É comum a confusão entre terapia cognitivo-comportamental (TCC) e análise do comportamento. Como a primeira é mais conhecida, a tendência é tomar-se tudo o que existe com a terminologia comportamental por terapia cognitivo-comportamental.
Contudo penso que faz mais sentido chamar a TCC de cognitiva do que de comportamental, porque propõe uma etiologia cognitiva. Quem trabalha com TCC adota a ideia de que sentimentos e comportamentos são determinados por crenças e significações, ou seja: pela cognição.
Para a análise do comportamento as concepções de causalidade ou determinação são completamente diferentes. Aliás, os analistas do comportamento inclusive evitam a ideia de causalidade, porque evitam concepções de agentes causadores. Não haveria agentes causadores, pois o comportamento não seria determinado a partir de uma única fonte. Sendo compreendido como um evento complexo não faz sentido pensar que sua determinação se dá em virtude de um agente causador.
Desse modo então o conceito de que o comportamento ocorre em função de determinadas condições é mais apropriado do que a concepção de que é causado por agentes específicos ou coisa semelhante. Portanto a ideia de função e de tendências de ocorrência é mais importante do que a ideia de causação.
Para a terapia cognitivo-comportamental os sentimentos e comportamentos são determinados pelo modo como as pessoas significam o que lhes ocorre: a cognição é que determina o que somos. Então essa abordagem se esmera bastante na alteração de crenças e significações, a partir da tentativa de substituição dessas por outras crenças e significações mais adaptativas.
A análise do comportamento, por sua vez, concebe que crenças e significações não são causas de comportamentos ou sentimentos. Segundo essa abordagem crenças e significações são somente o efeito das interações que os sujeitos têm com o mundo. Quando concebemos que crenças e significações causam comportamentos e sentimentos deixamos em segundo plano variáveis mais objetivas, e que estão efetivamente envolvidas na determinação de comportamentos e sentimentos.
A ideia de que crenças e significações determinam comportamentos e sentimentos se esgota em solipsismo. É uma ideia que despreza o que há de mais objetivo na relação dos sujeitos com o mundo. Todos os seres dotados de percepção sofrem estimulações provindas do mundo, e a investigação de possíveis determinantes deve se focar nessas estimulações.
Se alguém acredita ou significa um determinado fato de uma determinada maneira é mais razoável pensar que assim o faz porque há estimulações concretas e objetivas que determinam isso. E nós somos constantemente influenciados, estimulados pelo mundo.
Mesmo se existe alguma alteração orgânica, essa alteração deve sempre ser concebida como ocorrendo em função de alguma alteração no mundo.
Tomemos, por exemplo, o caso da correlação entre depressão e níveis de serotonina ou algum outro neurotransmissor. Existe a correlação, porém pesquisadores dessas áreas sabem que se trata somente de uma correlação. Sabem que essa correlação não explica quais são as causas da depressão. Sabem que não há ainda, em termos científicos, conhecimento conclusivo em relação às causas da depressão.
Há, em variados campos de estudo, hipóteses que estão sendo testadas. Os pesquisadores sabem que, se há variação dos níveis de serotonina ou algum outro neurotransmissor, é importante saber o que causa essa variação. Pois é esse tipo de conhecimento que irá revelar a cura ou algo próximo disso, porque a prescrição de medicamentos antidepressivos visa somente o alívio dos sintomas. A cura ou o restabelecimento da saúde não podem depender somente da prescrição de medicamentos que atuam somente sobre os sintomas.
A análise do comportamento concebe que as crenças ou significações são somente sintomas. Para os analistas do comportamento a terapia cognitivo-comportamental atua basicamente no alívio de sintomas. Conceber que crenças e significações causam sentimentos e comportamentos seria, analogamente, mais ou menos como conceber que as alterações no nível de serotonina causam depressão.
Então para os analistas do comportamento a terapia cognitivo-comportamental possui uma base teórica que carece profundamente de consistência. Tratar crenças e significações como determinantes de comportamentos e sentimentos é sinal de falta de consistência teórica. E obviamente que essa consistência deve sempre estar lastreada em evidências, as quais são sustentadas, em boa medida, por estudos randomizados e experimentais. E um grande problema da terapia cognitivo-comportamental é que boa parte dos estudos que demonstram sua eficácia são estudos de correlação, a apontar sempre para algo obscuro que existiria dentro do sujeito como um agente iniciador de comportamentos e sentimentos.
Para Skinner o cognitivismo era o criacionismo na psicologia, porque reina aí a concepção de que algo se cria dentro do sujeito, a partir do nada. Enquanto os cognitivistas olhariam para dentro do sujeito, a análise do comportamento estaria sempre olhando para fora, para o mundo onde de fato está o que é factível.
Em analogia, resguardadas as devidas diferenças de nível, não seria talvez muito diferente dos caminhos que tomaram a astrologia e a astronomia. Enquanto a astrologia olhou para dentro dos sujeitos, a astronomia olhou para fora, olhou para o mundo. Porque, como diz um conhecido ditado, "a verdade está lá fora".
Lembro-me inclusive de um pesquisador, da área de cognição, a relatar em um de seus artigos que atualmente, por mais que se tente ocultar isso, todas as áreas que estão tendo avanço significativo adotam, mesmo que disfarçadamente, uma perspectiva analítico-comportamental, a qual sempre busca especificamente no mundo, nas interações com o mundo, os determinantes de
comportamentos e sentimentos.
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