Wednesday, December 16, 2015

# Meu amigo secreto

Meu amigo secreto é um colega de trabalho. É uma pessoa sensível, e costuma se magoar comigo, quando eu, sem perceber, altero meu tom ou volume de voz, em uma ou outra de nossas reuniões de trabalho. Ele também já se chateou com algumas brincadeiras que fiz, as quais eu já havia feito como muitos outros colegas e que já fizeram também comigo.

Eu sempre achei essas brincadeiras divertidas e boas para a integração de todos lá no ambiente de trabalho. Esse colega, porém, em algumas ocasiões se chateou, e sempre foi admiravelmente capaz de tratar dessas dificuldades diretamente comigo.

Às vezes ele me convidava para uma conversa em particular, às vezes me enviava uma mensagem. E sempre conseguia expressar o que sentia, sem acusações, sem ofensas, sem indiretas em público e sem jamais deixar que sua mágoa ou ressentimento se alastrasse em conversas paralelas pelos corredores. Esse meu amigo tinha muito claro que era fundamental não fomentar o ódio, que reunir-se em grupos de pessoas para falar mal de outras podia somente piorar as interações.

Esse meu amigo secreto me ensinou muito. Com ele descobri, em vários momentos, como eu havia desrespeitado algumas pessoas ou como eu havia sido insensível em alguns contextos. Sempre me lembro dele quando sinto que preciso falar mais baixo e mais devagar, quando sinto que preciso ter mais cuidado, muito mais cuidado, com cada palavra que utilizo ao lidar com quem é mais sensível do que eu...

Orgulho do papai

Que orgulho! Minha filha já sabe contar até 2 !

Eu digo 1 e ela, rapidamente, completa com 2, tentando fazer o 2 com os dedinhos. Aí eu digo 3 e ela diz 2 novamente, completamente fixada, absorvida e siderada pelo mistério e profundidade dessa fascinante entidade numérica...

Meritocracia e herança

Então você defende a meritocracia, que ninguém pode ganhar nada de mão beijada, que as pessoas devem trabalhar muito para conseguirem as coisas? Então, por coerência, seja contra a instituição da herança. Afinal, qual é o mérito de se nascer em uma família rica?

Segundo Renato Janine Ribeiro:

"Jean-Jacques Servan-Schreiber, liberal francês de primeira qualidade, propôs o fim da herança. Achava errado um jovem entrar na vida com muito mais chances do que outro. Essa proposta ilumina um lado importante que o pensamento liberal pode ter: a defesa da igualdade de oportunidades.

A igualdade de resultados pode ou não acontecer. O importante é que todos tenham as mesmas chances.

Não é justa a vantagem lotérica que se chama herança. Mais até: é justo todos terem uma boa educação, uma boa saúde. Um liberalismo sério não admite a desigualdade no ponto de partida. Um liberalismo consequente exigirá até que o governo assegure a igualdade de chances. É aceitável a desigualdade, sim, mas a que resultar de minhas ações (ou omissões). Um liberal autêntico - espécie raríssima no Brasil - não gostará muito do bolsa-família, mas apoiará algum tipo de ação afirmativa, que dê oportunidades a quem não as tem.

O que o liberal não aceita é a irresponsabilidade. Cada um é responsável por seus atos. Se eu tiver oportunidades e perdê-las, não me encoste nos outros. A assistência social não é meio de vida. O liberal sério defenderá todo o apoio para que a pessoa ande com as próprias pernas. Mas, se ela não o quiser, não merece dinheiro público.

O liberalismo defende a liberdade e a responsabilidade. Conhecemos programas que buscam - entre adolescentes pobres - talentos musicais, artísticos, científicos, empresariais. Esse empenho é liberal. Vamos dar oportunidades a todos, celebrando quem ganhar um prêmio, uma olimpíada de Ciência, um título de jovem empreendedor."
http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/esfi/Edicoes/44/artigo163681-1.asp

O preço da liberdade

O preço da liberdade, frequentemente, é a solidão. Desperta o horror e a repugnância das pessoas que são zelosas pela uniformidade social em determinados contextos. Uma pessoa completamente livre está condenada a si mesma, à sua própria sorte.

Ética e sofrimento

A abordagem filosófica que talvez mais tenha se aproximado de uma definição de bem e mal, que seja mais objetiva, é o utilitarismo. Nessa concepção o sofrimento pode ser compreendido como sendo o mal. Se o mal existe, ele se realiza na forma do sofrimento. É ético lutar, agir, se empenhar para tentar diminuir o sofrimento no mundo.

A minha compreensão é a de que não podemos classificar o sofrimento em útil ou inútil, mas a de que existem sofrimentos evitáveis e inevitáveis. Se são evitáveis, é um imperativo ético agir para que deixem de existir. Obviamente um dos pontos centrais nessa reflexão diz respeito à distinção entre sofrimentos evitáveis e inevitáveis. E muitos sofrimentos que eram inevitáveis no passado, hoje, com os mais variados desenvolvimentos técnicos e sociais, podem ser evitados.

E o que é um sofrimento evitável? É todo sofrimento cuja extinção não tem como consequência a produção de sofrimentos ainda maiores.

Mas essa concepção tem também seus limites. Por isso posto aqui, para debatermos.

Alguns esboços:

a dor eh um sinal de alerta. portanto, esse tipo de sofrimento é geralmente util. no meio do video, abaixo, eu digo mais ou menos assim: se for escolher um extremo, entre util e inutil, escolho que é inutil, pra quem sofre, para o sofredor, pois para o opressor é extremamente util. o opressor, ao impor (ou ameaçar com) sofrimento a quem ele oprime, consegue submissao/obediencia. para o opressor, o sofrimento, de quem ele oprime, é extremamente util:

melhor mudar a classificaçao. melhor afirmar que existem sofrimentos evitaveis e inevitaveis, como faz peter singer. isso torna a fronteira mais dinamica, pois o que eh inevitavel hoje, amanha pode deixar de ser.

o começo desse debate foi, ha alguns anos, aqui mesmo pelo FB. eu elaborei uma definiçao inicial que dei para o mal: "todo sofrimento extremo e inutil; eis o mal". depois alterei essa definiçao para "todo sofrimento extremo", somente.

em termos logicos, o sofrimento, na forma da dor corporal, por exemplo, é util, como eu disse. mas a doideira é pensar em algumas situaçoes em que o sofrimento somente mutila e destroi as pessoas. nietzsche: o que nao mata, acrescenta. ah, sim, o velho "o que nao mata, engorda". o que nao mata, acrescenta, ou entao mutila, aleija, deixa sequelas. os extremos, nesse caso, me parecem pessimos: fazer apologia do sofrimento é coisa de kardecista doido a querer justificar tudo o que é merda que existe.

e fazer apologia do nao sofrer, por completo, é enfraquecer-se, de modo geral. mas a ciencia ta aí para conseguir nos ajudar a melhorar essa relaçao custo beneficio. como diminuir custos (sofrimentos) e aumentar beneficios (fortalecimento)? em analise do comportamento isso tem um nome: exposiçao gradual ou desenssibilizaçao sistematica (habituaçao).

https://www.youtube.com/watch?v=pDp09BrjVzw

se o cara tem medo de altura, por exemplo, é mais eficaz ajuda-lo a mudar pelo amor do que pela dor. é mais eficaz e seguro ir aumentando a altura aos poucos do que joga-lo de uma vez do aviao, de paraquedas. com menos sofrimento é mais seguro e eficaz.

uma pedagogia do amor é repleta de prazer e alegria e supera (cientificamente) uma pedagogia da dor, do medo. skinner, nesse ponto, supera maquiavel, e demonstra isso em laboratorio, com resultados que foram inumeras vezes replicados por fontes independentes.

em outro video que fiz, em 2013 (nao lembro qual agora), tambem falo de sofrimento, porem o assunto principal era psicopatia. e, nesse video, uma lampadinha acendeu na minha cabeça: o sofrimento tambem pode tornar alguem mais sensivel e empatico ao sofrimento alheio, e isso talvez seja muito importante para o desenvolvimento da empatia, na formaçao da personalidade, do carater. talvez seja eticamente muito importante ou ate mesmo necessario, fundamental. algo que ainda preciso estudar melhor...

durante 3 anos e meio acompanhei o sofrimento aburdo e atroz de um paciente na uti. ele somente mexia os olhos e pedia pra morrer (totalmente encarcerado em seu proprio corpo; sendo torturado dia e noite durante 3 anos e meio).

enfim: uma indecencia absurdamente revoltante. e quem se fortaleceu com o sofrimento dele? ele é que nao foi. eu, que observo cotidianamente esse sofrimento sem fim, é que me desenssibilizei. e a minha impressao é que quanto mais uma psicopata tortura, mais insensivel fica. por isso, tambem, de certa forma, que o excesso de poder costuma ser tao desumanizante...

