Estou aqui com o livro de David Benatar o qual, muitos sabem, tenta demonstrar simplesmente uma coisa: a vida senciente é uma espécie de erro da natureza. Tenho uma vontade danada de lê-lo com maior propriedade.
Contudo ainda fico um pouco receoso se depois eu venha a me sentir muito mal, sentindo que perdi muito tempo com algo que somente me fez mal.
Porque esse autor traça algumas perspectivas nada otimistas em relação ao valor da vida senciente. Ele apregoa que o mais ético seria uma extinção gradativa, e o mais indolor possível, da espécie humana, por meio da cessação da reprodução, ou seja: o antinatalismo.
Resumindo: a conclusão desse autor é que a espécie humana causou muitos males na história da vida senciente no planeta Terra. A quantidade de sofrimento existente em nosso planeta multiplicou-se de modo significativo depois do surgimento e florescimento de nossa espécie. Então desse modo ele conclui que o mais ético é o fim da espécie humana.
Por outro lado, fico bastante tranquilo em imaginar que qualquer tipo de concepção parecida pode até se me demonstrar como incontestável, mas que acaba perdendo qualquer tipo de força, ou validade pessoal, em dois eixos básicos de minha vida.
O primeiro é ético, o qual deixa claro para mim o meu dever, de modo geral, de viver, e bem, mesmo que minha vida não esteja, no final das contas, sendo sentida por mim como uma boa vida. Porque o principal pra mim não é esse ponto, se a minha vida é boa ou ruim, mas se não é definitiva e indefinidamente insuportável. Enquanto percebo que existem horizontes de suportabilidade, mesmo com a demonstração lógica de que a vida seja, por exemplo, inerentemente ruim, de modo geral penso que vale a pena, porque vale a pena continuar cuidando das pessoas que cuido, divulgando as coisas que penso, investigando e descobrindo alguns conhecimentos ou informações que podem ser úteis a algumas pessoas: fazendo as atividades que já faço, e que eu acho que são importantes para um certo número de pessoas.
Esse ponto para mim está relacionado a um dever. Está mais voltado para um componente ético, de relação com outras pessoas. E por outro lado também existe o componente mais egoístico, o qual diz respeito à fruição, ao prazer de estar vivendo e convivendo com as pessoas, o qual não é completamente desconectado do que costumamos chamar de princípios éticos.
E como atualmente estou numa fase muito boa, sentido que minha vida é uma vida boa, fica muito difícil eu ficar deprimido com ideias como a de David Benatar, por mais que elas sejam verossímeis. E mesmo que eu ficasse um pouco deprimido, a noção de dever pra mim é tão forte que isso não implica em qualquer tipo de tendência suicida, por exemplo.
E o mais interessante: essa noção de dever confere à minha vida bastante dureza, mas também muita aceitação do próprio sofrimento inerente, e bastante poeticidade e beleza.
E quando falo em sofrimento inerente não estou fazendo um elogio do sofrimento, ou tentando dizer que qualquer tipo de sofrimento seja útil, ou qualquer coisa tola parecida. Trata-se simplesmente da aceitação de que essa vida, de modo geral, para a grande maioria dos seres sencientes, é mesmo muito sofrida, dura, e que isso tem uma ressonância bastante significativa em praticamente todos nós, por mais que façamos uso da negação disso.
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