Tuesday, September 17, 2019

Trecho de Walden II, de Skinner, sobre o regime soviético

“— E quanto à Rússia, então?

— O que é que tem a Rússia?

— Não há uma semelhança considerável entre o comunismo russo e a sua própria filosofia?

— Rússia, Rússia, murmurou Frazier, evasivo. Nossos visitantes sempre perguntam isso. A Rússia é nossa rival. É muito lisonjeiro, — se você considerar os recursos e o número de pessoas envolvidas.

— Mas você está se esquivando de minha pergunta. A Rússia não fez o que vocês estão tentando fazer, mas ao nível do poder político? Eu posso imaginar o que um comunista diria de seu programa Walden II. Não lhe diria simplesmente para abandonar o experimento e ir trabalhar para o Partido?

— Diria e disse.

— E qual a sua resposta?

— Eu só posso ver quatro coisas erradas na Rússia, disse Frazier, divertindo-se claramente com a condescendência. Como originariamente concebida, era uma boa tentativa. Brotou de impulsos humanitários que são lugar-comum em Walden II.

Mas, rapidamente, desenvolveu certas fraquezas. Há quatro e elas eram inevitáveis. Eram inevitáveis simplesmente, porque a tentativa foi feita ao nível do poder político. Esperou que eu lhe perguntasse quais eram as fraquezas.

— A primeira, — disse ele, assim que eu lhe perguntei — é uma perda da mentalidade de experimentação. Muitos experimentos promissores foram simplesmente abandonados. O cuidado em grupo das crianças, a alteração da estrutura da família, o abandono da religião, os novos tipos de incentivo pessoal — todos esses problemas foram "resolvidos" voltando a práticas que têm prevalecido durante séculos nas sociedades capitalistas. Era o antigo problema. Um governo no poder não pode experimentar. Precisa conhecer as respostas ou, pelo menos, fingir que as conhece. Hoje, os russos afirmam que alcançaram um padrão cultural ótimo, ainda que não esteja totalmente difundido. E não ousam admitir qualquer necessidade séria de melhoria. A experimentação revolucionária está morta.

— Em segundo lugar, a Rússia usou propaganda demais. Tanto com o próprio povo, quanto para o mundo exterior. Sua propaganda é muito mais extensa do que qualquer outra que tenha escravizado as classes trabalhadoras. É um defeito sério, porque tornou impossível avaliar o seu êxito. Não sabemos quanto do atual vigor do comunismo russo é devido a uma vida saudável e satisfatória e quanto é devido à doutrinação. Você pode dizer que é um expediente temporário para anular a propaganda da cultura anterior. Mas essa necessidade foi há muito tempo superada e a propaganda ainda continua. Enquanto continuar, não poderemos obter dados válidos sobre a eficácia do comunismo russo. Tanto quanto sabemos, a cultura toda ruiria, se as atitudes que a suportam fossem afastadas. E o pior é que é difícil de imaginar que algum dia elas possam ser afastadas. A propaganda impossibilita o progresso em direção a uma forma de sociedade na qual ela seja desnecessária.

— A terceira fraqueza do governo soviético é o uso de heróis. A primeira função do herói na Rússia, como em qualquer outro lugar, é remendar uma falha estrutural do governo. As decisões importantes não são tomadas na base de um conjunto de princípios; são atos pessoais. O processo de governar é uma arte e não uma ciência. E o governo dura tanto ou é tão bom quanto o artista. Quanto à segunda função do herói, quanto duraria o comunismo, se as fotos de Lênin e Stálin fossem todas rasgadas? É uma pergunta que vale a pena fazer.

— Mas o mais importante de tudo é que o experimento russo baseou-se no poder. Você pode argumentar que a tomada de poder também foi um expediente temporário, uma vez que as pessoas que o detinham eram intolerantes e opressoras. Mas você dificilmente pode defender o uso continuado do poder da mesma maneira. Os russos estão ainda muito longe de uma cultura na qual as pessoas se comportem como querem se comportar para o bem comum. Para conseguir que essas pessoas ajam conforme a demanda do padrão comunista, o governo russo teve de usar as técnicas do capitalismo. Por um lado, emprega recompensas extravagantes e desiguais. Mas uma distribuição desigual de riqueza mais destrói incentivos do que cria. Obviamente, não se pode operar para o bem comum. Por outro lado, o governo também usa de punição ou de ameaça. Que espécie de engenharia comportamental você acha que é esta?”

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