Tuesday, November 17, 2015

Recado pra quem é contra a legalização do aborto

Você vai ajudar a criar e educar essa criança que não está sendo desejada? Ah, mas você pode responder que uma das soluções seria facilitar a adoção nesses casos. Coloque-se no lugar do mulher que não está desejando ter um filho, que não se sente em condições de ter essa criança, sendo obrigada a gestar por 9 meses e a parir.

É um processo muito longo e delicado para alguém que não está se sentindo em condições de mergulhar nessa jornada. É um ser da espécie humana que está para chegar e ele precisa ser muito bem recebido. Tudo isso precisa ser preparado com muito amor e dedicação. É por caso você quem vai passar por todas as dificuldades de uma gravidez? Você vai estar lá na hora do parto dessa mulher? Vai ser você quem vai sofrer todas as dores e percalços envolvidos numa gravidez e num parto. e outra: quem disse que essa mulher quer passar por tudo isso e depois entregar seu filho para terceiros que ela nem conhece. Você passaria por tudo isso para depois entregar seu filho para terceiros que você nem conhece?

Talvez seja mais prudente e ético respeitar a autonomia dessa mulher, que é um ser humano em sentido amplo, que sofre e que tem consciência de futuro, e que está muito preocupada com o futuro dessa criança que virá ao mundo, ao invés de ficar brigando pela vida de um punhado de células, as quais não sofrem nem sentem o mundo e estão, desse modo portanto, mais próximas de um espermatozoide do que essa mulher. 

Por que as pessoas desejam ter filhos?

Na minha compreensão as pessoas, de modo geral, desejam ter filhos em função de gratificações culturais, as quais acabam se estendendo e portanto se reproduzindo para a maioria das famílias. Existe estímulo e pressão social para que as pessoas tenham filhos.

Na pré-história, os primeiros grupamentos humanos eram compostos no máximo por algumas dezenas de pessoas. Esses pequenos grupos de pessoas precisavam de prole, precisavam de reprodução farta e constante, para que continuassem existindo. Grupamentos maiores maximizam as chances de sobrevivência de todos.

Imagine por exemplo o caso de um grupo com menos de 100 pessoas, isolados de outros grupamentos humanos, com baixíssima expectativa de vida (uma média de 30 a 35 anos) e com altíssimas taxas de mortalidade infantil. Agora imagine um grupamento humano mais ou menos com as mesmas características, porém em constante conflito com outros grupos, outros clãs.

Há pesquisas que demonstram taxas de homicídio, na pré-história, por volta de 15% da população total. O Brasil está entre os dez países que possuem as maiores taxas de homicídio do mundo. Nossos índices são altos, muito altos: estão por volta de 30 homicídios para cada 100 mil habitantes. Isso, em termos percentuais, equivale a 0,03%. Atualmente o país com as maiores taxas de homicídio do mundo é Honduras, com cerca de 0,1%. E isso é muitíssimo menor do que 15%.

Então imagine um grupo, constituído por menos de 100 pessoas, com taxas de homicídio e de mortalidade infantil absurdamente superiores às atuais. Imagine o sentimento de fragilidade desse grupo. Imagine o quanto é importante a procriação constante. Desse modo, portanto, se torna bastante compreensível a existência de mandamentos sagrados tais como o "crescei-vos e multiplicai-vos”.
Essa ordenamento cultural foi muito importante, durante muito tempo, na história da humanidade, e ainda possui as suas ressonâncias, porque as pessoas desejam ter filhos e a maioria não tem muito claramente para si o porquê de desejarem ter filhos.

Algumas pessoas simplesmente dizem que gostam muito de crianças, da casa cheia de pessoas, que gostam de uma família grande, que foram criadas em uma família grande. Outras temem ficar desamparadas durante a velhice, outras se sentem muito sozinhas, e muitas pessoas simplesmente optam por ter filhos com medo de se arrependerem por não terem tido.

E muitos de nós, por um certo narcisismo, desejamos filhos muito parecidos conosco. Não duvido inclusive que algumas pessoas, se pudessem, optariam por clones, por filhos exatamente iguais a elas, em um movimento inconsciente que realiza uma fantasia de eternidade, totalmente votada à negação da finitude de seu próprio ego.

Muitas pessoas justificam que desejam ter filhos para o que concebem como sendo uma espécie de complementação da felicidade que experimentam em sua vida, ou do desejo de complementarem a união com seus respectivos parceiros.

Contudo, e finalizando, pra mim uma coisa é clara: formamos famílias e desejamos ter filhos para nos tornarmos mais fortes. E essa finalidade, mesmo que inconsciente, não é muito diferente da finalidade que sempre esteve presente na história da humanidade.

E se o nazismo for de fato de esquerda?

Confesso que minha maior motivação para estudar os paralelos entre nazismo e socialismo tem sido as afirmações de que o nazismo era de esquerda. Essas afirmações me intrigaram e me motivaram a ler sobre o assunto, principalmente em referências do universo acadêmico, do universo das pesquisas em história e ciência política.
E nesse minúsculo percurso de leituras e debates pela Internet, posso dizer que minha sensibilidade à utilização de termos como comunista ou fascista, utilizados com a intenção de agredir o interlocutor, se intensificou.

Nesse universo da internet e das redes sociais quem está situado na extrema direita transforma qualquer coisa contrária ao que pensa em xingamentos de "comunista", “esquerdista”, “esquerdalha”, “esquerdopata”, “petralha”. Assim como também é comum, no outro extremo, haver logo o apelo para o rótulo ou o xingamento de “fascista”, “reacionário”, “tucanalha” e outros.

E, na boa meus queridos, isso tudo é muito chato, muito desagradável. É muito desagradável ser associado com genocidas, com o que houve de pior na história do século XX. É muito desagradável receber rótulos pesadíssimos por você ter se desviado um pouco das concepções estritas que algumas pessoas têm. Quem faz isso muito rapidamente, quem, nesse campo das ideologias políticas, demoniza muito rapidamente o outro, está claramente adotando repertórios de ódio.

Sei em qual ponto me situo em termos de espectro político e, apesar de todas as minhas dúvidas, tenho pelo menos uma convicção: não tenho e nem quero ter compromisso algum com a minha posição nesse espectro. E, convenhamos, é um porre lidar com a pressão de partidários um pouco mais exaltados ou extremos, tanto de direita quanto de esquerda. Por quê? Porque transformam tudo o que é dito em uma guerra do bem contra o mal.

E aí, no final das contas, aquela questão que estava me incomodando, sobre o nazismo ser de direita ou de esquerda, já não faz mais tanto sentido assim. O grande problema do nazismo não reside no fato dele ter sido de esquerda ou de direita. O grande problema do nazismo era o extremismo. Era, assim como o Stalinismo, extremo, violento, antidemocrático, com um histórico repleto de atrocidades e atentados aos direitos humanos.

