivos amorosos nem com ninguém da família. Tudo indicava que não havia algo de significativo nesse campo. Contudo não podemos subestimar o papel que as interações com outras pessoas tem na vida de todos nós. E é geralmente isso que está comprometido quando alguém está com algum problema.

Uma pergunta que fiz a ele foi crucial para começarmos a compreender melhor o que estava acontecendo. Perguntei a ele sobre quando em sua vida havia tido mais tranquilidade, ou podia dizer que havia sido feliz. Relatou-me que fora muito feliz por alguns meses. Em algumas situações específicas havia sido muito feliz, por duas vezes, quando havia morado fora da casa de seus pais, em outras cidades.

Procurei ouvir um pouco mais sobre isso, tentando rastrear todos os detalhes possíveis, e não foi difícil de perceber o que estava em jogo. Viver com seus pais é que era o problema. Era servidor público, com uma remuneração boa, bastante digna. Porém, para seus pais, aquilo era muito pouco. Inclusive era motivo de vergonha, por exemplo, ter um carro popular, e ele estava querendo comprar um carro popular. O nível de sua situação era esse.

Uma coisa para mim, em uma situação dessas, é muitíssimo simples: ele deveria simplesmente sair da casa de seus pais. Como terapeuta eu não devia tentar insistir em ajustar os relacionamentos com seus pais. Acho que isso tende a ser mais trabalhoso e com resultados mais duvidosos. Penso que ele, indo para um outro lugar, ou morando com outras pessoas, iria aprender novas formas de interação.

Insistir numa interação já estereotipada e desgastada possui possibilidades remotas de sucesso. É mais fácil consertar uma relação estragada por meio de novas relações, pela renovação de interações e de formas de interação, do que na insistência em uma situação onde imperam papéis estereotipados. É muito mais simples investir em algo novo do que tentar investir em alguma coisa que simplesmente já se perdeu.

Em pouco meses ele já havia se mudado de casa e boa parte de suas dificuldades haviam sido completamente superadas. Seus problemas obviamente não acabaram. E também, ainda em psicoterapia, havia muito o que aprender em suas novas interações, porque isso não havia ocorrido em seu ambiente familiar, por exemplo, e nada disso havia sido monitorado ou supervisionado por um psicoterapeuta.

Outro caso que eu gostaria de citar é o de uma mãe que durante muito tempo teve diversas dificuldades com seu filho único. Desde que ele adentrara a adolescência o relacionamento dos dois ficou bastante conturbado. Ele já tinha mais de 20 anos de idade, e ela parecia obcecada por ele e pela vida independente que já levava, de certo modo, desde a adolescência. Como mãe suas preocupações eram constantes, e eram grandes os conflitos sobre os caminhos que ele havia escolhido, além do fato de já não sentir mais que o filho tinha tanto apego a ela como quando era criança.

Porém, houve uma ocasião em que ela me comunicou sobre a possibilidade de viajar e ficar fora de casa, longe de seu filho por cerca de seis meses ou mais. Percebi que aí havia uma oportunidade de mudança, que ela poderia aos poucos, longe dele, ir substituindo o laço afetivo intenso e obcecado que tinham. A distância e o novo ambiente facilitariam a incursão em novas interações.

Seis meses depois, inclusive sem ter tido contato também comigo, ela retornou:

"Foi muito bom! Eu me libertei de meu filho."

Foi muito mais simples e prática a distância e um novo ambiente, com outras pessoas, para que pudesse incursionar em novas interações, e aprender novas formas de lidar com as pessoas, ou então pelo menos conseguir esquecer e se desvencilhar de um amor mal resolvido, não correspondido, frustrado. O que de certo modo também reitera o ditado de que tempo e distância são remédios para muita coisa nessa vida.

Eu diria, então, que o que era inteiramente uma hipótese para mim agora está bastante claro e em consonância com o que venho observando, há um bom tempo, em minha prática clínica. A mudança fica muito mais facilitada quando ocorre uma renovação significativa de ambiente, quando os atores, as pessoas em questão se alteram, quando existem outras pessoas para o sujeito poder interagir, quando é possível escapar de relacionamentos que estão marcados por estereotipias, pois os estereótipos de papéis dificultam muito a mudança, principalmente em contextos familiares. As outras pessoas geralmente esperam a mesma coisa, o mesmo tipo de comportamento, por mais que esse comportamento, em seu discurso, seja representado como inadequado ou inconveniente. É importante não se esquecer que a abordagem sistêmica em psicoterapia tem muito o que ensinar a respeito disso...

Portanto, para quem quer mudar, eu diria que é possível mudar, insistindo na mudança em seus relacionamentos já velhos e desgastados. Isso é possível, porém penso que é muito mais prático, e talvez mais rápida a mudança se você simplesmente disser adeus. Diga adeus e vá para outro lugar. Vá conhecer outras pessoas e estabelecer novos horizontes. Alguém dificilmente muda se continuar interagindo com as mesmas pessoas que sempre interagiu. E creio que é assim que a vida da maior parte das pessoas de fato encontra renovação. Parece óbvio, mas o comportamento de muitas pessoas, de continuar insistindo nos mesmos relacionamentos, contraria um pouco essa obviedade aparente.

E uma grande dificuldade é muitas vezes o desgaste nos relacionamentos. Se após as devidas ponderações e reflexões, junto ao paciente, ele decidir que irá tentar permanecer no relacionamento em que já está, a mudança será incentivada através da proposição e obediência a novas regras, as quais muitas vezes também contemplam por uma certa renovação no círculo de influências.

Porque é muito difícil, por exemplo, uma mudança no sentido de um homem começar a ter comportamentos menos machistas, em um relacionamento conjugal, se seu círculo de amigos, de influência, é bastante machista.

Sobre essa questão do machismo inclusive pude atender um paciente que tinha um problema sério com sua ex-esposa. Ela não era mais sua esposa há alguns anos, e mesmo assim ainda era fonte de muitos problemas.

Haviam se separado devido a infidelidade por parte dela. E a vida dele havia simplesmente despencado depois da descoberta de sua infidelidade. Percebi, juntamente com ele, que o que mais o fazia sofrer era a pressão de sua família para que ela fosse agredida ou morta, coisa que ele não fez. Quando o adultério dela se tornou público, o status social dele despencou.

Os grupos sociais com os quais ele convivia eram extremamente machistas. Nesse contexto, ele não ter matado a mulher ou o amante dela gerava-lhe bastante sofrimento. Acreditar que ele iria resolver o problema dele continuando a conviver com as mesmas pessoas seria insensato. A renovação de seu círculo de influências era algo urgente, e essa oportunidade logo se insinuou com a possibilidade da mudança de endereço. Foi essa a meta que estabelecemos na última vez em que nos vimos. Contudo não mais o vi, e não sei se veio de fato a se mudar, para ficar longe daquelas pessoas que o influenciavam de modo bastante nefasto.


Conseguir dizer adeus, e ir embora, é muitas vezes o primeiro passo para um processo de construção de uma nova identidade. E isso não encerra com o trabalho de prevenção de generalizações e reconstrução das interações em novas bases, para se forjar novas estruturas. Certamente que a pessoa muitas vezes troca de endereço, de casamento, ou de amigos, e continua a se comportar do mesmo modo que se comportava antes. Porém parece-me que, apesar da tendência à repetição, essa fica muito menos facilitada se a pessoa consegue escapar de relacionamentos nos quais seu papel estava estereotipado, ou então passa a conviver com pessoas cujos valores são completamente diferentes daqueles dos círculos dos quais fazia parte anteriormente.

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