Tuesday, November 17, 2015

O nazismo é de esquerda?

Há alguns anos tem se tornado lugar-comum entre conservadores do mundo inteiro afirmar que o nazismo é de esquerda. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial o senso comum acadêmico classificava o nazismo como sendo de extrema direita. Entretanto, com o passar dos anos, foram surgindo revisionistas, em sua maioria de fora do meio acadêmico. Tenho tentado compreender exatamente quando e de onde surgiram esses revisionismos. A minha hipótese, por enquanto, é que esse movimento surge entre os conservadores americanos, mas não sei precisar exatamente quando.

No Brasil, nos últimos 10 anos, a tendência a se alinhar com esse movimento revisionista tem se intensificado entre nossos conservadores. Seus maiores porta-vozes são Leandro Narloch (colunista da revista Veja e autor do “Guia politicamente incorreto da história do mundo”) e Olavo de Carvalho.

Tenho pesquisado e lido sobre o tema, principalmente em inglês, e tentando conhecer um pouco mais da história do nazismo e do partido nazista alemão. Alguns conservadores não somente afirmam que o nazismo era de esquerda, mas afirmam também que Hitler era marxista. Por outro lado, ainda no mundo todo, a maior parte dos acadêmicos da área continuam a afirmar que o nazismo é de extrema direita.

Ernest Nolte é um dos maiores historiadores do fascismo no mundo. É conservador, e defende (em sua obra “O Fascismo em sua época”, de 1963) que o fascismo (seja ele o francês, o italiano ou o nazismo) foi o grande anti-movimento: era antiliberal, anticomunista, anticapitalista e antiburguês. Foi a rejeição de tudo o que o mundo moderno tinha para oferecer.

Norberto Bobbio ressalta que existe caracteristicamente o que podemos chamar de direita e esquerda, porém faz ressalvas em relação aos extremistas. Para este autor a distinção entre direita e esquerda é uma coisa, e a distinção entre extremistas e moderados é outra. Afirma que a distinção entre esquerda direita é mais clara entre os moderados, e que fica embolada nos extremos, pois o que há de comum entre os extremistas é o pendor autoritário:

"Numa primeira aproximação vê-se que a díade extremismo-moderantismo tem bem pouco a ver com a natureza das ideias professadas, mas diz respeito à sua radicalização e consequentemente às diversas estratégias empregadas para fazê-las valer na prática. Explique-se assim porque revolucionários (de esquerda) e contra-revolucionários (de direita) podem ter certos autores em comum: não os têm como de direita ou de esquerda, mas como extremistas respectivamente de direita e de esquerda, que exatamente por assim serem se distinguem dos moderados de direita e de esquerda. Se é verdade que o critério que subjaz à distinção entre direita e esquerda é diverso do que subjaz à distinção entre extremistas e moderados, isto comporta que ideologias opostas podem encontrar pontos de convergência e de acordo em suas alas extremas, embora permaneçam distintas com respeito aos programas e aos fins últimos dos quais depende sua colocação em uma ou em outra parte da díade." (Bobbio, p. 52)

Ou seja, extremistas são fanáticos que não estão nem um pouco preocupados em compreender como as coisas são. Pretendem simplesmente fazer valer suas crenças e vão se utilizar de tudo o que puderem para isso. São pragmáticos, mas não são pragmáticos em relação à compreensão da realidade. São pragmáticos para colocar em prática as suas próprias visões de mundo mesmo que elas estejam em completa contradição para com os fatos: "os extremos se tocam".

Em uma visão moderada os extremismos não seriam opostos mas, sob muitos aspectos, seriam na verdade análogos. Bobbio, cita Ernest Nolte, para o qual o bolchevismo e o fascismo estariam ligados por um fio duplo, no qual fascismo seria uma inversão do bolchevismo.

"Também com respeito à moral e à doutrina da virtude, os extremistas das margens opostas se encontram e, ao se encontrarem conseguem achar seus bons motivos para se contraporem aos moderados: as virtudes guerreiras, heróicas, da coragem e da ousadia, contra as virtudes consideradas pejorativamente mercantis da prudência, da tolerância, da razão calculadora, da paciente busca da mediação, necessárias nas relações de mercado e naquele mais amplo mercado de opiniões, de idéias, de interesses em conflito, que constitui a essência da democracia, na qual é indispensável a prática do compromisso. Não é por acaso que tanto os extremistas de esquerda quanto os de direita mantêm sob suspeita a democracia, inclusive do ponto de vista das virtudes que ela alimenta e das quais necessita para sobreviver" (Bobbio, p. 56-57)

"A contraposição do guerreiro ao comerciante comporta inevitavelmente a justificação, se não a exaltação, da violência: a violência resolutiva, purificadora, “parteira da história” para a esquerda revolucionária (Marx); “a única higiene do mundo” para a direita reacionária (Marinetti), e assim por diante monotonamente enumerando" (Bobbio, p. 58)

No livro “Minha Luta”, Hitler bate o tempo todo tanto na direita quanto na esquerda. Aliás, o fascismo tem suas origens na França, em fins do século XIX, em parte como uma reação aos intentos revolucionários da Comuna de Paris. Contudo, segundo Bobbio, um proeminente estudo sobre a origem do fascismo na França, cujo autor é o historiador Zeev Sternhell, não por acaso, tem o seguinte título: "Nem direita nem esquerda".

Portanto, a tese de que o nazismo não é nem de direita, nem de esquerda, de que é, em muitos aspectos, sincrético, uma espécie de terceira via (extrema) aos moderados de direita e esquerda, também não deve ser descartada.

Referência:
BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda. Razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP, 1995

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