Quem é de extrema direita de certo modo percebeu a merda em que se meteu e está tentando apagar isso da história, projetando sua merda nos outros. E isso que acabo de afirmar não quer dizer que o nazismo era de direita. Somente estou dizendo que alguns extremistas, de certo modo, perceberam que são extremistas. E a melhor forma de lidar com isso, para alguns, passa a ser a tentativa desesperada de esconder que Hitler era também um extremista, por meio da projeção de tudo isso nas pessoas que julgam ser seus inimigos eternos.

O nazismo é de esquerda?

Há alguns anos tem se tornado lugar-comum entre conservadores do mundo inteiro afirmar que o nazismo é de esquerda. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial o senso comum acadêmico classificava o nazismo como sendo de extrema direita. Entretanto, com o passar dos anos, foram surgindo revisionistas, em sua maioria de fora do meio acadêmico. Tenho tentado compreender exatamente quando e de onde surgiram esses revisionismos. A minha hipótese, por enquanto, é que esse movimento surge entre os conservadores americanos, mas não sei precisar exatamente quando.

No Brasil, nos últimos 10 anos, a tendência a se alinhar com esse movimento revisionista tem se intensificado entre nossos conservadores. Seus maiores porta-vozes são Leandro Narloch (colunista da revista Veja e autor do “Guia politicamente incorreto da história do mundo”) e Olavo de Carvalho.

Tenho pesquisado e lido sobre o tema, principalmente em inglês, e tentando conhecer um pouco mais da história do nazismo e do partido nazista alemão. Alguns conservadores não somente afirmam que o nazismo era de esquerda, mas afirmam também que Hitler era marxista. Por outro lado, ainda no mundo todo, a maior parte dos acadêmicos da área continuam a afirmar que o nazismo é de extrema direita.

Ernest Nolte é um dos maiores historiadores do fascismo no mundo. É conservador, e defende (em sua obra “O Fascismo em sua época”, de 1963) que o fascismo (seja ele o francês, o italiano ou o nazismo) foi o grande anti-movimento: era antiliberal, anticomunista, anticapitalista e antiburguês. Foi a rejeição de tudo o que o mundo moderno tinha para oferecer.

Norberto Bobbio ressalta que existe caracteristicamente o que podemos chamar de direita e esquerda, porém faz ressalvas em relação aos extremistas. Para este autor a distinção entre direita e esquerda é uma coisa, e a distinção entre extremistas e moderados é outra. Afirma que a distinção entre esquerda direita é mais clara entre os moderados, e que fica embolada nos extremos, pois o que há de comum entre os extremistas é o pendor autoritário:

"Numa primeira aproximação vê-se que a díade extremismo-moderantismo tem bem pouco a ver com a natureza das ideias professadas, mas diz respeito à sua radicalização e consequentemente às diversas estratégias empregadas para fazê-las valer na prática. Explique-se assim porque revolucionários (de esquerda) e contra-revolucionários (de direita) podem ter certos autores em comum: não os têm como de direita ou de esquerda, mas como extremistas respectivamente de direita e de esquerda, que exatamente por assim serem se distinguem dos moderados de direita e de esquerda. Se é verdade que o critério que subjaz à distinção entre direita e esquerda é diverso do que subjaz à distinção entre extremistas e moderados, isto comporta que ideologias opostas podem encontrar pontos de convergência e de acordo em suas alas extremas, embora permaneçam distintas com respeito aos programas e aos fins últimos dos quais depende sua colocação em uma ou em outra parte da díade." (Bobbio, p. 52)

Ou seja, extremistas são fanáticos que não estão nem um pouco preocupados em compreender como as coisas são. Pretendem simplesmente fazer valer suas crenças e vão se utilizar de tudo o que puderem para isso. São pragmáticos, mas não são pragmáticos em relação à compreensão da realidade. São pragmáticos para colocar em prática as suas próprias visões de mundo mesmo que elas estejam em completa contradição para com os fatos: "os extremos se tocam".

Em uma visão moderada os extremismos não seriam opostos mas, sob muitos aspectos, seriam na verdade análogos. Bobbio, cita Ernest Nolte, para o qual o bolchevismo e o fascismo estariam ligados por um fio duplo, no qual fascismo seria uma inversão do bolchevismo.

"Também com respeito à moral e à doutrina da virtude, os extremistas das margens opostas se encontram e, ao se encontrarem conseguem achar seus bons motivos para se contraporem aos moderados: as virtudes guerreiras, heróicas, da coragem e da ousadia, contra as virtudes consideradas pejorativamente mercantis da prudência, da tolerância, da razão calculadora, da paciente busca da mediação, necessárias nas relações de mercado e naquele mais amplo mercado de opiniões, de idéias, de interesses em conflito, que constitui a essência da democracia, na qual é indispensável a prática do compromisso. Não é por acaso que tanto os extremistas de esquerda quanto os de direita mantêm sob suspeita a democracia, inclusive do ponto de vista das virtudes que ela alimenta e das quais necessita para sobreviver" (Bobbio, p. 56-57)

"A contraposição do guerreiro ao comerciante comporta inevitavelmente a justificação, se não a exaltação, da violência: a violência resolutiva, purificadora, “parteira da história” para a esquerda revolucionária (Marx); “a única higiene do mundo” para a direita reacionária (Marinetti), e assim por diante monotonamente enumerando" (Bobbio, p. 58)

No livro “Minha Luta”, Hitler bate o tempo todo tanto na direita quanto na esquerda. Aliás, o fascismo tem suas origens na França, em fins do século XIX, em parte como uma reação aos intentos revolucionários da Comuna de Paris. Contudo, segundo Bobbio, um proeminente estudo sobre a origem do fascismo na França, cujo autor é o historiador Zeev Sternhell, não por acaso, tem o seguinte título: "Nem direita nem esquerda".

Portanto, a tese de que o nazismo não é nem de direita, nem de esquerda, de que é, em muitos aspectos, sincrético, uma espécie de terceira via (extrema) aos moderados de direita e esquerda, também não deve ser descartada.

Referência:
BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda. Razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP, 1995

Thursday, October 29, 2015

Pai conta como deixou seu filho, bebê, morrer...

No dia 26 de abril de 1989, Rodolfo e Tamara Linares visitaram seu bebê (de 1 ano e 3 meses de idade), em coma, no hospital, pela última vez.

Rodolfo Linares esperou sua esposa deixar o quarto do hospital, se virou para a única enfermeira que havia no recinto, e perguntou-lhe quanto tempo levaria para que seu bebê parasse de respirar se fosse retirado o respirador.

"Cerca de 15 minutos. Por que a pergunta?"

Linares sacou de seu casaco um revólver Magnum 357, e anunciou: “Esta é uma arma real. É isso. Basta!”

Ele então beijou seu filho, Samuel, disse que o amava, e retirou de sua boca o tubo respirador que o mantinha vivo durante os últimos 8 meses, desde que se engasgara com uma bexiga. Chorando, embalou seu bebê em seus braços por 40 minutos até que a criança morresse. Chorou durante 40 minutos, ninando seu filho nos braços, dizendo que o amava e para que Deus o perdoasse.

E você continua batendo o pé contra a eutanásia, contra o direito de morrer...

Thursday, October 22, 2015

FAQ: aborto e direito à vida

Meu último vídeo tem o seguinte título:

“O direito de viver, matar e morrer no pensamento de Peter Singer”

Eis o link para o mesmo:


E hoje resolvi debater um pouco com um interlocutor (o qual chamarei de Jair) que faz perguntas bastantes comuns, que muitas pessoas fazem, as quais merecem talvez algumas respostas mais diretas. Transcrevo abaixo, então, esse pequeno debate:

Jair (em comentário ao vídeo): Falácia do apelo a autoridade kkkkk

Adriano: Por quê?

