Friday, June 01, 2018

Médicos, prescrições e motivação

Percebo que algumas pessoas ficam inconformadas com médicos, psiquiatras principalmente, que logo prescrevem medicações. Muitas vezes alegam que, aparentemente, esses médicos não fazem qualquer outro tipo de prescrição. Dizem que vão logo prescrevendo medicações, e que não fazem recomendações quanto a uma série de ações que os pacientes podem tomar para prevenir ou melhorar sua condição de saúde, por meio de um tratamento que não somente atue sobre os sintomas, mas também em suas causas.

O problema na verdade é que a atuação médica, de um modo geral, em nosso contexto, é mais prescritiva do que cuidadora. A maioria dos médicos é treinada para prescrever e mandar para casa. Porque cuidar é de certo modo bem mais difícil, pois exige um trabalho mais lento e gradual. O cuidado geralmente não se resolve em uma só tacada.

Somente para dar um exemplo, quero retomar aqui uma fala que uma vez ouvi de Drauzio Varella, um médico que boa parte de nós tem em alto conceito. Ele certa vez disse que recomendava aos pacientes que realizassem mais atividades físicas. Porém, com frequência, ouvia de muitos pacientes que eles simplesmente não tinham tempo para isso. “Aí já é problema seu...”, é o que ele disse que passou a falar para esses pacientes.

Os médicos, de modo geral, não são treinados para cuidar. São treinados para prescrever. Inclusive quando são excelentes médicos, quando começam a adentrar a seara do cuidado, se perdem ao ponto de até mesmo dizerem coisas desse tipo para seus pacientes. Porque esse é um terreno que eles simplesmente desconhecem. É o terreno do cuidado e da motivação. E motivação não se faz somente com algumas palavrinhas soltas, jogadas na orelha de um paciente que está completamente perdido em relação a como, especificamente, vai fazer o que está sendo recomendado.

Com uma pessoa desmotivada, e que acha que não tem tempo para fazer algumas coisas, é geralmente necessário muita conversa, muita escuta, muito tempo com ela para ir aos poucos encontrando a melhor forma para que possa realizar as atividades que são necessárias. E isso é o trabalho típico de um psicólogo. Bons psicólogos foram e são constantemente treinados para isso.

No final das contas o que isso tudo quer dizer? Quer dizer, no atual contexto, que o trabalho multiprofissional e interdisciplinar é fundamental. Se o médico não dá conta de cuidar, ou se essa não é sua atribuição, é importante que reconheça que seu paciente muitas vezes não está realizando algumas atividades que são necessárias para o restabelecimento de sua saúde e bem-estar, e que assim obviamente ele teria de ser encaminhado para algum profissional de outra área, especializado em cuidado, em acompanhamento contínuo.

Então, Drauzio, o que eu tenho a lhe dizer é o seguinte: isso não é só problema do paciente. É um problema nosso. Talvez não seja problema dos médicos, mas certamente é um problema do paciente e de seu psicólogo. Se for esse o caso, não precisa dizer isso a seus pacientes, que é somente problema deles. Encaminhe-os para nós, psicólogos. Estamos à disposição!

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