Jair: vc quer passar um escritor como verdade absoluta, a questão do aborto é tão simples de resolver. Pergunte para as crianças abandonadas se elas preferiam não ter nascido, ensine as mulheres a usar métodos ANTICONCEPCIONAIS. Apelar para o assassinato de seres inocente é ridículo.

Adriano: Primeiramente, esse vídeo nem trata da questão do aborto. Porém, acho que vale pena responder, mesmo assim.

Penso que seria uma falácia de apelo à autoridade se eu simplesmente afirmasse que o aborto deve ser legalizado porque segundo Peter Singer isso é correto e ponto final. Se eu não tivesse construído nenhum tipo de argumento, se eu não tivesse feito nenhum tipo de justificativa e somente tentasse levar o leitor acreditar que isso ou aquilo é certo ou errado porque alguma autoridade disse, isso sim seria apelo à autoridade. E não foi isso o que ocorreu.

Eu simplesmente faço a citação de Peter Singer porque não posso sair por aí esbanjando argumentos dos outros como se fossem meus. Somente estou citando a fonte. Isso é uma obrigação moral também. Sair por aí esbanjando uma série de ideias que não são minhas, como se fossem minhas, é plágio. Isso não somente é antiético como é crime. Me perdoe, mas eu acho que você está confundindo a obrigação moral e ética de citar fontes com apelos à autoridade.

Jair: é uma questão de matar ou não um ser humano, por mais que vc negue que um feto é um ser humano os fatos dizem o contrário. E outra, com a legalização do aborto há um perigo real de aumentar os casos de DSTs. É um absurdo legalizar assassinato e burrice no que diz respeito a controle de DSTs.

Adriano: Você disse que eu nego que o feto é um ser humano. Isso também não é verdade. Em nenhum momento eu afirmei isso. Se a legalização do aborto é um perigo real para aumentar os casos de DSTs, me explique por quê, e por favor cite as pesquisas científicas que embasam o que você está afirmando. Por que é um perigo real? Qual é o estudo experimental ou quais são as evidências epidemiológicas que sustentam essa sua afirmação? Ou isso é somente uma suposição da sua parte?

Você sugeriu que eu perguntasse para as crianças abandonadas se elas prefeririam não ter nascido. Isso me lembra muito a seguinte pergunta, a qual costumam muito frequentemente fazer aos defensores da legalização do aborto: "E se você tivesse sido abortado?". E a resposta é muito simples: se eu tivesse sido abortado, eu não estaria aqui para lamentar ou reclamar do que quer que seja.

Perguntar para uma pessoa se ela preferiria ou não ter nascido não necessariamente implicará em uma única resposta. A minha impressão é que você pressupõe que qualquer pessoa irá sempre responder do mesmo modo, que qualquer pessoa irá responder que preferia ter nascido, apesar de todas as adversidades que enfrenta em sua vida.

Mas essa sua pergunta talvez seja muito importante para nos reportarmos novamente ao pensamento de Peter Singer. Quem deveria responder a essa pergunta seria o próprio feto. E se ele não é capaz de responder a essa pergunta, quem deve respondê-la é quem tem esse feto sob sua responsabilidade, ou seja: sua mãe.

A ética proposta por Peter Singer jamais propõe que devemos matar seres humanos autônomos e com consciencia de si mesmos (ou mesmo aqueles que já foram assim algum dia), donos de sua própria vida e de seu próprio corpo. Expliquei isso muito bem explicado no vídeo, e acho que você não compreendeu.

O feto, o cérebro e a pessoa humana

Segundo Michael Gazzaniga, você não caminha por uma loja de materiais de construção e visualiza 30 casas. Você vê materiais que precisam de arquitetos, carpinteiros, eletricistas, encanadores para poder se criar uma casa.

Um embrião fertilizado pode então ser considerado, em termos genéticos, como um membro da espécie humana, mas há uma diferença muitíssimo grande de um embrião para um ser humano com todos os seus sistemas formados, principalmente o sistema nervoso, o qual lhe confere a capacidade para perceber o mundo e sofrer.

Esse embrião necessita de um útero e pelo menos 12 semanas de gestação, com o desenvolvimento, o crescimento, a duplicação celular, a formação de neurônios (de um sistema neurológico completo), além do zelo e autocuidado empenhado da mãe, diversas consultas médicas para o pré-natal, dedicação, paciência, alimentação e hábitos cuidadosos, para se tornar um ser humano biologicamente completo e objeto de nossas preocupações morais, já que depois de todo esse processo é um ser que sofre, assim como sofre quem cuidou para que chegasse até nesse ponto, e geralmente deseja , e muito, que continue vivendo.

Quando uma loja de materiais de construção sofre um incêndio, a manchete do jornal não é: "30 casas pegam fogo”. É: "Loja de materiais de construção pega fogo”.

O direito de viver, matar e morrer no pensamento de Peter Singer

Peter Singer, referência fundamental em bioética, é um autor que traça reflexões importantes sobre o direito à vida, o direito de morrer e o direito de matar.
O primeiro ponto que deve ser levado em conta é que ele é um utilitarista. Na concepção utilitarista é um imperativo ético agir para diminuir o sofrimento no mundo como um todo. Neste sentido, a ética não se restringe às interações entre os seres humanos. Se estende também para as interações dos seres humanos com todos os outros seres vivos.

A ética é uma filosofia da ação, a qual faz reflexões sistemáticas sobre os conceitos de bem e mal, tentando produzir conhecimentos consistentes sobre nossas ações em relação aos seus possíveis benefícios e e malefícios para todos os seres vivos que sofrem.

O objetivo da ética utilitarista é a diminuição de sofrimentos evitáveis no mundo porque, para esta abordagem, o sofrimento evitável é de certo modo o próprio mal. Se há sofrimento e ele é evitável, eis o mal a ser combatido.

O utilitarismo adotado por Peter Singer, por sua vez, se atrela bastante ao respeito pelos interesses dos seres vivos em questão. A compreensão é a de que, tendo seus interesses vitais contrariados, alguns seres vivos sofrem bastante. Ou seja, somente possuem interesses os seres vivos que sofrem. Em tese, as plantas ou um feto com menos de doze semanas de vida, por exemplo, não possuem interesse algum, já que até o presente momento não possuímos qualquer tipo de evidência de que sofrem.

Então, que fique claro, para esta concepção ética não há uma sacralização da vida, nem mesmo da vida humana. Aliás, em termos modernos, não faz sentido se sacralizar o que quer que seja. Nesse sentido, o respeito maior é pelo interesse de cada um em relação a si mesmo: ao seu próprio corpo e à sua própria vida. É ético, nesse caso, fundamentalmente, o respeito pelo outro e por seu bem-estar, desde que esse bem-estar não cause diretamente malefícios a terceiros.

Nesses termos, portanto, o direito à vida deve ser concedido àqueles seres que sofrem e que tem interesse em continuar vivendo, os quais têm consciência de que estão vivendo e de que existe a morte, sendo capazes de conceber um tempo futuro e de planejar sua própria vida em relação a esses dados de sua realidade.

Para os seres humanos, por exemplo, é importante saber que têm o direito à vida, que outras pessoas não podem simplesmente atentar contra a sua vida (ou contra a vida das pessoas que estimam) sem que isso tenha consequências sérias. Saber que o estado ou outras pessoas poderiam dar cabo de nossas vidas (ou da vida das pessoas que amamos), arbitrariamente, pode causar muita angústia e sofrimento em todas as pessoas, com sérios riscos de ruptura do tecido social. Isso é a barbárie, a guerra de todos contra todos.

Não há garantia de uma organização social mínima sem que o direito à vida seja resguardado. Não teríamos nesse caso uma sociedade mas sim grupos, clãs, isolados e em constante tensão.

Portanto, o direito à vida serve para proteger a vida dos indivíduos e da sociedade como um todo. Mesmo os mais niilistas e desapegados em relação à sua própria vida, tem de certo modo a obrigação moral de lutarem, na medida do possível, para se manterem vivos e bem, já que a vida de um ser humano costuma geralmente ser muito preciosa a outros seres humanos. Quando uma pessoa morre, geralmente outras ficam vivas e sofrendo muito em virtude dessa que se foi. Algumas pessoas, quando morrem, podem deixar danos irreparáveis nos que ficam.

Contudo, se uma pessoa está sobrevivendo em péssimas condições, em sofrimento extremo e irremediável (o qual é vivenciado por essa pessoa como insuportável), deve haver condições sociais para que ela tenha o direito de morrer. Se não somos, como sociedade, capazes de aliviar o sofrimento extremo de alguém que não suporta mais viver, devemos ajudá-la a morrer com dignidade.

Nesta vertente prevalece uma concepção consequencialista. Se a consequência do que fazemos produz mais benefícios do que malefícios, essa ação é geralmente julgada como a correta, como aquela que deve ser adotada. Então o direito de morrer, o direito à eutanásia, o direito a uma morte indolor, para quem possui uma doença terminal ou padece de sofrimentos extremos e irremediáveis, é o direito de terminar com sofrimentos que podem e devem ser evitados. Isso é uma ética da compaixão, da empatia e do respeito pela autonomia das pessoas.

E, por fim, o direito de matar. Não há como sustentar a afirmação simplória de que matar é sempre errado, porque nossa sobrevivência enquanto espécie implica em matar seres de outras espécies, o tempo todo. Mesmo quem adota uma dieta vegetariana também mata outros seres vivos para poder se alimentar deles, ou para se proteger e não contrair doenças e vir a perecer. No final das contas, o mais importante é saber como os seres vivos sencientes (que sofrem), que estão sob nossa responsabilidade, estão vivendo e sendo criados por nós. E se formos nos alimentar deles, é eticamente importante que tenham um abate o mais indolor possível, pois temos condições de lhes garantir uma morte digna. Assim como temos condições de diminuir, em nossa população, a ingestão de proteína animal, a qual pode ser, em boa medida (mas não totalmente), substituída por proteína de origem vegetal.

Finalizando: a ética proposta por Peter Singer jamais propõe que deve-se matar esse ou aquele ser vivo. Não é prescritiva nesse sentido. Matar não é um dever, muito menos nos contextos que envolvem seres humanos. É, no máximo, um direito. O dever, nesta concepção, está relacionado à diminuição do sofrimento no mundo, o qual de forma alguma se resolve com prescrições de extinção de seres humanos, em massa, como muitos afirmam para tentar refutar a ética utilitarista. Portanto, conforme as razões que já foram aqui expostas, seres humanos autônomos e com consciência de si mesmos (ou mesmo aqueles que já foram assim algum dia), donos de sua própria vida e de seu próprio corpo,  esses seres humanos têm direito à vida.

Saturday, September 05, 2015

A homofobia é uma forma de misoginia

A homofobia é uma forma de misoginia. Mas essa consideração costuma ser inútil diante da ignorância e alienação de mulheres homofóbicas. Sua paciência e empatia para tentar compreender esses mecanismos teriam de ser maiores do que seu ódio.

Contudo, seus pares, os grupos sociais aos quais pertencem, geralmente gratificam mais seu ódio do que a sua empatia para escutar o outro, o diferente, e tentar compreender o que de fato ocorre.

A mulher homofóbica é uma escrava "feliz"...

Vida comunitária

Atualmente tenho pensado muito sobre a vida comunitária e o quanto que por meio dela muitas pessoas podem retomar boa parte de seu bem-estar psicológico, outrora perdido.

Uma usuária (paciente) do CAPS, com histórico de ansiedade e alguns sintomas depressivos, hoje nos trouxe uma excelente notícia. Ela está participando de um acampamento do MTST, aqui em minha cidade, e está muito feliz.

Obviamente ainda é muito cedo para fazer qualquer tipo de avaliação mais consistente. Ela porém disse que no acampamento não tem sentido ansiedade nem tristeza. Deixou o conforto de sua casa para dormir todos os dias em uma barraca de lona preta e tomar banho de canequinha com a água de um balde.

Sempre que vou para o CAPS passo na frente desse enorme acampamento. É bastante impressionante ver como as pessoas estão ali, resistindo, com suas barracas e lonas pretas, enfrentando o calor, o sol e a poeira, há vários dias. Às vezes passo ali na hora do almoço e está um sol de rachar e não é pouca poeira. Mas as pessoas estão lá, cuidando de seus filhos, se cuidando, cuidando uma das outras e fazendo tudo isso, pelo que percebi, com muita união, com espírito comunitário.

Apesar de toda a dureza, de toda a falta de conforto, ela está adorando e extremamente envolvida com essa nova vida em comunidade, em constante contato com os vizinhos, em constante compartilhamento de atividades, de alimento e afeto. Segundo ela, um cuida do filho do outro, todos preparam os alimentos e comem juntos.

Todos nós sabemos em maior ou menor medida como é esse sentimento de fazer parte de uma comunidade ou de uma grande família. Fico muito feliz que ela tenha encontrado uma alternativa que fortalece os laços comunitários e talvez a possibilidade de uma vida social, de uma sociedade mais sólida, com laços de solidariedade mais bem estabelecidos e fortes. É muito bonito ver pessoas, com tão poucos recursos, se organizando, se unindo, para lutar por uma vida melhor, com alegria e tolerância no coração para poder estar sempre juntas umas das outras nessa batalha dura, muito dura, que é a vida.

E também, para a minha surpresa, fiquei sabendo hoje, por meio dela e de um outro usuário: o Clube Naturista do Planalto Central (PLANAT) tem sua sede bem próxima aqui de nossa cidade satélite. Ela está querendo ir lá, com sua família, fazer uma visita. Os cancervadores piram...
Bebês e crianças pequenas são a coisa mais linda e mais previsível do mundo. É sempre a mesma coisa: estão sempre nos surpreendendo!

A loucura nossa de cada dia

Tenho e já tive sintomas de vários transtornos mentais. Tenho pensamentos horríveis. Penso, com muita frequência, coisas absurdamente horríveis, trágicas e violentas. Quando eu era criança esses pensamentos me assombravam. Em uma determinada época se transformaram em obsessões e, de certo modo, sofri, muito, de algo muito similar a um transtorno obsessivo compulsivo (TOC). E isso me acometeu misturado com angústia e tristeza. Com 13 anos de idade, em 1985, vivi o pior ano de minha vida, e tive de procurar auxílio. Fiz psicoterapia e tomei um antidepressivo e um ansiolítico.

Depois fui me habituando com todos os pensamentos horríveis que eu pude ter nessa vida. A fábrica não para. Tenho uma imaginação muito fértil, e eles sempre se renovam. Sempre adquiro novos pensamentos absurdamente tristes e horríveis, que exploram e viajam nas mais variadas e absurdas possibilidades de ocorrências extremamente trágicas que podem ocorrer na vida de qualquer um de nós. Porém, como já disse, há muitos e muitos anos que esses pensamentos não me assustam mais. Simplesmente deixo que aconteçam e vou me acostumando com eles. ´

Mas também tenho alguns sintomas psicóticos para os quais não dou muita atenção. Não fico alimentando-os. A melhor forma de lidar com pensamentos que tem uma característica mais delirante ou alucinatória é simplesmente não se isolar em seu próprio mundinho e conversar com as pessoas, ouvindo opiniões diversificadas. Às vezes até devaneio um pouco e me regozijo com alguns pensamentos que classifico como fascinantes e divertidos, ótimo material para o exercício imaginativo e narrativo próprio ao universo das ficções.

Às vezes penso que o mundo é uma ilusão parecida com a de filmes como “Matrix” ou “The Truman Show”. Fico pensando que estou num grande cenário, em um grande esquema ou programa de computador, e que estão jogando comigo, colocando e tirando as pessoas da minha vida, me observando e o tempo todo fazendo testes comigo.

Às vezes, por exemplo, quando não sinto um clima muito bom em algum ambiente que frequento, penso que algumas pessoas estão muito incomodadas comigo, mas ao mesmo tempo não se rebelam, não chegam em mim e dizem o que está acontecendo, porque estão em um outro plano do jogo, em um plano adversário ao meu, e que elas de alguma forma têm medo de mim porque estou associado a algumas figuras poderosas desse plano superior e oculto. Depois observo outras pessoas que são muito benevolentes e fico imaginando que são alguma espécie de enviados, ou coisa similar, que estão aparecendo em minha vida para de fato lutarem por esse lado da força no qual me encontro.

Depois penso que as várias dificuldades que já passei na vida estão na verdade funcionando como uma espécie de treino para que eu possa enfrentar algo muito importante ainda daqui a algum tempo. E esse futuro estrondoso nunca chega. Quanta espera, quanta demora!

Acho que muitas pessoas chegam a cogitar essas possibilidades ou pensar coisas muito parecidas e de fato uma pequena minoria é que embarca de cabeça em suas teorias individuais e acabam surtando. Como não alimento muito e dou pouca atenção, isso acaba se transformando na verdade numa grande diversão, a qual torna meu mundo e minha própria narrativa pessoal um pouco mais lúdicos.

Hoje mesmo tive a impressão de que duas pessoas completamente desconhecidas, às quais não têm a menor ideia de como me chamo, me chamaram pelo nome, como se quisessem me transmitir, de modo cifrado, alguma mensagem que seria muito importante para o nosso lado da força.

Estou inclusive comunicando aqui essas sensações e impressões porque acho especialmente divertido comunicá-las. Fico imaginando o quanto o isolamento social é enlouquecedor. Uma pessoa isolada, que não se comunica de modo significativo com as outras e vivencia uma fratura na relação com os outros, está muito mais suscetível ao enlouquecimento. Imagino que muitos aqui se identificaram com esse meu texto. Ou eu estou ficando louco rs?

Um pouco de brainstorming sobre transtornos mentais...

O que são transtornos mentais? Transtorno é sinônimo de doença? Transtornos mentais são doenças? Não? Sim? Em termos? Para a classe médica esses conceitos são biológicos. Para muitos autores e pesquisadores de outras áreas são conceitos eminentemente sócio-políticos.

O que estou lendo na introdução de alguns artigos: a sociedade escolhe quem será considerado doente ou não de acordo com seus interesses e conveniências. Se prisão é mais eficaz: não é doente, é criminoso. Se igreja funciona melhor: não é doente, é pecador. 

E se o medicamento funcionar melhor ou tiver um lobby forte, já viu né...

http://bjp.rcpsych.org/content/180/2/110.full
http://data.psych.udel.edu/…/3%20Psyc…/Wakefield,%201992.pdf

E o pedófilo funcional abstinente, virgem na pedofilia? É transtorno de quê? O cara trampa, produz e não estupra ninguém, nem difunde pedofilia pela web. Cadê o transtorno? Cadê a disfunção? Fora o fato que a transexualidade é considerada transtorno pelo CID e DSM (sendo que a homossexualidade foi considerada transtorno por mais de 20 anos). É aquela historia: é doença porque é indesejável socialmente. Eis o juízo de valor.

Jogo duplo? CID e DSM classificam psicopatas como doentes, mas o sistema bota na prisão e pronto. É importante dizer que é doente para manter a onisciência?: “Sabemos o que são essas pessoas e um dia ainda faremos uma droga pra elas. Enquanto isso, deixa preso aí...”.

Meu entendimento, por ora, é que os transtornos mentais (em sua grande maioria) não são entidades objetivas, naturais. São convenções.

Talvez um ponto fundamental nesse debate é que a fronteira entre o saudável e o patológico é pura convenção. Assim sendo, é valor. Não é fato. Não é factivel. É valorativo.

Wakefield, um dos autores mais relevantes nesse debate, afirma que há dois componentes na distinção entre o patológico e o saudável: um componente valorativo e um componente factível. 

O valorativo se refere ao que é desejável ou indesejável e varia conforme os contextos sociais. O componente factível diz respeito à funcionalidade. Se há disfunção e ao mesmo tempo essa disfunção é indesejável, logo há doença. 

Contudo é muito complicado mesmo se falar em comportamentos disfuncionais, porque na maior parte das vezes um comportamento é disfuncional em um determinado contexto social e não em outros. É o que nos mostram claramente áreas como a antropologia, a sociologia e a história: o comportamento não funciona para um contexto social específico, para um determinado tipo de sociedade somente. Logo é valorativo.

E não estou de modo algum afirmando que transtornos mentais não existem. parafraseando um pouco o artigo de Fullford, eu diria que o ponto central é que os transtornos mentais possuem possivelmente uma natureza diferente do que costumamos classificar como doença. O termo transtorno possui uma conotação, um peso mais valorativo do que o termo doença. Os valores expressos em relação à sintomatologia psicopatológica são mais divergentes do que os valores expressos em relação à sintomatologia do que costumam chamar de doenças somáticas. Os valores humanos em relação a emoções, crenças, desejos, volições e sexualidade são mais diversos quando em comparação com os valores relativos a "sintomas físicos".

A história mostrou isso com bastante clareza em relação à classificação da homossexualidade como doença até poucos anos atrás. Wakefield dá o exemplo da visão. Diz que evolutivamente um olho foi projetado para o reconhecimento de estimulação externa e que uma alucinação seria uma disfunção. Mas também isso depende do contexto, pois uma alucinação é muito bem-vinda em um terreiro ou em um centro espírita, por exemplo. Os sintomas de uma depressão, por exemplo, seriam disfuncionais. Mas se eles existem é porque foram selecionados evolutivamente. Foram adaptativos para nossa espécie num determinado momento, em um determinado contexto. Então tiveram sua funcionalidade e talvez ainda tenham. Há evidências de que muitos sintomas presentes na depressão ainda tem essa funcionalidade. A tristeza é um sentimento importante e útil, por exemplo. 


Enfim, a questão complicada é a questão conceitual. É muito parecido com o que ocorre em relação à hipnose...

Thus, if "disorder", notwithstanding the standard account, is a value term, it will share with all other value terms the features pointed out by Hare. "Mental disorder", then, if "disorder" is a value term, will be more value-laden than "bodily disorder", not, as the standard account implies, for reasons of scientific deficiency, but because the values expressed by the value term "disorder" are (relatively) divergent in the areas of diagnosis with which psychiatryis concerned and (relatively) shared in the areas of diagnosis with which bodily medicine is concerned. This is consistent with the fact that in psychiatry diagnosis is concerned with areas of human experience and behaviour, such as emotion, belief, desire, volition and sexuality, in which human values are highly diverse (what is good for one is bad for another), whereas in bodily medicine diagnosis is concerned with areas of human experience and behaviour, such as severe bodily pain, threat of death and paralysis, over which human values are relatively shared (what is bad for one is bad for most of us).

The clinician's question: With future scientific advances, in particular discoveries of the brain-based causes of mental disorder, won't values become less important diagnostically?


Reply: In a word, "no". It seems obvious that learning more about the causes of mental disorder will make values less important in psychiatric diagnosis because so much of the diagnostic process in bodily medicine is taken up with identifying the causes of bodily disorders. But remember that the relatively value-laden nature of mental disorder arises not from scientific deficiency (lack of knowledge of causes) but from greater value complexity. In the future we will indeed know much more about the causes (biological, psychological and social) of human experience and behaviour. But this will do nothing to resolve questions about exactly which kinds of experiences and behaviours are negatively evaluated, and, hence,pathological.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1414736/

Traduzi também algumas citações notórias de Thomas Szasz nas quais ele critica o DSM. Questões abertas ao debate, ok?

"A principal função e objetivo do DSM é emprestar credibilidade à alegação de que certos comportamentos, ou mais corretamente, desvios da norma, são transtornos mentais e que tais distúrbios são, portanto, doenças médicas. Assim, o jogo patológico goza do mesmo status de um infarto do miocárdio (coágulo de sangue na artéria do coração). Com efeito, a APA sustenta que apostas são algo que o paciente não pode controlar; e que, em geral, todos os sintomas dos transtornos psiquiátricos estariam fora do controle do paciente. Rejeito essa reivindicação como patentemente falsa".

"A validade ostentada pelo DSM é reforçada pela afirmação da Psiquiatria que as doenças mentais são doenças do cérebro, uma reivindicação supostamente baseada em descobertas recentes da neurociência, tornada possível por técnicas de imagem para diagnóstico e agentes farmacológicos para o seu tratamento. Isso não é verdade. Não existem testes diagnósticos objetivos para confirmar ou não o diagnóstico de depressão; o diagnóstico é feito exclusivamente com base na aparência do paciente, de seu comportamento e nos relatos de outras pessoas sobre o seu comportamento. "

"O problema com diagnósticos psiquiátricos não é que eles não fazem sentido, mas que eles podem ser, e frequentemente são, feitos como jogos semânticos : destroem com a dignidade e a respeitabilidade do sujeito tão eficazmente como rachar um crânio. A diferença é que o homem que veste um rótulo diagnóstico desses é reconhecido por todos como um bandido, mas quem faz um diagnóstico psiquiátrico não é. "
As doenças são um "mau funcionamento do corpo humano, do coração, o fígado, o rim, o cérebro", enquanto "nenhum comportamento ou mau comportamento é uma doença ou pode ser uma doença. Não é isso que as doenças são".

Artigos publicados em periódicos científicos internacionais:

http://plato.stanford.edu/entries/mental-illness/

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1414736/

http://bjp.rcpsych.org/content/180/2/110.full#ref-11

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2174594/

Documentário da BBC:
How Mad Are You? (BBC Horizon)
http://www.youtube.com/watch?v=375-TcKxJpk
http://www.youtube.com/watch?v=SSvVlrt6sL0

David Rosenhan: Being Sane in Insane Places:
http://www.youtube.com/watch?v=j6bmZ8cVB4o

Thomas Szasz e a psiquiatria (legendado):
https://www.youtube.com/watch?v=uE0mysIHvvg

Thomas Szasz y la fabricación de la locura
https://www.youtube.com/watch?v=SvITgs6e9lU

Fiz alguns vídeos sobre esse tema e alguns de seus correlatos:

"Doenças mentais" (1) 
https://www.youtube.com/watch?v=dMpumL2xSHA

"Doenças mentais" (2) 
https://www.youtube.com/watch?v=m472FQvQTQo

Ser diferente
https://www.youtube.com/watch?v=wSBsKripp2s
https://www.youtube.com/watch?v=nNdSxqoWw0g

Doenças psicossomáticas 
https://www.youtube.com/watch?v=VuGinJLbzyI

A felicidade 
https://www.youtube.com/watch?v=4iMHdGSZvWc

As causas da depressão 
https://www.youtube.com/watch?v=cYV-nVXkZ-8

Depressão na atualidade (Hangout) 
https://www.youtube.com/watch?v=Sphr8VKPGDA

Depressão ("FAQ") - com a psiquiatra Camila Jordão 
https://www.youtube.com/watch?v=Aas5Tu4SqBI

Caso Elliot Rodger (breves considerações) 
https://www.youtube.com/watch?v=Mt7M2IDcSjU

Sadismo e duplo-vínculo 
https://www.youtube.com/watch?v=nHouO-uPsYI

Dexter e Hitler: psicopatas? 
https://www.youtube.com/watch?v=kmB_3HRs6Xo

E esse aqui, no qual faço algumas complementações ao que está escrito acima:
https://www.youtube.com/watch?v=vfFHIRdovaw

Saturday, August 08, 2015

Da poesia desisti

Da poesia desisti. agora é ruína: restos e rastros que arrasto, voz morta na gaveta, boi sem pasto. hoje sou pele e osso de tudo o que já escrevi...

Medo de voar

Você tem medo de voar? A medida mais fidedigna para se pensar sobre o risco é de quantas mortes ocorrem por bilhão de quilômetros rodados. E sim: a taxa é muitíssimo menor para aviões. De ônibus o risco é 8 vezes maior. De carro é 62 vezes maior e de moto é mais de 2 mil vezes maior. Número de mortes por bilhão de quilômetros rodados: avião: 0,05; ônibus: 0,4; trem: 0,6; carro: 3,1; bicicleta: 44,6; a pé: 54,2; moto: 108,9.

Fonte: http://www.numberwatch.co.uk/risks_of_travel.htm

Poesia bruta

Cada criança tem as suas peculiaridades hilárias e até mesmo poéticas, de uma poeticidade espontânea, acidental, em estado bruto.

Luisa, quando se machuca, quando alguma coisa a fere ao ponto dela chorar intensamente, logo aponta para o banheiro porque quer se olhar no espelho enquanto chora. Ela fica observando e "brincando", explorando suas próprias expressões enquanto chora.

Pois é, como disse uma vez Fernando Pessoa: o poeta é um fingidor que finge que é dor a dor que deveras [que realmente] sente.

Dessensibilização progressiva

Eu e minha filha assistimos novamente àquela cena de Tom e Jerry na qual Jerry se despede de um leão amigo, com um navio que vai partindo, até desaparecer no horizonte. Jerry acena com um lencinho, com algumas poucas lágrimas a escorrer de seu rosto.

Para a minha surpresa ela reconheceu o que estava sendo representado, e apontou para a tela, chorando, se emocionando sofrida e verdadeiramente com a cena.

Assistimos então a esse episódio pela segunda vez e o efeito foi mais ameno. Sua boquinha se entortou em expressão de choro, com os lábios tremendo e os olhinhos marejados. Mas não chorou. Aguentou firme. 

É, a gente vai se acostumando com algumas durezas da vida...

Inteligência humana

Aquele serzinho, que está há um ano e meio nesse mundo, fala uma ou outra palavrinha isolada, mas compreende um monte de coisas das quais você não tem a menor ideia de que ele seja capaz.

Estávamos uma vez, há mais de um mês, eu e minha filha, assistindo ao Tom e Jerry. Era a primeira vez que ela assistia a esse desenho. Um grande leão havia fugido do circo, e se abrigado na casa de Tom e Jerry, se tornando um grande amigo do rato. No final Jerry inclusive o auxilia a pegar um navio de volta à África, onde voltaria a ser livre.

Quando o navio está partindo, Jerry se despede, acenando com um lencinho na mão, em lágrimas. Minha filha aponta para a tela e chora junto, com um choro verdadeiro e sofrido, com lágrimas. Acho que essa foi a primeira produção cinematográfica que a embalou, a envolveu, com a qual ela se emocionou junto.

E ninguém havia explicado a ela que o leão estava indo embora, que aquilo era uma despedida. Claro, ela detesta despedidas. A palavra que não deve ser dita aqui em casa é “tchau”, principalmente se você estiver andando em direção à porta de saída. Mas ela foi capaz de generalizar os gestos para uma representação pictórica bem específica. Para isso muitas crianças da sua idade são capazes, e é exatamente disso que nós nos esquecemos.

Nunca calibramos muito bem. Civilizações antigas, crianças e animais não-humanos: quando pensamos nessas três categorias sempre tendemos a errar em nossas estimativas. 

Os antigos são sempre subestimados, e há até teorias conspiratórias a afirmar que não fizeram o que fizeram de grandioso – seria obra de extraterrestres. Crianças e animais que não amamos também são subestimados. Com amor na jogada a estimativa costuma se inverter.

E também, há poucos dias, a televisão estava ligada em algum noticiário esportivo. Ao observar a cena de um jogador fazendo um gol, levantando os braços e comemorando, ela também levantou os braços, saiu comemorando e, para botar uma cereja no bolo, gritando gol. E olha que aqui em casa ninguém comemora gol, ninguém se liga muito em futebol pela televisão, pois sempre preferi jogar a assistir.

Isso tudo é muito divertido...

Friday, July 31, 2015

Da poesia desisti

da poesia desisti. agora é ruína: restos e rastros que arrasto, voz morta na gaveta, boi sem pasto. hoje sou pele e osso de tudo o que já escrevi...

Sunday, July 26, 2015

Diretivo ou não-diretivo?

Desde o final de minha pesquisa de doutorado me incomodo com essa pretensa dualidade entre diretividade e não-diretividade em psicoterapia. Quem mais se dedica a tratar desse ponto, na minha compreensão, são os humanistas. Mas a minha impressão é a de que os humanistas mais esclarecidos sabem muito bem que não existe não-diretividade absoluta, a qual de alguma forma poderia ser equalizada a uma espécie de neutralidade.

Contudo, um texto que me incomodou nesse aspecto foi de um psicanalista, Renato Mezan, ao sugerir que a Psicanálise não faz uso da sugestão, em pretensa (e na minha concepção, falsa) oposição a todas as outras abordagens em psicoterapia. Ao procurar demonstrar a especificidade da Psicanálise, esse autor distingue três modalidades de ação da palavra em psicoterapias verbais: sugestão, catarse e interpretação. Mezan insinua que o psicanalista, ao cumprir a abstinência, não trabalha com a sugestão:

“Abstinência da sugestão: o psicanalista se limita a interpretar os dizeres do paciente, sem pretender impor, direta ou indiretamente, modelos e normas de ação ou pensamento, em vista do que chega ao extremo de preservar o segredo sobre suas próprias opiniões ou reações. (...) Em última instância, portanto, a abstinência é abstinência de referir-se à ou de intervir na realidade externa,
concentrando-se a atenção do psicanalista na interpretação do “mundo interno” tal como se expressa no elemento da transferência” (Mezan, 1988, p.30).

A Filosofia Analítica, mais propriamente a Análise da Linguagem Ordinária, me ajudaram a perceber que a forma dos enunciados é menos relevante do que o contexto em que são proferidos. Um terapeuta pode se valer de diversos enunciados que possuem forma descritiva (ou se valer somente de perguntas), se iludindo de que está somente descrevendo, não sendo diretivo ou que está somente “interpretando”, mas sugestões veladas, indiretas, podem ter um papel muito maior de diretividade, comando, do que sugestões diretas. É o que os analistas do comportamento, por exemplo, classificam como mando (comando verbal) disfarçado.

Não tenho dúvidas de que é fundamental estimular a auto-observação, e que o paciente desenvolva cada vez mais a sua capacidade para se sensibilizar às condições que controlam seu comportamento. É desejável que o comportamento, tanto do paciente quanto do terapeuta, seja predominantemente governado por contingências e não por regras.

Mas existem regras que foram sedimentados pela pesquisa científica: essa última frase (no parágrafo acima) é um exemplo claríssimo disso. Nossas concepções técnicas são permeadas por juízos, regras estabelecidas por pesquisas científicas, ou mesmo pelo acúmulo de evidências empíricas não necessariamente científicas, mas evidências da própria prática. Se afirmamos que uma determinada diretriz é mais desejável do que outra, que alguns procedimentos devem ser tomados e não outros, estamos partindo de regras.

Portanto, me desculpem, mas não vejo muito sentido no orgulho com o qual alguns terapeutas enchem a boca, com ares de superioridade, a dizerem que trabalham de modo não-diretivo. Estamos sempre influenciando as pessoas:

“Não se pode dizer que: “sem linguagem não poderíamos entender-nos uns com os outros”, mas sim: “sem linguagem não podemos influenciar outros homens desta ou daquela maneira, não podemos construir estradas e máquinas” etc. E também que: “sem o uso da fala e da escrita os homens não se podem entender uns com os outros” (Wittgenstein, 1996, § 491, p. 136).

Se essa influência sempre existe, por que ela deixaria de existir onde ela na verdade se torna potencializada: no consultório de Psicologia? Desculpe-me, colega, mas você influencia sim, e sua crença de que é não é diretivo pode ser muito mais nefasta do que uma diretividade esclarecida.

Portanto, desde o final de minha pesquisa de doutorado, tenho preferido me classificar como um diretivista esclarecido do que como um não-diretivista ou alguém que tenha a capacidade sobrenatural da neutralidade.

Referências:

Mezan, R. (1988) A vingança da esfinge: ensaios de Psicanálise. São Paulo: Brasiliense.
Wittgenstein, L. (1996) Investigações Filosóficas. São Paulo: Nova Cultural.

Thursday, July 16, 2015

Existem limites para a liberdade de expressão?

Existem limites para a liberdade de expressão, seja ela escrita ou em obras artísticas?

Sim, existem. Você não pode, por exemplo, sair por aí ameaçando as pessoas de morte. Não pode divulgar as fotos íntimas de outras pessoas (mesmo que isso lhe pareça lindo e maravilhoso, uma obra de arte...) se elas não tenham lhe dado autorização para tal. Não pode divulgar que uma determinada pessoa cometeu um crime sem ter provas. Porque tudo isso é muito perigoso, pode despertar ódio. Pessoas podem morrer em função de afirmações mentirosas ou boatos que façam menção a crimes ou atos imorais que não ocorreram.

E tudo isso fica muito mais complicado quando as agressões verbais, ou o que chamam de "liberdade de expressão", começam a se dirigir para grupos de pessoas menos favorecidos ou minoritários, os quais são mais vulneráveis e desprotegidos em um determinado contexto social.

Talvez seja importante pensar um pouco nisso antes de vociferar em favor da irrestrita liberdade de expressão ou de querer transformar em crime toda e qualquer representação que você julga como ofensiva em relação à uma ideia, símbolo ou imagem que você ama.

Plano de suicídio

A maioria aqui sabe que sou um militante da legalização da eutanásia e do suicídio assistido.

Sei que posso, diante de uma situação real, mudar completamente de ideia. Mas, por enquanto, penso do seguinte modo: se eu recebesse hoje o diagnóstico de uma doença degenerativa e incurável como, por exemplo, a esclerose lateral amiotrófica, meu pensamento hoje é o de que eu não hesitaria em optar pelo suicídio assistido. Eu entraria imediatamente em contato com a clínica Dignitas, na Suíça, para me inscrever e entrar na fila do suicídio assistido.

Eu não ia esperar para que o destino fizesse o que ele quisesse comigo, porque a minha experiência de observar o que o destino fez com as pessoas nesse tipo de situação é da ordem do horror. Qualquer um de nós deseja uma morte boa. Não existe quem deseje morrer afogado, queimado, ou muito lentamente, encarcerado em seu próprio corpo, e padecendo de sofrimentos muito intensos, sem inclusive a capacidade de poder comunicar o que está ocorrendo, e sem a menor perspectiva de poder exercer seu direito de terminar rapidamente com a própria vida, já que não lhe resta outra alternativa, que sua vida não vale mais a pena, sendo somente um fardo sem fim.

Sim: eu tenho um plano de suicídio assistido para esse tipo de situação extrema (uma espécie de seguro de morte), mas respeito e admiro muito quem tem a coragem ou a ilusão de acreditar que certamente terá uma morte tranquila, enfim, de acreditar na sorte.